Por meio de recente decisão proferida monocraticamente pelo ministro do STF Gilmar Mendes, publicada em 18/10/161, tomou-se a medida excepcional de suspender todos os processos em curso, bem como os efeitos das decisões judiciais já proferidas no âmbito da Justiça do Trabalho que versem sobre a aplicação da ultratividade de normas coletivas de trabalho.
Vale lembrar que, por norma coletiva de trabalho, entendem-se as (A) Convenções Coletivas de Trabalho – CCT, que são firmadas entre 2 (duas) ou mais entidades sindicais representativas das categorias econômica e profissional (sindicato, federação e/ou confederação); e, (B) Acordos Coletivos de Trabalho – ACT que são, em regra, firmados entre uma Empresa e a entidade sindical representativa de seus empregados.
Já por ultratividade da norma coletiva entende-se a possibilidade de que as cláusula insertas em um documento, seja ele uma CCT ou ACT, permaneçam em vigor mesmo após a expiração do prazo de vigência do documento na qual estão inseridas.
Ainda, imperioso destacar que, de acordo com a legislação trabalhista, a vigência da norma coletiva, requisito indispensável para sua validade, não pode superar 2 (dois) anos2.
Desse modo, até que sobrevenha decisão colegiada sobre o tema em apreço, não se poderá discutir, judicialmente, se uma norma firmada em negociação coletiva possui ou não validade após o término da sua vigência, seja ela uma CCT ou ACT.
Importante destacar que tal entendimento ganhou as manchetes exatamente por ser ele diametralmente oposto ao entendimento adotado pelo TST desde setembro de 2012, oportunidade em que esse Órgão editou a súmula de 2773.
Desde a publicação da súmula 277 do TST, as cláusulas negociadas coletivamente continuavam a valer após a expiração da vigência do documento no qual estavam inseridas.
Tal entendimento vinha, há muito, contribuindo, de forma direta e decisiva, para a morosidade na negociação coletiva que, rotineiramente, apenas se encerra após a data do término da vigência da norma até então adotada. Com efeito, tem-se que o fato de as normas coletivas permanecerem em vigor ainda que formalmente extinta sua vigência não contribuem para que a negociação coletiva seja, de fato, encerrada antes de expirada a anterior.
Indiscutível que a demora na nova pactuação é um entrave tanto para empregados, quanto para empregadores. Aos empregados, resta a insegurança da manutenção (ou não) das condições contratadas, benefícios já conquistados por sua categoria e convencionalmente concedidos, tais como convênio médico, cestas (vale) alimentação, estabilidades convencionais (pré-aposentadoria, retorno de férias, alta previdenciária, etc.).
A prévia ciência dessas condições pode ser importante para que os profissionais optem por permanecer laborando na Empresa e, ainda, para que possam programar seu orçamento doméstico/familiar.
Já ao Empregador permanece, inicialmente, a imperiosa necessidade de regularização de práticas trabalhistas adotadas que se apoiam exatamente na autorização convencional. Os exemplos são variados, tais como as compensações de jornada (sendo a mais conhecida a do banco de horas - compensação de jornada no período de 12 meses), ou a natureza salarial dos auxílios alimentação e transporte, este último concedido excepcionalmente em dinheiro. Em ambos os casos ora citados, a validade de tais benefícios está intimamente atrelada à existência de norma coletiva vigente.
Uma vez que a negociação é imposta pela legislação e pela jurisprudência, para a Empresa é indispensável que esta seja finalizada com brevidade, para poder realizar o cálculo do seu impacto no orçamento anual. Trata-se da melhor oportunidade para que o Empregador possa analisar com exatidão se os benefícios propostos e/ou aceitos são compatíveis com a saúde financeira da Empresa ou se, para mantê-los, será necessário encerrar postos de trabalho.
Assim, na vigência do regime atual da ultra-atividade da norma coletiva, as partes dividem as vantagens e agruras de uma negociação que caminha, quase sempre, a passos de tartaruga.
Inegável, portanto, a importância jurídica da discussão travada hoje junto ao STF. Sobretudo, porque o principal argumento de Direito adotado é a impossibilidade da interpretação constitucional dada à matéria pelo TST, materializada através da edição da mencionada súmula 277.
Vale salientar que a ultra-atividade da norma, como medida excepcional no ordenamento jurídico, necessita ser expressamente regulamentada por lei própria, o que ocorria através da lei Federal de 8.542/92, art.1º, §1º4 até sua revogação, ocorrida em 23 de dezembro de 20015. Após, não houve mais legislação, ordinária ou extraordinária, no âmbito trabalhista, que regulamentasse a ultra-atividade.
Nesse esteio, importante destacar que a regulamentação sobre a ultra-atividade sempre ocorreu por legislação ordinária, não podendo, o TST, agora, dando interpretação ao artigo da Constituição Federal, entender ser cabível sua aplicação.
Dessa feita, é de bom alvitre elucidar os riscos e situações que não vêm sendo satisfatoriamente discutidos, seja no meio jurídico, seja no meio empresarial, a saber: Quais seriam as consequências advindas do recente entendimento adotado pela Suprema Corte nos contratos individuais de trabalho vigentes?
