O processo criminal, em tese, termina com o trânsito em julgado de uma decisão (sentença ou acórdão), seja para condenar ou absolver um cidadão após o seu devido processo legal, e a pena com seu efetivo cumprimento imposto naquela decisão do magistrado.
Todavia, não é bem assim que ocorre na prática quando alguém enfrenta os efeitos do processo-crime, tampouco em relação aos seus familiares, haja vista que tais efeitos são nefastos na vida do ser humano.
Com efeito, quando se torna público que uma pessoa está enfrentando um problema de ordem criminal, seja judicial ou ainda na fase policial, seu caráter se converte num rótulo pejorativo perante a sociedade.
Nessa esteira, mister se faz ressaltar que na atual quadra, infelizmente, o processo penal sofre de uma praga denominada "populismo penal" ou "processo penal midiático", cujo pilar é a opinião pública e não as regras emanadas da CF Brasileira, tampouco das normas infraconstitucionais. Dessa forma, a mídia se encarrega de levar à execração pública o suposto transgressor da norma, pouco se importando com a verdade real dos fatos ou de posteriormente tornar público, na mesma dimensão, o desfecho da ação penal, principalmente quando o indivíduo é absolvido.
De igual modo, e mais delicada a situação, quando o cidadão é restringido de sua liberdade e levado ao cárcere, mesmo antes de ter sua culpa formada, (des)amparado pelo princípio da não culpabilidade1 - que, infelizmente, tem sido tolhido de forma totalmente irresponsável e contrario sensu - prontamente será intitulado socialmente como um "presidiário" ou "ex-presidiário", e, lamentavelmente, as oportunidades não mais serão as mesmas e a sociedade então passará a ojerizá-lo.
Nesse diapasão, o ilustre jurista italiano Francesco Carnelutti bem consignou que "o preso, ao sair da prisão, crê já não ser um preso; mas nós, não. Para nós ele é sempre um preso, um encarcerado; pelo mais, diz-se ex-encarcerado; nesta expressão está a crueldade e está o engano. A crueldade está em pensar que, tal como foi, deve continuar sendo. A sociedade crava em cada um o seu passado."2
Sem embargo, o cerne da questão reside exatamente nos efeitos do processo criminal e da pena, pois pode haver ou não condenação definitiva, mas seus efeitos serão para sempre, tendo em vista que quem passou por esta situação será sempre a escória da sociedade.
Outrossim, importante destacar que o ordenamento jurídico penal brasileiro prima pela ressocialização do cidadão (art. 1º, da lei 7.210/84). Entretanto, o próprio Estado é contraditório nessa prática, o qual tem o dever de fornecer assistência ao egresso (art. 10º, da lei 7.210/84), todavia, não é o que ocorre na prática, pois, cita-se como exemplo o concurso público.
Quando o cidadão se habilita a um concurso público, pressuposto para sua admissão é a apresentação de atestado de antecedentes criminais, requisito este que demonstra de forma cristalina o critério seletivo dos candidatos. Dessa forma, tem-se que aquele que ostentar qualquer antecedente criminal já estará eliminado da candidatura, obstando, assim, sua oportunidade de retomar sua vida hodierna, pois as oportunidades já não serão mais as mesmas.
Nessa esteira indaga-se: aquele ser humano que enfrentou as agruras de um processo criminal estará isonomicamente equiparado àquele que não o fez? O Estado cumpre efetivamente seu dever de ressocializar o ex-delinquente?
Assim, mais uma vez o mestre Carnelutti pondera:
"O Estado? O Estado é também um ser racional. Quando se trata de proclamar os princípios, especialmente no regime de democracia, o Estado é o primeiro a dar o exemplo: "o acusado não é considerado culpado enquanto não seja condenado por sentença definitiva";
(...)
Mas quando se trata de tutelar seus interesses, também o Estado franze a testa"3
Destarte, indaga-se, o processo criminal efetivamente termina com a decisão transitada em julgado? A pena cessa quando o delinquente sai do cárcere?
As respostas conduzem à direção negativa, porquanto os efeitos do processo-crime, ainda que o cidadão seja considerado posteriormente inocente, são perpétuos.
