Migalhas de Peso

Da dilação de prazo excessiva para a conclusão e consequente finalização das investigações e a possibilidade de impetração de habeas corpus para trancamento de inquérito policial

Estudo se mostra altamente relevante, principalmente nos dias atuais, diante do crescente número de investigações realizadas em todo o país.

27/9/2016

Resumo

O presente estudo se mostra altamente relevante, principalmente nos dias atuais, diante do crescente número de investigações realizadas em todo o país, presididas pelas Polícias Federal e Civil, bem como pelos Ministérios Público, Estaduais e Federais. O que se defende é a possibilidade de trancamento de investigações contraproducentes, que se arrastam por vários anos na busca pela obtenção de indícios de autoria e materialidade que nunca são encontrados, onde garantias constitucionais foram violadas ou podem vir a ser violadas, por meio da decretação de medidas de busca e apreensão, quebra de sigilos e interceptações telefônicas, as quais podem ser deliberadas a qualquer momento pela autoridade competente. Não podemos negar que a precariedade dos órgãos responsáveis pelas investigações, faz com que os inquéritos policias se estendam por um maior lapso temporal, em relação aos prazos estabelecidos no Código de Processo Penal (dez dias, no caso de réu preso ou 30 dias se o réu estiver solto), porém não se pode admitir que essa situação se perdure por anos. As investigações devem se findar dentro de um prazo razoável e proporcional. Não pode o cidadão figurar nos autos de um Inquérito Policial, como investigado, ad perpetuam, em virtude da demora na conclusão das investigações, especialmente nos casos em que inexistem elementos concretos que justifiquem tal procedimento. Não restam dúvidas que tal situação causa um verdadeiro constrangimento (ilegal) ao investigado, que ofende o direito à razoável duração do processo e a dignidade da pessoa humana. Diante da verificação de tais circunstâncias, a impetração da ordem de habeas corpus, prevista no artigo 5º, inciso LXVIII, da Carta Magna de 1988 e regulamentada pelos artigos 647 a 667 do Código de Processo Penal, se apresenta como meio legal e ideal, diante da ameaça à liberdade e direitos fundamentais no plano penal.

Palavras-chave: Excesso de prazo, inquérito policial contraproducente, possibilidade de impetração de habeas corpus para trancamento de inquérito policial.

Introdução

Inicialmente o trabalho se debruçou na análise constitucional dos princípios que norteiam o Direito Penal e Processual Penal, principalmente os relacionados aos procedimentos investigatórios (Inquérito Policial), trazendo diversos entendimentos, tanto jurisprudências quanto doutrinários, com relação à possibilidade do manejo de Habeas Corpus para o trancamento de Inquéritos Policiais procrastinatórios e sem objetividade.

Em um segundo momento, a pesquisa se aprofundou na análise das questões relacionadas ao Inquérito Policial, onde foi realizada uma análise técnica legal, sempre relacionando o procedimento investigativo aos princípios e normas constitucionais.

Por fim, foram demonstrados os fundamentos técnicos (jurisprudenciais e doutrinários) que defendem a possibilidade de que inquéritos policiais contraproducentes sejam arquivados por meio da impetração da ordem de Habeas Corpus, tendo como base fundamental a contrariedade a princípios constitucionais individuais e coletivos (também com relação à administração pública).

Com o presente trabalhou se buscou aprofundar a discussão e possibilidade do manejo da ordem de habeas corpus, com o intuito de trancar/arquivar investigações contraproducentes, diante da inexistência de uma jurisprudência consolidada em relação ao tema. Buscou-se apresentar uma solução, com o objetivo impedir ou mesmo reduzir a ofensa aos princípios constitucionais penais relacionados aos indivíduos que figuram como investigados, nos inquéritos policias “eternos”. Essa solução se dá por meio da impetração da ordem de Habeas Corpus, cuja consequência será o trancamento desses procedimentos.

1. Os princípios previstos na Constituição Federal de 1988 relacionados aos processos e procedimentos penais

A Constituição Brasileira de 1988 elencou uma série de princípios relacionados ao direito penal e processual penal, visando, principalmente, a garantia de direitos básicos do ser humano, tendo em vista que o Direito penal atinge e afeta diretamente um dos principais bens do homem, sua liberdade. Além da própria Constituição Federal, como já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, não se pode deixar de lado os Tratados Internacionais de Direitos Humanos firmados pelo Brasil, que incluíram diversas garantias ao modelo processual penal brasileiro, tais como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), que previu uma série de direitos relacionados à tutela da liberdade individual e diversas garantias judiciais.

