Uma das espécies de contrato bancário mais habituais no mercado empresarial, principalmente em relação às vendas a crédito, é aquela que realiza desconto de recebíveis de títulos mercantis, como nota promissória, duplicata, letra de câmbio e cheque. Nesta operação, uma pessoa, física ou jurídica, chamada de descontário, transfere um título de crédito de terceiro e recebe do banco - descontador - a importância do título, deduzindo do valor nominal os juros equivalentes ao lapso temporal entre a data da antecipação e o vencimento. A operação, então, se caracteriza pelo empréstimo de uma quantia em dinheiro, descontando antecipadamente juros, e pela transferência, mediante endosso, da propriedade do título cedido.
Diante das suas particularidades, a doutrina considera como sendo um contrato com características reais (entrega do dinheiro), oneroso (benefício patrimonial) e bilateral (obrigação para os contratantes). Pois bem. Em caso de inadimplência do devedor dos títulos perante o banco, como há uma transferência de propriedade do título, o banco pode exigir o mesmo o crédito na data do vencimento, mas sem eximir a responsabilidade do descontário (direito de regresso). É como assevera Arnaldo Rizzardo: "Os documentos recebidos pelo banco, ou endossados ou cedidos, passam à sua propriedade. Ao vencerem, tornam-se exigíveis perante o devedor. Se este não satisfaz o pagamento, o banco terá o caminho da execução para receber o crédito, ou a via ordinária, se não apresentar os requisitos para execução".
Feitas essas breves considerações acerca da natureza do contrato de desconto bancário, cumpre-nos analisar a submissão ou não deste crédito, de titularidade do banco, em caso de pedido de recuperação judicial do descontário.
Nos termos do art. 49, da lei 11.101/05, estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. Assim, poder-se-ia questionar se os títulos transferidos para o banco, ainda não vencidos e, consequentemente, não pagos pelo emitente ou sacado, deveriam, em razão dos empréstimos, serem listados na relação de credores.
A resposta, de imediato, deve ser negativa. Considerando que há uma transferência (cessão) do crédito, não há que se falar, em um primeiro momento, em submissão deste mesmo crédito ao concurso de credores. Como dito, o banco adquire a propriedade do título e, assim, poderá cobrar diretamente em face do sacado ou emitente.
Contudo, o STF, por sua vez, ao julgar o RESP 728.071/GO, já se manifestou de forma diversa e, por entender que tais contratos se assemelham aos contratos de empréstimo/mútuo e não fazerem parte da exceção prevista no art. 49, § 3º, da lei 11.101/05, entendeu pela submissão deste crédito aos efeitos da recuperação judicial.
Em seu voto, a ministra Carmem Lúcia defendeu que: "Trata-se na verdade, de um contrato de desconto, e este se afeiçoa à modalidade de mútuo, vez que cuida-se de empréstimo de dinheiro a juros, e o título objeto do desconto, como disse a agravada, tem a função de garantir o empréstimo, não se adaptando de modo algum à norma do § 3º, do citado art. 49, da lei de falência. Cabe ressaltar, ainda, que o Banco agravante possui outras formas de garantia e não somente o título cambial, devendo, assim, sujeitar-se à recuperação judicial, não havendo motivo para o seu afastamento".
Discordamos desta sujeição. Embora tenha alguma semelhança com os contratos de mútuo, como há uma cessão do título ao banco, não há que se falar, antes do vencimento, em débito do descontário com a instituição financeira. A inclusão deste crédito no rol de credores resulta em um verdadeiro rompimento com as características jurídicas desta espécie de contrato, o que pode causar um cenário nebuloso no fomento ao seu uso no Brasil.
Ademais, cumpre ainda asseverar que, quando a instituição financeira propõe ao descontário esta antecipação, a instituição financeira, via de regra, antes de aprovar a operação, analisa o sacado ou emitente e a liquidez do título mercantil que se pretende a antecipação, pois é este que deverá pagar a quantia na data do vencimento.
Contudo, havendo previsão de vencimento do contrato em caso de propositura de recuperação judicial – algo bastante comum nestas operações -, o banco pode considerar vencido antecipadamente o contrato e cobrar o saldo devedor. Ressalta-se, todavia, que esta é uma faculdade contratual da instituição financeira.
Se, por outro lado, antes do ajuizamento da recuperação judicial, o título já estava vencido e a instituição financeira estava exercendo o deu direito de regresso, este crédito estará sujeito aos efeitos da recuperação judicial. Repita-se: a transferência do título não desvincula o descontário da operação. Por fim, merece ser esclarecido o tratamento destas operações em caso de inadimplemento, pelo sacado ou emitente, após o ajuizamento da recuperação judicial.
Entendemos que, nesta hipótese, como não havia uma submissão deste crédito quando do ajuizamento da recuperação judicial, ele poderá ser cobrado do sacado/emitente e do descontário, mediante ajuizamento de execução ou procedimento comum, quando faltarem os requisitos para uma execução. Este crédito, por apenas ser possível exercer o direito de cobrança após a recuperação judicial, deverá ser considerado extraconcursal.
Assim, concluímos que diversas são as repercussões das operações de desconto de duplicatas no processo de recuperação judicial do descontário: (a) quando o título ainda não for vencido na data do ajuizamento, não será considerada concursal, salvo se o banco optar por vencer automaticamente o contrato; (b) quando o título for vencido antes do ajuizamento e o banco estava exercendo o seu direito de regresso, deverá ser considerada sujeita ao concurso de credores; ou (c) quando vencido o título após o ajuizamento, o crédito igualmente não está sujeito a concursalidade.
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