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Da responsabilidade tributária dos sócios, administradores e terceiros e o artigo 8º do decreto-lei 1.736/79

Existirá responsabilidade se o diretor, gerente ou representante tiver a intenção de praticar uma conduta contrária à lei, ao contrato social ou ao estatuto social.

12/12/2016

Não é de hoje que as procuradorias fazendárias tentam transferir a incumbência fiscal aos sócios, administradores e terceiros quando não conseguem satisfazer a persecução fiscal diretamente da pessoa jurídica devedora.

Apesar dos artigos 134 e 135 do CTN prescreverem os limites para responsabilização tributária de terceiros vinculados à pessoa jurídica, o assunto é corrente no Poder Judiciário que, apesar de poucas decisões no sentido contrário, sedimentou o entendimento de que o mero inadimplemento da obrigação tributária pela pessoa jurídica não implica na responsabilidade solidária de sócios ou administradores. Tanto que o Egrégio STJ editou a súmula 430 que assevera que "O inadimplemento da obrigação tributária não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente".

Referida súmula está em absoluta consonância com os artigos 134 e 135 do CTN, na medida em que as normas preveem conduta ativa ou omissiva do agente a ser responsabilizado, sendo que essa conduta deverá ser comprovada pelo agente fiscal em processo administrativo.

"Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
I - os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;
II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;
III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;
IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;
V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário;
VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;
VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.
Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I - as pessoas referidas no artigo anterior;
II - os mandatários, prepostos e empregados;
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado."

Importante observar que a responsabilidade prevista no artigo 135 pressupõe dolo, ou seja, apenas existirá responsabilidade se o diretor, gerente ou representante tiver a intenção de praticar uma conduta contrária à lei, ao contrato social ou ao estatuto social.

Nas palavras de Maria Rita Ferragut, "o elemento subjetivo, aqui, significa que a responsabilidade nasce somente se o administrador agir intencionalmente, com o animus de praticar a conduta típica, mesmo sabendo que o ordenamento jurídico proíbe tal comportamento".

Referido entendimento também se coaduna com a legislação comercial. Como nos ensina Maria Helena Diniz, "pessoa jurídica é a unidade de pessoas naturais ou de patrimônios, que visa a consecução de certos fins, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações" .Por sua vez, Clóvis Bevilácqua conceitua pessoa jurídica como sendo "todos os agrupamentos de homens que, reunidos para um fim, cuja realização procuram, mostram ter vida própria, distinta da dos indivíduos que os compõem, e necessitando, para a segurança dessa vida, de uma proteção particular do direito".

Podemos concluir sem hesitar que a pessoa jurídica é um ente detentor de direitos e obrigações que não se confundem com as pessoas naturais ou mesmo jurídicas que compõem seu quadro societário. Como consequência, seus direitos e obrigações se restringem exclusivamente aos limites patrimoniais da pessoa jurídica.

É, inclusive, o que se observa do artigo 158 da lei 6.404/76 – lei das Sociedades Anônimas:

"Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder:
I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;
II - com violação da lei ou do estatuto."

Por seu turno, o artigo 1.052 do CC assevera que "Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social". É dizer, à exceção de casos excepcionalmente previstos na legislação, o sócio somente irá responder até o montante do capital social a ser integralizado.

Não obstante a clareza do sistema normativo que regulamenta a questão, não raro nos deparamos com interpretações fazendárias que pretendem mitigar, para não dizer excluir, a necessidade da comprovação da ação ou omissão dos sócios e terceiros vinculados pessoa jurídica devedora tributária. É o caso da interpretação fazendária ao artigo do 8º do decreto-lei 1.736/79, que diz:

"Art. 8º - São solidariamente responsáveis com o sujeito passivo os acionistas controladores, os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, pelos créditos decorrentes do não recolhimento do imposto sobre produtos industrializados e do imposto sobre a renda descontado na fonte.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas referidas neste artigo restringe-se ao período da respectiva administração, gestão ou representação. "

Uma interpretação meramente literal e apressada do dispositivo – interpretação esta que vem sendo adotada pela Procuradoria da Fazenda Nacional – poderia levar à conclusão de que o mero inadimplemento do imposto sobre produtos industrializados e do imposto sobre a renda descontado na fonte pela pessoa jurídica, ensejaria a responsabilidade solidária dos acionistas controladores, diretores, gerentes ou os representantes daquela.

