A Constituição como norma de comando e de disciplina da vida social e da organização do Estado deve ser assimilada com discernimento, atenção e necessária coerência, uma vez não ser ela simples repositório de doutrinas, mas sim, como nos ensinou o sábio Carlos Maximiliano, um instrumento de governo que, de um lado, assegura a liberdade e o direito, sem prejudicar, de outro, o progresso e a ordem exigida pela sociedade.
O mais célebre juiz da Suprema Corte Norte Americana de todos os tempos, John Marshall, qualificado por Rui Barbosa como o maior dos juízes, sobre a superioridade da Constituição no sistema legal do país, obtemperou, em sábia reflexão: “Se os tribunais têm a missão de atender à Constituição e se a Constituição é superior a qualquer resolução ordinária da legislatura, a Constituição, e nunca essa resolução ordinária governará o caso a que ambas se aplicam.”
No Brasil, o princípio da liberdade de expressão foi destacado na Constituição de 1988 como conceito de proa, ao lado e no mesmo diapasão do direito à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade, no caput do art. 5º, que abre o título dedicado aos direitos e garantias fundamentais, individuais e coletivos.
Também ficou realçado o sistema pluralista, que é assentado na igualdade e na justiça, além de ser enaltecido o respeito à cidadania, à dignidade da pessoa humana e valorizada, como dito, a sua independência opinativa.
No título reservado aos direitos e garantias fundamentais, a posição do constituinte aflorou, com significativa exuberância, para a autonomia da manifestação do pensamento e a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, que deverão ser exercidas sem censura ou licença de qualquer natureza.
Portanto, não poderá haver dúvida de que o legislador constituinte foi determinante ao varrer a censura, política, ideológica ou artística (art. 220, §§ 1º e 2º), de modo definitivo, do sistema legal pátrio.
Para dar fecho ao cânon da liberdade da transmissão do pensamento foi assegurado ao cidadão o livre acesso à informação, segundo o inciso XIV da Carta Constitucional.
Por serem vigas mestras do poder constituinte e sustentáculos da filosofia política do Estado Democrático de Direito, que é o modelo adotado pelo País, a tais direitos não é dado estabelecer restrições ou criar subordinações, ficando, assim, livres do alcance das próprias Emendas Constitucionais, como dispõe a própria Carta.
Como única possibilidade de restrição à completa independência e autonomia da imprensa, foi prevista, em caráter de absoluta exceção, a declaração de estado de Sítio no País, segundo a dicção do artigo 137, III.
Apesar das importantes conquistas no âmbito da liberdade, a sociedade, volta e meia, demonstra ainda não saber conviver e lidar naturalmente com os valores desses triunfos, que são naturais atributos da verdadeira democracia e da legitimidade do estado de direito.
Tanto isto é verdade que não são poucos os casos em que pessoas, muitas vezes públicas, tentam impedir divulgações a seu respeito, ainda que sejam elas justificáveis e de interesse da coletividade, sob o argumento de que o ato representaria invasão de sua privacidade ou desrespeito à sua intimidade, vida privada, honra ou imagem.
Não são raros também os projetos de lei apresentados por parlamentares com o objetivo de regular a comunicação, com sugestões restritivas à liberdade da palavra, como se o que é pleno pudesse ser passível de limitações ou de restrições.
Estas dúvidas mais preocupam quando previsões discutíveis escapam do campo dos projetos, são sancionadas e passam a compor textos legais, a exemplo da lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, que estabelece regras para as eleições no País e que foi editada quase uma década após a promulgação da Constituição.
O artigo 53 dessa Lei estabelece que: “não serão admitidos cortes instantâneos ou qualquer tipo de censura prévia nos programas eleitorais gratuitos”.
Soa estranha tal declaração e até chega a resvalar o “non sense”, por ter sido a censura banida definitivamente do sistema legal pátrio pela Constituição atual e de não haver qualquer lógica em ser a mesma mencionada, como existente, pela legislação ordinária.
É a nossa opinião, singela e sincera, sobre o assunto.
______________