Migalhas de Peso

Os gargalos da arbitragem

Lei de Arbitragem chega vitoriosa aos seus vinte anos, mas o instituto de que trata ainda necessita do buril de um artesão exímio para que sejam aperfeiçoadas algumas de suas facetas.

28/9/2016

Parabéns prá você nesta data querida,
Mas ainda há muito a fazer
No decorrer da sua vida.

Introdução

Perdoe-me o leitor por verso tão pobre, que deve fazer Olavo Bilac revirar-se várias vezes em sua tumba, tamanha a sua justa indignação. Mas a verdade presente no verso é incontrastável. A Lei de Arbitragem chega vitoriosa aos seus vinte anos, mas o instituto de que trata ainda necessita do buril de um artesão exímio para que sejam aperfeiçoadas algumas de suas facetas, de maneira a que a sua eficácia se aperfeiçoe. É claro que muita coisa melhorou desde que este e outros autores comemoraram os doze anos do início de sua fulgente adolescência, que havia ficado um pouco esmaecida até que o STF afirmasse que aquela lei havia sido promulgada para valer e não para ficar entre aquelas “que não pegaram1”.

Chamei as imperfeições da arbitragem de gargalos, ou seja, de pontos de estrangulamento, que fazem com que ela flua com eficácia menor do que poderia. Esses problemas podem ser eliminados ou, dentro de uma ótica menos otimista, minimizados sensivelmente.

A questão não se coloca no plano da lei da arbitragem, objeto de recente modificação na busca de fazer o instituto se prestar melhor ao papel de alternativa ao Judiciário como fonte da solução que pendências no plano dos direitos patrimoniais disponíveis. Como poderemos ver em seguida, trata-se de mudanças eventuais nos regulamentos das entidades que administram a chamada arbitragem institucional, mas principalmente se aplicam dentro de uma necessária evolução da cultura litigiosa secular, que ainda grassa no meio arbitral.

Destaque-se como pano de fundo da arbitragem que as partes ao fazerem opção em seu favor desejam, na eventualidade de uma futura litigância, que a matéria a ser solucionada esteja nas mãos de julgadores que a conhecem em profundidade. Este fator é inicialmente de responsabilidade das partes na escolha dos árbitros que comporão o tribunal arbitral e, em seguida, passa para a responsabilidade dos dois árbitros que designarão o seu presidente. Em algumas vezes caberá à própria entidade arbitral fazer escolhas em tal sentido, caso as partes não cheguem a um acordo.

Segue-se o interesse de que a lide seja resolvida no mais breve tempo possível e a um custo aceitável, precisamente com um resultado oposto ao que se verifica no Judiciário, no qual uma causa pode levar muitos anos para chegar ao seu desfecho.

1. Processualização excessiva

O primeiro gargalo corresponde às tentativas de processualização indevida dentro dos esquemas estabelecidos pelo Código de Processo Civil, voltado para pendências na órbita do Judiciário. Aqui são verificados dois problemas; (i) a litigância levada a extremos que somente pode trazer prejuízos para o processo arbitral; e (ii) o CPC não é fonte regedora da arbitragem, como se sabe.

Não se trata, evidentemente, de negar o devido processo legal, obrigatoriamente presente também na arbitragem. Mas ele deve ser utilizado de forma razoável, sempre presente a boa-fé das partes.

É absolutamente necessário superar-se a concepção no sentido de que as partes são inimigas uma das outras, consequência que leva à transformação do processo em uma guerra sem tréguas. Na verdade, esta visão é antecedente ao processo arbitral, ligada à boa-fé originária que anteriormente levou as partes celebrarem um acordo segundo uma atuação construtiva e colaborativa e a concordarem em regerem eventual desentendimento contratual ou societário no campo da arbitragem. É claro que durante a execução da operação realizada entre as partes, a boa-fé deve imperar segundo os princípios de informação e de transparência recíprocas, a serem exercidos para o sucesso do negócio encetado.

Mais uma vez reforça-se a ideia de que o caminho da arbitragem deve estar alicerçado segundo um animus de ampla e permanente colaboração. Se desde o início de suas relações, quando começaram a erigir o contrato que as ligaria, as partes já desconfiavam uma da outra, de quase nada adianta inserir no texto daquelas inúmeras cláusulas de salvaguarda porque elas se revelarão inúteis.

De acordo com o segundo ponto a arbitragem deve ser conduzida de acordo com o que determina a lei própria e, nos casos da arbitragem institucional, nos termos do regulamento da entidade livremente escolhida pelas partes segundo, naturalmente, os limites legais. Neste sentido, o CPC não é o fundamento dos ritos processuais da arbitragem, exceto, excepcionalmente quando a lei expressamente determine em tal sentido.

Entre os desvios que se verificam a este respeito localiza-se a frequente tentativa de transformar o pedido de esclarecimentos sobre pontos da sentença em embargos infringentes, na tentativa de modificá-la, não se aceitando que tal pedido está expressamente limitado à correção de erros materiais; ao esclarecimento sobre obscuridade, dúvida, obscuridade ou contradição da sentença arbitral; ou à necessidade de que o tribunal arbitral se pronuncie a respeito de ponto omitido em sua decisão.

