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Pokémon Go: a batalha do bom senso

O uso desmedido (ou o mau uso) desse jogo de realidade virtual tem gerado consequências reais. Serão as empresas titulares responsáveis pelos eventos danosos causados pelo uso do aplicativo?

29/8/2016

Há praticamente uma semana, foi lançado no Brasil o aplicativo Pokémon GO. Para os que (ainda) não o conhecem, trata-se de um jogo de realidade aumentada, voltado para smartphones, no qual os jogadores podem capturar, treinar e batalhar criaturas virtuais, chamadas de Pokémon. A partir da localização geográfica do usuário, o jogo praticamente cria uma realidade paralela, na qual estão esses pokémons, e que só pode ser acessada pelo aplicativo do celular.

Essas criaturas virtuais estão espalhadas pelo mapa e jogador deve, literalmente, perambular por aí, com o aplicativo aberto no celular, capturando-as. A ideia é muito bacana, diferente e revolucionária, além de estimular os sedentários e enfurnados jogadores a saírem de suas tocas e caminharem pela cidade, retomando o espaço público e conhecendo novas pessoas com interesses em comum. Entretanto, esse aplicativo tem sido objeto de controvérsias, pois seu uso tem provocado (curiosos) problemas.

Como era possível de se imaginar, já foram registrados vários casos de furto e roubo de smartphones, facilitados pela distração provocada pelo jogo. Pelo mundo, pedestres foram atropelados por atravessarem a rua distraídos jogando, motoristas provocaram acidentes por jogar enquanto dirigiam, jogadores trombaram com postes e com outras pessoas, caíram em buracos, foram parar em regiões perigosas na cidade, invadiram propriedades privadas e locais de acesso restrito... Vale tudo para capturar pokémons.

O problema é que as pessoas passam um pouco do limite. Dois dias depois do lançamento do jogo no Brasil, um grupo de cerca de 25 jogadores, a fim de capturarem um Pokémon, invadiram a sala de audiências da 4ª vara da Família da Comarca de Atibaia/SP, durante uma audiência protegida por Segredo de Justiça (ou seja, ela não é pública, e o que se discute é mantido sob sigilo judicial).

Todos os invasores foram levados à delegacia, porque, não obstante o juiz que presidia a audiência tenha ordenado aos jogadores que se retirassem, eles o desobedeceram e insistiram na tentativa de capturar o Pokémon.

O fato é que o uso desmedido (ou o mau uso) desse jogo de realidade virtual tem gerado consequências reais. Jogadores viraram em vítimas de furtos, roubos, lesões corporais e estelionatos, e terceiros têm sido expostos aos mais diversos tipos de violações, às vezes sofrendo profundas consequências nas suas vidas privadas.

Diante disso, questiona-se: as empresas titulares são responsáveis pelos eventos danosos causados pelo uso do aplicativo?

Depende.

Primeiramente, inegável tratar-se de uma relação de consumo, regida, portanto, pelas normas do Código de Defesa do Consumidor. Isso faz com que a empresa fornecedora tenha de observar diversas normas, princípios e direitos de natureza consumerista.

O fornecedor, por exemplo, em respeito à segurança do consumidor, não pode colocar no mercado produto ou serviço que seja perigoso ao consumidor ou que não ofereça a segurança que dele legitimamente se espera, sob pena de responder pelos danos causados, independentemente de culpa.

Pelo que pude pesquisar, muitos estão defendendo que a empresa titular do aplicativo deve, sim, responder pelos danos sofridos pelos seus consumidores, uma vez que ela estaria estimulando os jogadores a se colocarem em situações de risco.

Mas será que é razoável responsabilizar a empresa pelo mau uso do seu produto?

Como se trata de um jogo que exige que você saia na rua e ande por aí, o mínimo que se espera é que o jogador olhe para os dois lados antes de atravessar a rua, olhe para onde está pisando, não jogue dirigindo, não vá em locais que o ponha em risco etc. Nada além do que se espera do “homem médio”.

Além disso, o aplicativo, ao iniciar e durante o jogo, emite um alerta aos consumidores para que não joguem dirigindo e não entrem em lugares perigosos (além de todos os outros avisos constantes no termo de uso do aplicativo).

Desse modo, não parece razoável que a empresa do aplicativo seja responsabilizada, por exemplo, pelos danos sofridos pelo jogador que, distraído jogando, foi atropelado ao atravessar a rua sem prestar a devida atenção.

Como dito anteriormente, não são apenas os jogadores que podem ser vítimas de danos. Terceiros também podem sofrer violações decorrentes do uso desse aplicativo.

É o caso de um homem, nos Estados Unidos, que tem passado por constantes constrangimentos porque jogadores estão, aos montes, se aglomerando na frente da sua casa e tentando invadir suas cercas para jogar. Isso porque na posição geográfica da sua casa, nessa realidade paralela do jogo, estaria posicionado um “ginásio” (um ponto de encontro de jogadores para batalharem entre si, com os pokémons que capturaram).

Naturalmente, essa atitude dos jogadores perturba a paz no lar do indivíduo. São inegáveis o incômodo e o constrangimento sofridos pelo sujeito que lá reside.

Nesse caso, ao posicionar um “ginásio” na residência de alguém, os desenvolvedores do jogo praticamente convidam os jogadores a irem até aquele local para batalharem, principalmente porque esses ginásios são os únicos locais onde pode ocorrer uma “batalha pokémon”. É um explícito comando do jogo: “venham até esse local para jogar”.

Nessa hipótese, por exemplo, é razoável a responsabilização da empresa titular do aplicativo pela violação do direito de privacidade (pelo menos), do terceiro, consumidor por equiparação, nos termos do art. 17 do CDC.

De qualquer maneira, todos esses problemas aqui apontados podem ser perfeitamente evitados se os jogadores usarem o aplicativo com o velho bom senso. Não parece exagero esperar que os jogadores tomem o cuidado de olhar para os dois lados antes atravessar a rua, ou que tenham a consciência de não invadirem a residência alheia para capturar pokémons ou até mesmo batalhar em um ginásio.

Por isso, caro treinador de pokémons, antes de dominar as arenas no seu celular, não se esqueça do que está ao seu redor, no mundo real.

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*Gabriel Gallo Brocchi é advogado associado da Advocacia Hamilton de Oliveira.

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