Com a promulgação da Emenda Constitucional 20, de 15 de dezembro de 1998 (EC 20/98), a Constituição da República (CR) passou a prever a possibilidade de a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios fixarem, para o valor das aposentadorias e das pensões, o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), desde que instituíssem regime de previdência complementar para seus respectivos servidores.
Apenas 14 anos após a edição da EC 20/98 é que o regime de previdência complementar foi instituído para os servidores públicos federais, com a publicação da lei 12.618, de 30 de abril de 2012.
Por meio dessa lei, a União foi autorizada a criar 3 entidades fechadas de previdência complementar: a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo (Funpresp-Exe), a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Legislativo (Funpresp-Leg) e a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Judiciário (Funpresp-Jud).
Todos os servidores públicos federais ingressos a partir da efetiva implementação do regime de previdência complementar, que optarem por contribuir apenas para o Regime Próprio da Previdência Social (RPPS), terão suas aposentadorias limitadas ao teto do RGPS. Por sua vez, aqueles que aderirem ao fundo de previdência complementar poderão contribuir sobre a parcela que exceder o limite do RGPS, com contrapartida da União de até 8,5% (oito e meio por cento).
De acordo com a literalidade do texto constitucional (art. 40, §16, CR), somente mediante prévia e expressa opção é que esse novo regime previdenciário "poderá ser aplicado ao servidor que tiver ingressado no serviço público até a data da publicação do ato de instituição do correspondente regime de previdência complementar".
A mesma previsão constou expressamente no art. 1º, parágrafo único, da lei 12.618/12, que, consoante mencionado, instituiu o regime de previdência complementar para os servidores públicos federais, nos seguintes termos: “os servidores e os membros referidos no caput deste artigo que tenham ingressado no serviço público até a data anterior ao início da vigência do regime de previdência complementar poderão, mediante prévia e expressa opção, aderir ao regime de que trata este artigo, (...)”.
Ocorre que os servidores oriundos das Forças Armadas, ingressos em cargo público federal após a vigência do regime de previdência complementar, foram automaticamente submetidos ao novo regramento1. Não lhes foi conferido o direito de opção pelas regras previdenciárias vigentes à época de seu primeiro vínculo com o Estado, o que configura clara afronta ao ordenamento jurídico.
A Constituição não diferencia a natureza do vínculo contraído com a Administração – se civil ou militar – ao estabelecer que o servidor ingresso no serviço público até a data de instituição do regime de previdência complementar somente poderá ser submetido ao novo regramento mediante prévia e expressa opção. Afinal, o escopo da norma constitucional é salvaguardar o direito daqueles que, indistintamente, já detinham vínculo com o Estado.
A Constituição da República de 1988, em sua redação original, subdividiu a categoria dos servidores públicos em “servidores públicos civis” e “servidores públicos militares”. Com a edição da Emenda Constitucional n. 18, de 5 de fevereiro de 1998, o texto constitucional foi alterado pra substituir a expressão “servidores públicos civis” por “servidores públicos” e para eliminar a expressão “servidores públicos militares” por “militares dos Estados, Distrito Federal e Territórios”.
Apesar da alteração terminológica, a jurisprudência dos tribunais pátrios é pacífica quanto ao entendimento de que todos são servidores públicos lato sensu2, pois compartilham direitos e obrigações comuns.
Inclusive, o STF3 entende que os agentes estatais militares e civis devem observar igualmente o caráter contributivo e solidário do RPPS e os critérios de preservação do equilíbrio financeiro e atuarial desse sistema. O mesmo entendimento é seguido pelo STJ4, que registrou que “o texto do art. 40 da Constituição Federal é claro ao eleger como destinatários de seu comando tanto o funcionalismo civil como o militar”5.
Portanto, em atenção à isonomia resguardada pela Carta Magna, independentemente de o agente público ser caracterizado como civil ou militar, caso tenha assumido, sem quebra de vínculo, cargo público federal, deve poder optar pelo regime previdenciário vigente à época de sua primeira investidura no serviço público.
A questão foi judicializada de maneira inédita pelo Sindicato Nacional dos Peritos Criminais Federais do Departamento de Polícia Federal (APCF Sindical) em julho de 2015, que impetrou mandado de segurança coletivo para garantir aos filiados oriundos das Forças Armadas, ingressos no cargo público federal após a instituição do regime de previdência complementar, o direito de escolha entre a permanência no regime anterior ou a vinculação às novas regras previdenciárias.
Em sentença proferida em março de 2016 pelo juízo da 16ª vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, reconheceu-se expressamente que “a lei, quando tratou da opção dos servidores em aderir ou não o novo regime, não fez restrição quanto à esfera de atuação do servidor público, tampouco fez qualquer distinção entre servidores civis ou militares”.
Portanto, se nem a Constituição nem a Lei que instituiu o regime de previdência complementar (lei 12.618/12) tornaram obrigatória a adesão pelos agentes estatais ex-militares ao regime de previdência complementar, não pode a Administração, de forma automática e arbitrária, submetê-los ao novo regramento.
Pelo exposto, os servidores públicos federais que se enquadrarem na mesma situação, ou seja, que tenham sido nomeados em cargo público federal após o início da vigência do regime de previdência complementar, também podem buscar a tutela jurisdicional para obter o direito de escolha entre a permanência no regime previdenciário vigente à época de seu primeiro vínculo com o Estado ou a submissão ao regime de previdência complementar.
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1 Vide Orientação Normativa n. 2, de 13 de abril de 2015, que “Estabelece orientações aos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal - Sipec sobreo regime de previdência complementar de que trata a Lei nº 12.618, de 30 de abril de 2012."
2 STF, Segunda Turma, RE n. 513.585, Relator Ministro EROS GRAU, julgado em 17.06.2008; STJ, Primeira Turma, RMS n. 21.223/RJ, Relatora Ministra DENISE ARRUDA, DJ 19.10.2006.
3 STF, Tribunal Pleno, ADI n. 3105, Relator Min. ELLEN GRACIE, Relator p/ Acórdão: Min. CEZAR PELUSO, DJ 18-02-2005.
4 STJ, Primeira Turma, RMS n. 20.241, Relator Min. LUIZ FUX, DJ 13.02.2006.
5 STF, Tribunal Pleno, ADI n. 3105, Relator Min. ELLEN GRACIE, Relator p/ Acórdão Min. CEZAR PELUSO, DJ 18-02-2005.
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*Deborah de Andrade Cunha e Toni é sócia do escritório Torreão Braz Advogados.