2. Demora injustificada

Em muitos casos, infelizmente, tem sido muito longo o tempo entre o pedido da instituição de uma arbitragem e o seu início efetivo quando da assinatura da Carta de Missão ou Termo de Arbitragem. Claro que não devem ser considerados nesse período os trâmites necessários, a serem regularmente desenvolvidos no âmbito da entidade escolhida para a administração do processo arbitral, mas sim certas práticas presentes nesse mercado, consistentes, por exemplo, na impugnação frequente e sucessiva do nome de árbitros indicados pela contraparte, fundada em alegados critérios de suspeição os quais muitas vezes revelam-se despidos de fundamentos consistentes.

Pode ser esse um sintoma da busca pela parte impugnante de um árbitro que entenda ser mais favorável ao ponto de vista que defenderá no caso (à luz, por exemplo, de alguma indicação do voto que deverá proferir, baseado em qualquer texto que tenha escrito anteriormente), ou tratar-se simplesmente de uma medida protelatória, enquanto que o interessado, paralelamente, toma medidas oportunistas destinadas a afastar previamente os efeitos de uma eventual derrota no processo.

Os casos de demora desse tipo devem ser enfrentados com energia pelas entidades que administram a arbitragem institucional, concedendo-se prazos bastante exíguos para os procedimentos de impugnações e desde logo afastando aquelas feitas na ausência de fundamentos claros e evidentemente razoáveis, apresentados pela parte interessada. Sob este aspecto deve ser reforçado o princípio da competência-competência, dando-se ao tribunal constituído a primazia para a defesa de suas nomeações. Não se deve ter receio de eventual anulação do processo arbitral na esfera do Judiciário, que tem dado demonstrações sucessivas de afirmação do instituto, especialmente no que toca ao princípio competência-competência.

Outro fator de demora indesejável no prazo do processo arbitral se coloca tanto na disponibilidade dos advogados que defendem os interesses das partes, quanto dos árbitros que compõe o tribunal arbitral. É claro que todos os envolvidos exercem outras atividades, mas neste sentido é fundamental que os participantes estejam disponíveis e em atividade ininterrupta (guardadas situações especiais de afastamento). Um exemplo causador de delongas não razoáveis do processo arbitral reside muitas vezes na extrema dificuldade de se conciliar as agendas dos advogados e dos árbitros para o efeito da designação de audiências. Às vezes as tentativas podem chegar a alguns meses, o que é inaceitável em um processo dessa natureza.

Devem ser incluídas também pretensões não razoáveis consistentes em pedidos de medidas cautelares ou de tutela de evidência que não apresentem os fundamentos adequados, demonstradores aqueles de uma tentativa de protelamento do processo arbitral, do que resulta também o aumento do seu custo. Neste caso inclui-se a requisição de perícias desnecessárias ao deslinde do caso ou cuja realização deva ser feita em momento adequado do processo, o que causa perda de tempo do tribunal arbitral em estudar e denegar tais pretensões.

Outro fator negativo, determinador da extensão da arbitragem no tempo refere-se à guerra de petições entre as partes, feitas fora do calendário estabelecido no Termo de Arbitragem e a pretexto da contrariedade de algum direito das partes que as redigem. Em certas ocasiões o bombardeio de petições dessa natureza é tão intenso que o tribunal arbitral necessita tomar medidas para colocar ordem no processo, como às vezes costuma acontecer por meio de pedidos feitos pela utilização de reclamações ou de petições por e-mail, feitas diretamente aos árbitros, em forma não prevista na Carta de Missão.

Nesses casos o tribunal arbitral perde enorme tempo dando direito de resposta à outra parte (que muitas vezes atravessou sua manifestação antes da tomada de posição daquele), do que resta uma sensível confusão processual.

3. Falta de objetividade e clareza em relação aos pedidos efetuados

Não desejando ensinar o Padre Nosso ao vigário (entendendo-se que aqueles que atuam em processos arbitrais no mais das vezes conhecem profundamente o seu métier), não custa observar a importância de um esforço maior no sentido de que as petições observem um elevado padrão de objetividade, de clareza e de organização interna, apresentando de forma lógica e progressiva as pretensões das partes. Sob outro aspecto, a ênfase nos pontos mais importantes é necessária, mas as vãs repetições de matérias já muito debatidas alongam a exposição de forma ineficaz.

Conclusão

Outros pontos poderiam ter sido abordados, mas julgamos que estes são os mais relevantes.

Pode ser que o autor pareça ser ingênuo a respeito das considerações que fez neste breve receituário, mas acho que é possível conduzir um processo arbitral sempre de forma melhor do que foi feito no último, buscando-se um resultado cada vez mais eficiente para que a arbitragem se torne uma opção mais valiosa entre os empresários.

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1"Aspectos da arbitragem institucional: 12 anos da Lei 9307/1996", São Paulo: Malheiros, 2008.

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*Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa é professor sênior de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP. Sócio de Duclerc Verçosa Advogados Associados.

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