Desde 2008, há um importante instrumento criado e que está à disposição do nosso Poder Judiciário: o julgamento pela sistemática do artigo 543-C do CPC/73 dos carinhosamente denominados recursos repetitivos.
Até poderíamos dizer que este instituto começou a ser encabeçado em 2006, quando a lei 11.418 criou a possibilidade de análise pelo STF de um leading case para determinar se há ou não repercussão geral e se a conclusão alcançada se aplicará a todos os casos semelhantes.
A situação é na verdade um pouco diferente, mas o objetivo aqui não é abordar este ponto, já que o novo CPC (lei 13.105/15), em eu artigo 1.036, tratou de unificar a abordagem legislativa (Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do STF e no do STJ).
Bem, passemos ao objetivo desta publicação: qual é a importância desses julgamentos para vocês, jurisdicionado, advogados, juízes etc.?
Aliás, cabe aqui uma observação para que fique clara a questão: a justiça não existe para os advogados, juízes, promotores, procuradores etc. Estes apenas contribuem para que a justiça exista (e cumpra seus fins). A justiça, que nos perdoem os descrentes, é um dos principais pilares do Estado Deocrático de Direito e é o local onde todo cidadão que se sentir lesado poderá buscar abrigo e proteção.
Certamente você ou algum conhecido seu já precisou e a justiça (mesmo tardando) não fugiu de seu papel. Talvez a decisão final não tenha sido a melhor sob a sua concepção; ou pode ser que a interpretação dada pelo Poder Judiciário esteja efetivamente equivocada. Mas, sejamos justos, vivemos numa democracia e temos a convicção de que todas as armas estavam à disposição das partes e, no final, uma pretensão – seja a sua ou não – deverá prevalecer.
Passando, então, à resposta: esses julgamentos significarão (ou ao menos deverão representar) qual é a interpretação consolidada do Poder Judiciário sobre determinado tema da nossa legislação, constitucional ou infraconstitucional.
O STJ, entre outras competências, é a cúpula do nosso Poder Judiciário para as discussões que tratem de violação à lei infraconstitucional e para a pacificação de divergência de entendimentos sobre matéria infraconstitucional entre os tribunais (federais e estaduais). A palavra do STJ sobre isso deverá, em tese, ser a final e observada pelos demais julgadores (artigo 927 do CPC/15). Um recente exemplo é o REsp 1.551.951/SP (afetado pela sistemática do artigo 543-C do CPC/73), que trata de questões relacionadas à comissão de corretagem cobrada dos adquirentes de imóveis (na planta), à denominada taxa de serviços de assessoria técnico-imobiliária (SATI), bem como ao prazo de prescrição aplicável em casos com pedidos referentes ao tema.
Diante da pacificação de entendimentos sobre variados assuntos pelo STJ, restam dúvidas quanto à influência disso em toda a sociedade (e não apenas na comunidade jurídica)?
Outro tema de extrema repercussão e relevância é o do REsp 1.483.930/DF, em que o STJ definirá se o prazo de prescrição para cobrança das taxas condominiais é de 5 ou 10 anos. Só na cidade de São Paulo, quantos condomínios edilícios existem? Aliás, salvo melhor juízo, definida esta questão, a aplicação será para todos os tipos de condomínio. Quantos condomínios existem no Brasil?
O STF, por sua vez, é o órgão máximo do nosso Poder Judiciário, cabendo-lhe a palavra final em questões constitucionais . O STF, por exemplo, julgará matérias atreladas ao direito à vida, a direitos da personalidade etc.
Vale o adendo de que os temas mencionados compuseram matéria recursal. Ou seja, coube e caberá ao STJ (recurso especial: art. 105, III, da CF) e ao STF (recurso extraordinário: art. 102, III, da CF) a análise da matéria, através do julgamento de recursos interpostos de decisões dos tribunais locais.
Pacificado o entendimento pela sistemática de recursos repetitivos, a tendência é que a conclusão seja aplicada a todos os processos em curso que tratem do mesmo tema ou, ao menos, aplicada no momento em que tais processos aportarem no STJ ou no STF. Em outras palavras: solucionada a crise jurídica, a tendência é a estabilidade da jurisprudência (para além de sua uniformização) e a aplicação isonômica da solução encontrada em todos os casos análogos.
Com os entendimentos firmados pelo STJ e pelo STF, é possível a sua aplicação já em âmbito administrativo ou, até mesmo, em contratos. A observação espontânea, atenta e eficiente a esses entendimentos há de evitar inclusive novas demandas a serem propostas por aqueles que, vendo-se lesados, podem invocar judicialmente os entendimentos a seu favor. Este pode ser o caminho para a tão sonhada segurança jurídica.
Evidentemente, por outro lado, ser pacificada a discussão não significa que ela nunca mais poderá ser revista. Não podemos ser escravos das decisões, pois, é claro, a sociedade evolui e a tendência é que as leis e a sua interpretação também. A própria jurisprudência tem papel fundamental neste movimento. Assim, há instrumentos para a revisão dos entendimentos firmados, tais como a distinção (distinguishing) e a superação (overruling). Eventualmente, determinado entendimento poderá ser afastado por argumentos que ainda não foram analisados.
Enfim, não sustentamos que apenas os casos repetitivos devem ter a atenção da sociedade. A verdadeira intenção é chamar a atenção para este instrumento que já se aplica há quase uma década e cuja importância o novo CPC ressaltou ainda mais.
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*Henri Matarasso Filho e Theotônio Negrão Neto são advogados em SP.