Em uma situação real, na qual a negociação coletiva não fora finalizada antes do término da vigência da norma anterior, o que o Empregador deverá fazer? Considerando que as normas pactuadas coletivamente aderem ao contrato de trabalho, o Empresário encontra-se entre Scylla et Charybde, ou seja :
1. A Empresa deverá manter os benefícios consignados em norma coletiva após sua vigência, sob o risco de que, posteriormente, em decisão judicial, os mesmos venham a ser reconhecidos como salário, com o consequente pagamento da diferença em todas as parcelas cuja natureza também seja salarial (férias, 13º salário, horas extras, FGTS e INSS), vez que o único elemento que afastaria tal natureza seria a norma coletiva?
Ou
2. A Empresa deverá suprimir a concessão dos benefícios em comento e sofrer o ajuizamento de ações trabalhistas que entendam que tal supressão é nula? Com efeito, tal tese poderia ser facilmente aventada, com fundamento em 2 (dois) princípios do Direito do Trabalho, quais sejam, a cláusula mais favorável adere ao contrato de trabalho e a alteração do contrato de trabalho que acarrete, direta ou indiretamente, prejuízo ao empregado, é nula.
Outra encruzilhada na qual se encontrarão os empresários será o fato de decidir adotar, ou não, a compensação de jornada autorizada em norma coletiva anterior. Em caso de eventual discussão judicial, qual será o posicionamento adotado pelo Julgador?1. Reconhecer como válido o acordo coletivo e/ou convenção coletiva que previram a possibilidade da compensação da jornada extraordinária através de folgas compensatórias? Caso as referidas folgas não sejam concedidas em determinado período, deverão ser obrigatoriamente remuneradas, inclusive acrescidas de adicionais que comumente extrapolam (e muito) o constitucionalmente estabelecido (50% a mais do que a hora normal) (ou sobre o valor da hora normal?);
Ou
2. Invalidar a autorização da norma coletiva, tendo em vista que seu prazo de vigência já expirou, o que levaria à condenação da Empresa no pagamento de todas as horas extraordinárias prestadas, com seus reflexos nas demais parcelas de natureza salarial, não podendo, o Empregador, sequer deduzir as saídas antecipadas e ausências decorrentes da utilização da compensação de jornada. Isso, porque seriam elas (saídas antecipadas e ausências) vistas como simples benesse do Empregador ao seu Empregado.
Cite-se, ainda, como exemplo, outra previsão convencional que autoriza a adoção de jornadas especiais, tais como a de turnos ininterruptos de revezamento (muitas vezes em jornadas de até 8 horas, contrariando a norma legal), jornadas espanholas? e jornadas de 12 x 36 (12 horas seguidas de trabalho, por 36 horas seguidas de descanso). Adotar ou não mencionadas jornadas? Serão elas, posteriormente, reconhecidas como válidas pelos julgadores?
Por fim, traz-se a lume a fixação de pagamento de horas de deslocamento (horas in itinere) com pagamento mensal a todos os empregados que utilizem o transporte fornecido pela Empresa, sem que seja necessária a medição individual do tempo(creio que é singular) de cada um dos empregados com o deslocamento. Poderá, o Empregador valer-se de tal pactuação? Dormirá tranquilo com a estratégia que adotou, ou será posteriormente surpreendido com inúmeras perícias que indicarão o tempo efetivo de deslocamento, devendo, em caso de pagamento a menor, complementá-los?
Os exemplos ora trazidos têm o condão de fomentar as discussões também no campo prático, vez que, atualmente, residem tão somente no campo hipotético jurídico. Tais definições trarão impactos diretos nas relações de trabalho existentes, motivo pelo qual é indispensável a ampliação das discussões dos casos reais.
Nesse cenário, aconselha-se análise criteriosa dos riscos relacionados às situações reais de cada Empresa, possibilitando a adoção de uma estratégia de transição visando a minimizá-los.
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1 Decisão proferida em atenção ao pedido liminar formulado na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF – 323, proposta pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino – CONFENEN.
2 Art. 614 - Os Sindicatos convenentes ou as empresas acordantes promoverão, conjunta ou separadamente, dentro de 8 (oito) dias da assinatura da Convenção ou Acordo, o depósito de uma via do mesmo, para fins de registro e arquivo, no Departamento Nacional do Trabalho, em se tratando de instrumento de caráter nacional ou interestadual, ou nos órgãos regionais do Ministério do Trabalho e Previdência Social, nos demais casos.
(...)
§ 3º Não será permitido estipular duração de Convenção ou Acoôrdo superior a 2 (dois) anos.
3 CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO OU ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. EFICÁCIA. ULTRATIVIDADE - As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho.
4 Art. 1° A política nacional de salários, respeitado o princípio da irredutibilidade, tem por fundamento a livre negociação coletiva e reger-se-á pelas normas estabelecidas nesta lei.
§ 1° As cláusulas dos acordos, convenções ou contratos coletivos de trabalho integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser reduzidas ou suprimidas por posterior acordo, convenção ou contrato coletivo de trabalho.
5 O §1º do artigo 1º da lei Federal de 8.542, de 23 de dezembro de 1992, fora revogado pela lei Federal de 10.192, de 23 de dezembro de 2001, que converteu a Medida Provisória n º 1.709.
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*Mariana Machado Pedroso é especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho e coordenadora da área trabalhista do escritório Chenut Oliveira Santiago Sociedade de Advogados.