Em 21 de novembro de 1966, há exatamente 50 anos, foi editado o decreto-lei 73. Naquele dia, os jornais noticiavam com preocupação a superpopulação de elefantes na África. A elevada multiplicação da espécie causava temor nas autoridades locais.
Nas eleições de 15 de novembro de 1966, poucos dias antes, a Arena sairia como a grande vitoriosa no Senado, restando poucas cadeiras ao MDB. A Guerra Fria estava longe de terminar. No Vietnã, a operação Rolling Thunder, marcada por terríveis bombardeios, estava no auge. Por outro lado, a geração Baby Boomer florescia, com novos ideais culturais e artísticos. No Brasil, as rádios tocavam Negro Gato, e Eu te Darei o Céu. Os Beatles estouravam com Yellow Submarine e Eleanor Rigby.
Na economia, Castelo Branco lançava o PAEG – Programa de Ação Econômica do Governo idealizado pelo então Ministro da Fazenda Delfim Neto, com o objetivo de combater a elevada inflação, aumentar investimentos em infraestrutura, diminuir as desigualdades regionais e atrair investimentos externos.
Naquele ano a arrecadação em prêmios de seguros no Brasil atingiu o equivalente a R$ 3.76 bilhões (CPES), contra R$ 95.7 bilhões em 2015 (SUSEP).
Vigia o Código Civil de 1916. O IRB carregava o sentimento nacionalista e concentrava a função de regular as operações de resseguro e desenvolver operações de seguros em geral. A fiscalização das companhias securitárias ficava à cargo do Departamento Nacional de Seguros Privados e Capitalização, vinculado ao Ministro da Fazenda.
Foi nesse contexto que nasceu o DL 73, principal marco regulatório das operações de seguros e resseguros no Brasil. A norma manteve o monopólio do IRB, instituiu o Sistema Nacional de Seguros Privados, composto por Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP, Superintendência de Seguros Privados – Susep, corretores habilitados e as sociedades seguradoras autorizadas, além do próprio IRB. Além disso, criou avanços sistêmicos como o Fundo de Estabilidade do Seguro Rural, até hoje vigente.
Ao longo desses 50 anos, o mundo mudou. A preocupação com os elefantes agora gira no sentido oposto: teme-se pela sobrevivência da espécie. A geração Baby Boomer interage de modo complexo com a chamada geração Y no mercado de trabalho.
Na política, o DL 73 assistiu ao fim da era de bipolaridade leste-oeste, ao fim de um regime militar, uma nova CF e a ("re") construção da democracia. O fenômeno da globalização, muito intenso a partir da década de 1990, criou nova dinâmica da vida no mundo. O desenvolvimento fenomenal dos transportes aeronáuticos, da tecnologia da informação e das telecomunicações encurtaram as distâncias e subverteram as noções de espaço e tempo. Consolidou-se uma sociedade de risco, dinâmica e imprevisível.
No campo jurídico da atividade estatal, o modelo regulatório de interação piramidal top-down entre Estado e mercado, iniciado no new deal pós-29, clama por um modelo de governança na forma de rede, apto a contemplar múltiplos interesses.
Para além desse clamor e da efervescência da sociedade de risco, a atividade securitária se depara com novos desafios. As necessidades de proteção securitária são hoje muito mais complexas. Buscam-se garantias de pés de jogadores de futebol a satélites. De bens a cyber risks. De variações climáticas a riscos políticos. Da tradicional atividade agrícola à tecnologia da informação. Clama-se por coberturas inimagináveis há 50 anos, demandando os ramos tradicionais, como vida, bens e responsabilidade.
Eis que surge a revolucionária insuretech, impondo ainda maiores desafios à regulação. Tal como as start-ups financeiras, denominadas fintechs, inovaram na atividade bancária pela virtualização da moeda, as insuretechs, equivalentes securitárias, brevemente modificarão a forma de interação entre segurados, seguradores e Estado.
A ideia das insuretechs é utilizar ferramentas de alta tecnologia, como blockchain, smart contracts, oracles, internet of things, entre outras, para solucionar problemas e criar novas possibilidades. Do efetivo controle de fraudes à custódia de valores e reservas técnicas, há em curso uma revolução auspiciosa para os seguros.
Os quinquagenários DL 73 e instituições nele criadas, que honrosamente cumpriram a dura missão de alçar o mercado securitário brasileiro a patamar robusto, veem-se desafiados. A nova revolução bate à porta. A tradicional tutela estatal da relação seguradora–corretor–segurado terá de se adaptar à nova realidade.
O decreto-lei 73, de 21 de novembro de 1966, nascido em meio ao excesso de elefantes, merece ser reformulado para não ser atropelado pela superpopulação de gadgets em nível mundial.
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*Pedro Souza é sócio do escritório SABZ Advogados.
*Caroline Kimura, Rafael Edelmann e Felipe Blanco são advogados do escritório SABZ Advogados.