Contudo, a interpretação literal é apenas um dos componentes interpretativos das normas jurídicas que, sozinha, pode levar a conclusões precipitadas. Como assevera Luciano Amaro, "(...) o intérprete deve partir do exame do texto legal, perquirindo o sentido das palavras utilizadas pelo legislador (na chamada interpretação literal ou gramatical); cumpre-lhe, todavia, buscar uma inteligência do texto que não descabe para o absurdo, ou seja, deve preocupar-se em dar à norma um sentido lógico (interpretação Lógica) a qual a harmonize com o sistema em que ela se insere (interpretação sistemática), socorrendo-se da análise das circunstâncias históricas que cercaram a edição da lei (interpretação histórica), sem descurar das finalidades a que a lei visa (interpretação finalística ou teleológica).".

De fato, é cediço que o ordenamento jurídico é um todo unitário. Conforme esclarece o Professor Paulo de Barros Carvalho, "as normas jurídicas formam um sistema, na medida em que se relacionam de diversas maneiras, segundo um princípio unificador." . As normas jurídicas, por coexistirem em um sistema, devem ser interpretadas simultaneamente, de modo a não subsistir interpretações isoladas e inconciliáveis com outras normas do sistema jurídico.

No presente caso, o artigo 8º do decreto 1.736/79 prescreve a responsabilidade tributária solidária dos agentes nele descritos quando não houver o pagamento pela pessoa jurídica do imposto sobre produtos industrializados e do imposto sobre a renda descontado na fonte. Pela interpretação literal, bastaria o fato "não pagamento", para ensejar a responsabilização. Pelo critério da interpretação lógica, não nos parece um absurdo (apesar de ser fortemente questionável) os agentes discriminados serem responsabilizados. Já pela interpretação histórica, apesar do regime de exceção em que o Brasil vivia à época da edição da norma, também não nos parece que esse momento político tenha alguma relevância significativa na forma de interpretação do dispositivo. Já pelo crivo da interpretação sistemática, o dispositivo tem seu alcance nitidamente mitigado.

Conforme acima exposto, os artigos 134 e 135 do CTN (que foi recepcionado pela CF/88 com status de lei Complementar) tratam de impor limites objetivos à responsabilização dos agentes vinculados a pessoa jurídica devedora tributária, limites estes que vem sendo, em princípio, observados pelo Poder Judiciário.

Importante se destacar que a interpretação sistemática que ora propomos não está em conflito com a interpretação finalística. Não há dúvidas de que a finalidade do artigo 8º do decreto-lei 1.736/79 é garantir a satisfação do crédito tributário pela União Federal. Contudo, essa finalidade somente poderá ser legalmente alcançada se observadas as condições previstas nos artigos 134 e 135 do CTN. Autorizar a invasão patrimonial de pessoa que não tenha agido na forma estabelecida no CTN, viola, por via de consequência, o direito constitucional da propriedade e ao princípio da não utilização do tributo como confisco.

Não bastasse a interpretação da Procuradoria da Fazenda Nacional não passar pelo crivo dos princípios comezinho da hermenêutica jurídica, temos para nós que 8º do decreto-lei 1.736/79 padece de vício de inconstitucionalidade em sua origem, na medida em que no momento de sua promulgação, em 1979, contrariava as disposições da CF de 1967/1969, já que exigia, assim como o faz a atual Constituição no seu artigo 146, lei complementar para dispor sobre normas gerais em matéria tributária, sendo certo que dentre essas normas gerais está a responsabilidade de terceiros.

Pois bem, como pretendemos ter demonstrado nesse breve texto, a busca pela satisfação do crédito tributário, apesar de sua nobre finalidade, não pode ser efetivada desrespeitando o sistema jurídico posto. O artigo 8º do decreto-lei 1736/79, acaso superada sua inconstitucionalidade de forma, deverá ser aplicado levando-se em conta os princípios da hermenêutica jurídica, em especial a interpretação sistemática com o artigo 134 e 135 do CTN, que asseveram ter de haver conduta ativa ou omissiva do agente e, em relação ao artigo 135, deverá estar comprovado em procedimento administrativo o "ato praticado com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos", para que a responsabilidade solidária seja válida.
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1 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002. São Paulo: Noeses, 2013. P. 139.

2 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Teoria geral do direito civil, 24 ed. São Paulo, Saraiva, 2007, v1, p 229.

3 AMARO, Luciano – Direito Tributário Brasileiro – 12ª Edição – Editora Saraiva – São Paulo, p. 208-209.

4 CARVALHO, Paulo de Barros – Curso e Direito Tributário. 19ª Ed. São Paulo Editora Saraiva p. 11.

5 Vide já mencionada Súmula 430 do E. STJ
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*Marcus Vinicius Boreggio é advogado tributário, especialista em Direito Tributário e sócio do escritório Pedroso Advogados Associados.


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