Hodiernamente, são de extrema relevância os contratos internacionais1, ante a tendência de maior estreitamento e intensidade de relações comerciais entre diferentes países, ainda efeito do fenômeno da globalização.
A multinacionalização do comércio, na velocidade em que se operam as atualizações tecnológicas, exige cada vez mais que as partes se resguardem através dos instrumentos contratuais, prevendo soluções, já no contrato, para os problemas que possam surgir, a fim de evitar prejuízos econômicos.
No atual contexto político e econômico, onde a instabilidade está presente em diversos países e blocos econômicos de grande influência mundial, revela-se de grande importância a cláusula de eleição de foro das questões a serem decididas judicialmente acerca do contrato internacional.
Nestes contratos, que normalmente são precedidos de longas e importantes tratativas, a escolha do foro e da legislação aplicável não pode ser realizada de forma automática, devendo ser precedida de estudos acerca das leis e da ordem social de cada elemento internacional.
Diante disso, o novo CPC preocupou-se em privilegiar o princípio da autonomia da vontade das partes, mitigando o princípio da soberania nacional, aceitando a eleição de foro estrangeiro em contratos internacionais, desde que não derrogue a competência exclusiva brasileira.
A dificuldade, neste caso, reside na falta de segurança jurídica conferida às partes contratantes quando estabelecem cláusula de eleição de um foro que, possivelmente, não aceitará a vontade das partes em razão de conflito com suas normas internas.
Isto porque o Brasil regula os limites da jurisdição nacional nos artigos 21 a 25 do novo CPC - no CPC/73 a matéria era regulada nos artigos 88 a 90 do diploma. Como regra – repetida nos dois diplomas – o Brasil não reconhece o fenômeno da litispendência internacional, de forma que no caso de competência concorrente, é possível que sejam propostas ações idênticas em nosso país e no estrangeiro.
Assim, no território da jurisdição brasileira, em razão do garantido acesso à justiça e das regras pátrias de competência internacional concorrente, há quem defenda2 que o magistrado não poderia declarar-se incompetente para julgar o mérito de uma lide envolvendo contratos internacionais, uma vez que não poderiam as partes usurpar a função estatal de designar a competência.
Desta feita, havendo ou não cláusula de eleição de foro estrangeiro no contrato, a jurisdição brasileira estaria vinculada pelo sistema de ordenamento jurídico nacional acaso se enquadrasse nas hipóteses de competência exclusiva ou concorrente, impondo-se ao juiz que analise, sempre, o mérito da causa, não adotando, o Brasil, a doutrina do forum non conveniens.
Em recente julgamento de Recurso Ordinário, o STJ decidiu que apesar de ser válida a cláusula de eleição de foro estrangeiro para a causa originada do contrato, esta não poderia excluir a jurisdição brasileira concorrente para o conhecimento e julgamento de ação aqui aforada.
Cumpre elucidar trecho do voto do ministro Relator, Raul Araújo, no RO 114 DF 2011/0027483-8:
A jurisdição, como exercício da soberania do Estado, é inderrogável e inafastável e, ainda que válidas, como na presente hipótese de competência internacional concorrente, as cláusulas que elegem foro alienígena em contratos internacionais não têm o poder de afastar a jurisdição brasileira. Entender de forma diversa, apenas porque as partes assim o pactuaram, significaria, em última análise, afronta ao postulado da soberania nacional.3
Em caminho inverso, o novo CPC introduziu novo dispositivo no ordenamento jurídico brasileiro, o artigo 25, que permite expressamente a eleição de foro exclusivo estrangeiro em contratos internacionais4, determinando que não é competente a autoridade judiciária brasileira para processamento e o julgamento da ação quando houver a aludida cláusula em contrato internacional, desde que arguida pelo réu na contestação.
Desta feita, alude-se que a inclusão do referido artigo demonstra evolução para adequar-se às convenções internacionais sobre o tema5, sendo, contudo, necessário avaliar se tal cláusula terá eficácia.
Destarte, importante a análise dos aspectos principiológicos e contratuais da efetividade da cláusula de eleição de foro em contratos internacionais no Brasil, tendo por base os conceitos estabelecidos, a legislação pertinente, e a análise da jurisprudência pátria, que servem de norte para a interpretação, e esclarecimento do problema apontado.
Por contarem os contratos internacionais com o status de grande importância na economia de um Estado, eventual cláusula de eleição de foro, acaso não respeitada, fere o princípio da segurança jurídica, podendo ocasionar impactos negativos no cenário econômico, principalmente quando encontra, também, instabilidade política e jurídica.
Nesse norte, surgem diversos pontos que merecem debate, seja a necessidade de observação do princípio da boa-fé na escolha do foro competente, a dirimir questões do contrato internacional, seja a possibilidade de apreciação do caso pela justiça brasileira, ainda que haja eleição de foro estrangeiro, e a aplicabilidade dos princípios da boa fé, função social do contrato, pacta sunt servanda, soberania nacional, inafastabilidade da jurisdição, entre outros, revelando-se pertinente verificar se a nova regra foi recepcionada pelos princípios do ordenamento jurídico pátrio, e qual será a posição atual da jurisprudência, demonstrando a incontestável necessidade de atentar para a importância da economia no contexto da formação dos contratos.
________
1 Os contratos internacionais são definidos por sua especificidade jurídica e/ou econômica, ao serem analisados de forma empírica e subjetiva. Luiz Olavo Baptista leciona que um contrato é internacional quando tem liame com mais de um sistema jurídico em sua celebração, execução ou situação das partes.
2 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Garantia Constitucional do direito à jurisdição – Competência internacional da justiça brasileira – prova do direito estrangeiro. Revista Forense, ano 94,v. 343, julh/set, 1998, p. 279.
3 STJ - RO: 114 DF 2011/0027483-8, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 2/6/15, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/06/2015. Disponível em: clique aqui. Acesso em 10 de setembro de 2016.
4 Com a expressa ressalva para os casos em que o Brasil for competente de forma exclusiva.
5 A Lei de Arbitragem Brasileira e a Convenção de Nova York fixam que o juiz deve abster-se de julgar a causa quando as partes houverem convencionado a arbitragem para solução de conflitos oriundos do instrumento contratual, sendo de livre escolha o local onde será realizada a composição. Inobstante as decisões brasileiras acerca da cláusula de arbitragem coadunem com o princípio da autonomia da vontade das partes, quando se trata da análise da cláusula de eleição de foro, não é verificada a mesma situação.
__________