Com efeito, tem-se que o encarcerado sonha com o dia da sua libertação, seja quando sair da prisão, seja quando findar seu processo. Todavia, quando realmente se vê livre no mundo físico, depara-se com a realidade e percebe-se ainda preso ao passado e às situações pelas quais já fora julgado.
Desse modo, aquele sonho se torna um verdadeiro pesadelo e a sua visão do mundo se inverte, pois, como leciona Carnelutti:
"(...) as pessoas creem que o processo penal termina com a condenação, e não é verdade; as pessoas creem que a pena termina com a saída do cárcere, e não é verdade; as pessoas creem que o ergástulo é a única pena perpétua e não é verdade. A pena, se não propriamente sempre, em nove de cada dez casos não termina nunca. Quem pecou está perdido. Cristo perdoa, mas os homens não."4
Neste contexto, pode-se afirmar que aquele que violou a regra, será para sempre um violador, ainda que tenha cumprido a sanção que lhe foi imposta.
Outrossim, a CF, em seu art. 5º, XLVII, b, consigna que não haverá pena de caráter perpétuo, e corroborando ao tema, imperioso destacar a lição de Nilo Batista que assim ensina com maestria:
"Da proporcionalidade pode extrai-se, igualmente, a proibição de penas perpétuas. Como registrou com exatidão Cattaneo, a prisão perpétua, com "seu caráter de definitividade, ou seja, de eliminação da esperança, contraria o senso de humanidade”. Nossa Constituição, como já visto, proíbe a imposição de penas de caráter perpétuo (art. 5º, XLVII, al. b CR)."5
Desse modo, urge destacar e questionar se não está o cidadão sujeito à perpetuidade de seu processo criminal, ainda que não no sentido lato do termo. Quais as perspectivas ao sair do cárcere?
Repisa-se: é correto, então, dizer que a ação penal termina com condenação ou absolvição? A liberdade efetivamente se conquista com a saída da prisão?
De outra borda, cumpre esclarecer que não se está aqui a defender e/ou legitimar o delito cometido, apenas ponderando sobre a possibilidade de ressocialização e se, de fato, confere-se oportunidade ao ex-condenado de se regenerar ou amparo por parte daquele que reza pela sua reabilitação.
Por conseguinte, tais reflexões são necessárias para um verdadeiro combate à criminalidade, sobretudo no que tange ao caráter preventivo relativo à não reiteração criminosa, haja vista que muitos acusados são reincidentes e, prima facie, o que leva a crer nessa reiteração criminosa é ausência de oportunidades de reinserção na sociedade, pois a reincidência é um fator demonstrativo da deficiência do sistema jurídico-social.
Em remate, o eminente professor natalense, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil seção do Rio de Janeiro e ex-governador do Rio de Janeiro Nilo Batista leciona:
Podemos, assim, dizer que a missão do direito penal é a proteção de bens jurídicos, através da cominação, aplicação e execução da pena. Numa sociedade dividida em classes, o direito penal estará protegendo relações sociais (ou "interesses", ou "estados sociais", ou "valores") escolhidos pela classe dominante, ainda que aparentem certa universalidade, e contribuindo para a reprodução dessas relações. Efeitos sociais não declarados da pena também configuram, nessas sociedades, uma espécie de "missão secreta" do direito penal.6
Por fim, no escólio do quanto consignado, deve-se refletir acerca das ideologias pregadas e do comportamento de cada um, visando a construção de uma sociedade justa e um Estado realmente empenhado em ressocializar o apenado mediante cumprimento previsto nos instrumentos disponíveis, aplicação de políticas públicas voltadas para o egresso, não se permitindo o planejamento apenas no âmbito teórico, de modo a estimular a sociedade a participar e colaborar com a reinserção do apenado nas relações sociais.
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1 CF, Art. 5º(...) LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
2 CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. São Paulo: Ed. Pillares, 2009, p. 113.
3 CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. São Paulo: Ed. Pillares, 2009, p. 115.
4 CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. São Paulo: Ed. Pillares, 2009, p. 117.
5 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 11ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Revan, 2007, p. 101.
6 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 11ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Revan, 2007, p. 116.
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