Dentre os vários princípios inseridos na Constituição Federal, destacaremos os principais relacionados ao tema em apreço. O primeiro e talvez o mais importante dos princípios constitucionais penais, é o da presunção de inocência. Para demonstrar o tamanho de sua importância, basta falarmos que esse princípio vem sendo discutido e aprimorado desde meados de 1764, quando Cesare Becarria, em sua obra Dos Delitos e das Penas, já advertia que “um homem não pode ser chamado de réu antes da sentença do juiz, e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi outorgada”1.

No ordenamento pátrio, até a entrada em vigor da Constituição de 1988, esse princípio somente existia de forma implícita, como decorrência da cláusula do devido processo legal2. Após a entrada em vigor da atual constituição, o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade, foi inserido no artigo LVII do art.5º, impedindo a antecipada incriminação, no sentido de que só haverá culpado quando da ocorrência do trânsito em julgado da sentença condenatória, após a utilização pelo condenado, de todos os meios de defesa previstos na legislação vigente.

Outros dois princípios que possuem relação e também grande importância, não apenas no âmbito penal, mas em todos os ramos do direito, são os princípios do contraditório e da ampla defesa, estabelecidos no art. 5º LV da Constituição Federal, que garante aos litigantes o direito de um processo justo, que oportunize o direito à resposta e de utilização de todos os meios processuais e legais. Apesar das semelhanças (inclusive a localização na Constituição), os dois princípios não se confundem.

Nas palavras de Gustavo Henrique Bardaró, “é possível violar-se o contraditório, sem que se lesione o direito de defesa. Não se pode esquecer que o principio do contraditório não diz respeito apenas à defesa ou aos direitos dos réus. O princípio deve aplicar-se em relação a ambas as partes, além de também ser observado pelo próprio Juiz. Deixar de comunicar um determinado ato processual ao acusado, ou impedir-lhe a reação à determinada prova ou alegação de defesa, embora não represente violação do direito de defesa, certamente violará o princípio do contraditório. O contraditório manifesta-se em relação a ambas as partes, já a defesa diz respeito apenas ao réu”3.

Outros princípios estritamente ligados à duração temporal irrazoável dos inquéritos policiais é o da economia processual (não apenas o investigado é lesado, mas também o Estado), celeridade processual e duração razoável do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII da Constituição Federal, o qual prevê que incumbe ao Estado dar uma resposta jurisdicional no menor tempo e custo possível. E que não se fale no Princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, que apesar de não estarem previstos de forma expressa na Constituição, atuam como medidas de adequação, com o propósito de se buscar o fim almejado por um caminho menos prejudicial, onde as vantagens devem superar as desvantagens.

Pela análise desses princípios chamados de penais constitucionais, percebe-se que a manutenção de inquéritos policiais contraproducentes, cujos prazos de duração foram por diversas vezes estendidos, diante da impossibilidade de resposta e manifestação dos investigados no curso das investigações, demonstra a clara necessidade da utilização dos remédios jurídicos constitucionais, nesse caso o Habeas Corpus, com o objetivo de trancar esse tipo de Inquérito Policial, diante da clara ofensa aos princípios e garantias fundamentais básicas, estabelecidas em nossa Constituição Federal.

Nas palavras do Ilustre Ministro Gurgel de Faria, em trecho extraído do julgamento do HC. 58.138/PE resta evidente e necessário o manejo do referido remédio constitucional, quando verificado a presença dos pressupostos supracitados, pois bem: “Atribui-se ao Estado a responsabilidade pela garantia da razoável duração do processo e pelos mecanismos que promovam a celeridade de sua tramitação, quer no âmbito judicial, quer no administrativo. Em razão disso, não é possível aceitar que o procedimento investigatório dure além do razoável, notadamente quando as suas diligências não resultem em obtenção de elementos capazes de justificar sua continuidade em detrimento dos direitos da personalidade, contrastados com o abalo moral, econômico e financeiro que o inquérito policial causa aos investigados”4.

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1 LIMA, Renato Brasileiro – Manual de processo penal: volume único – 4º ed. rev. Ampl. e atual – Salvador: Ed. Juspodivum, 2016 – pg. 43.

2 Nesse sentido: STF, 1º Turma, HC 67.707/RS, Rel. min. Celso de Mello, DJ 14/08/1992.

3 BARDARÓ, Gustavo Henrique. Correlação entre acusação e senteça. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p.37.

4 Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1474942&num_registro=201500743442&data=20160204&formato=PDF Acesso: 01 de maio 2016
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*Thiago Guimarães Tannuri Ferreira Lima Falcão é advogado do escritório da Fonte, Advogados.

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