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As instituições sui generis da República

PGR ofereceu parecer que questiona a natureza sui generis reconhecida pelo STF em prol da OAB. Julgo, data venia, que a posição sustentada pelo MPF está completamente eivada de equívoco.

2/12/2016

Introdução

Partimos da seguinte situação: o MPF, representado pela PGR, ofereceu parecer que questiona a natureza sui generis reconhecida pelo STF em prol da OAB. Nessa oportunidade, a PGR recomenda a revisão do entendimento vigente no STF sob a alegação de que o enquadramento da OAB no regime público das autarquias não impossibilitaria que ela exercesse regularmente sua função pública e social de defesa do Estado democrático de direito. Julgo, data venia, que a posição sustentada pelo MPF está completamente eivada de equívoco, porquanto exibe indesculpável desconhecimento das opções feitas pelo constituinte de 1988 no tocante aos mecanismos institucionais de preservação da incolumidade da República. A fim de que a República Federativa do Brasil se mantenha e se preserve enquanto um Estado democrático de direito, e que o povo seja seu legítimo e genuíno soberano, a Constituição trouxe um engenhoso desenho institucional de freios e contrapesos (checks and balances), orientado à contenção das possíveis arbitrariedades decorrentes da concentração de poder da parte dos órgãos estatais.

Identificamos manifesta e deliberada adoção de um mecanismo de bloqueio da vinculação de algumas instituições aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, em razão da essência das peculiares atribuições por elas desempenhadas, de modo que não haja entre elas e outras instâncias governamentais uma acentuada subordinação hierárquica. Quando um órgão da magnitude e relevância do MP insinua que se deva "romper o bloqueio", denuncia patente desconhecimento das intenções republicanas que inspiraram o constituinte originário a criar uma estrutura de controle, harmonização e contemporização dos poderes públicos. Transparece desconhecimento acerca da própria característica sui generis, transmuta prerrogativas dos entes públicos em privilégios corporativistas.

Ao próprio MP foi outorgado, pelo constituinte, o caráter sui generis, indispensável para que funcione efetivamente como guardião da cidadania e fiscal da lei. Esse programa contou, inclusive, com decisivo apoio da OAB, entidade que se engajou sobremaneira para que o MP deixasse de se reduzir a uma instituição subjugada, fadada a atender aos interesses dos governantes – sobretudo dos chefes do Executivo. O MP não pode olvidar que tanto ele quanto as demais instituições sui generis, como a OAB e os Tribunais de Contas, foram munidos, pelos desígnios constitucionais, de um papel imperativo de agir em defesa dos direitos fundamentais, da cidadania e do Estado democrático de direito. Esse papel é o que dá conformidade à República, na medida em que engendra uma estrutura de controle e fiscalização da atividade pública, de tal sorte que esta permaneça sempre alinhada ao interesse coletivo, à res publica. Se a autonomia das instituições sui generis fosse neutralizada, haveria um impacto deletério na estrutura republicana. Causa espécie, pois, que a PGR ignore esse ponto.

Neste artigo, desenvolverei o argumento de que a OAB integra o grupo das instituições sui generis da República, do qual também fazem parte o Ministério Público e os Tribunais de Contas. Todos são órgãos providos de autonomia funcional pela Constituição, não subordinados hierarquicamente aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário – a despeito de os Tribunais de Contas fazerem parte da estrutura interna do Legislativo e de o MP compor a estrutura interna do Executivo. Iniciando com uma apreciação dos argumentos expostos no parecer do PGR (Parte 1), indicarei as características centrais das instituições sui generis criadas pelo constituinte originário (Parte 2) – quais sejam, Tribunais de Contas (Parte 2.1), MP (Parte 2.2) e Ordem dos Advogados do Brasil (Parte 2.3) – e, ao final, concluirei pela indispensabilidade da existência de instituições sui generis, dotadas de autonomia funcional, para a salvaguarda do Estado democrático de direito (Parte 3).

______________

*Antonio Oneildo Ferreira é advogado, diretor-tesoureiro do Conselho Federal da OAB.


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