"São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário."
Este é o texto do artigo segundo da nossa Constituição Federal, mas, ao menos no que diz respeito às relações entre Legislativo e Judiciário, não se pode dizer que o que tem acontecido é "harmonioso".
Poucos dias atrás, vimos as mídias noticiarem uma série de notícias que deixaram os estudiosos do Direito Constitucional bastante perplexos. Pela manhã, as manchetes traziam a informação de que o ministro Marco Aurélio determinou o afastamento do presidente do Senado, Renan Calheiros. Já na parte da tarde, as manchetes das mesmas mídias noticiavam que Renan Calheiros apenas desobedeceu à ordem. Simples assim: apenas desobedeceu. Posteriormente, a decisão de afastamento foi revertida no plenário do Supremo, mas Renan Calheiros foi excluído da linha sucessória presidencial.
O assunto é tão complexo que optamos por esperar a criação de novas doutrinas explicando o que exatamente aconteceu. Ou talvez uma nova Constituição. Quem sabe...
De toda forma, poucos dias depois um novo atrito está na capa dos jornais: os dois Poderes continuam medindo forças e implicando um com o outro, tal qual fazem garotos no ensino fundamental.
Analisamos, dias atrás, o projeto de lei das 10 medidas contra a corrupção, que, totalmente desvirtuado, passou na Câmara e aguardava deliberação do Senado. Eis que o ministro Luiz Fux determina, então, que o projeto volte à Câmara para ser analisado tal como proposto pelo MPF.
Parece realmente uma briga de crianças, cheia de pequenas vinganças. Explicamos.
A proposta das 10 medidas contra a corrupção era um projeto de lei de iniciativa popular. Proposto pelo MPF, ao passar pela deliberação da Câmara dos Deputados, teve seu texto e fundamentos totalmente alterados. E, assim, o que chegou ao Senado era um projeto totalmente diferente, divergente, e quase oposto ao inicial.
Diante desta situação, um deputado Federal ingressou com mandado de segurança fundamentado na violação ao devido processo legislativo. Isto porque a votação na Câmara teria infringido a "iniciativa privativa do STF para proposição de lei complementar que disponha sobre o estatuto da magistratura (art. 93 da CRFB) e do Procurador-Geral da República para lei complementar sobre estatuto do Ministério Público (art. 128, § 5º, da CRFB)". Ainda, "que a emenda do plenário violou o âmbito do anteprojeto de iniciativa da Lei Anticorrupção, tratando de matéria que foge ao objeto do projeto".
O ministro Luiz Fux proferiu liminar no sentido de que o prosseguimento da deliberação no Senado poderia ser nulo e sem qualquer efeito, pois a Câmara desrespeitou seu próprio regimento. O projeto não tramitou da forma diferenciada prevista para os projetos de iniciativa popular, e houve "evidente sobreposição do anseio popular pelos interesses parlamentares, frustrando a intenção da sociedade de apresentar uma proposta de acordo com os seus anseios".
Vozes contrárias também se manifestaram. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, entendeu que a decisão de Fux foi uma "intromissão indevida do Judiciário". O ministro Gilmar Mendes foi bastante enfático em seu posicionamento: "Todos sabem que o projeto foi feito pela equipe da Lava Jato e que atende a interesses de empoderamento dessa equipe. Fux então deveria entregar a chave do parlamento a eles".
Independentemente do lado que se deseje apoiar, fato é que essa história ainda não teve seu final. E não seria de se duvidar se alguns minutos após a publicação deste artigo, novas notícias informarem que o Legislativo se recusou a cumprir mais esta ordem do Judiciário, e prosseguiu com a votação do pacote anticorrupção no Senado...
E para a população, fica a incerteza. Enquanto assistimos a incerteza das instituições e as tentativas nada veladas dos políticos de se livrarem da responsabilização pelos seus atos, aguardamos as cenas dos próximos capítulos.
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