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Crime e remorso na literatura

Na literatura, o arrependimento foi abordado por vários autores consagrados que o trataram em obras ficcionais ou naqueles que narraram fatos reais.

11/8/2016

O crime não se apresenta como um fenômeno isolado. Fenômeno essencialmente humano ele sempre provém dos elementos que compõem a condição humana, extraindo desta as marcas de cada caso, que variam de acordo com as motivações, que vão desde as altruísticas até as vis e torpes; a forma de execução; a maior ou menor influência das contingências da vida; o ódio, o ciúme, a inveja, a vingança, e demais sentimentos que impulsionam a ação criminosa. A prática do delito pode provocar no acusado a indiferença, o sofrimento, o remorso, que para certos criminosos constitui uma punição perpétua.

Na literatura, o arrependimento foi abordado por vários autores consagrados que o trataram em obras ficcionais ou naqueles que narraram fatos reais.

Castro Alves escreveu um pungente poema intitulado “Remorso” em alusão ao assassinato do presidente Lincoln, cometido por John Both.

Nos primeiros versos indaga do “Cavaleiro sinistro, embuçado” --- “Onde vais galopando veloz ?” prenunciando trágicos eventos.

A pergunta é repetida várias vezes no curso do poema, que descreve a louca corrida do fugitivo, que não consegue apagar “da fronte o ferrete onde o crime com frio estilete nome estranho bem fundo gravou”. Na última estrofe Castro Alves faz alusão ao estigma do remorso : “Onde vais,cavaleiro maldito, mesmo oculto nos véus do infinito tua sombra te morde nos pés.”

Na prosa, a obra “Ressureição”, de Tolstoi, trata o tema do remorso em um drama que tem como personagens o príncipe Dimitri Ivanivitch Nekhluidov e uma sua antiga empregada chamada Maslova. O nobre russo procura redimir-se de um erro cometido na juventude, quando seduziu e abandonou grávida a jovem, que posteriormente tornou-se uma prostituta.

Anos depois, o Conde foi convocado como jurado, para participar do julgamento de uma meretriz que no prostíbulo matara um seu cliente. Ficou estupefato quando verificou tratar-se de Maslova, sua aventura da mocidade.

A partir deste momento, o remorso passou a provocar alterações substanciais em seu comportamento e em seu modo de ser e de pensar.

Seu comportamento até então estava consentâneo com os moldes ditados pela aristocracia russa da época do Czar. Sofreu mudanças que com o passar do tempo tornaram-no irreconhecível.

A sua visão da sociedade e dos homens passou a se distanciar e a divergir substancialmente daquela que caracterizava a aristocracia russa, marcadamente elitista, segregadora, discriminatória, alheia ao sofrimento da imensa maioria do povo.

O homem egoísta deixa de sê-lo, quando resolve, num ato de inusitada solidariedade, acompanhar Maslova à Sibéria, onde ela vai cumprir pena.

Tolstoi em sua obra, descreveu o arrependimento transformador, como um sentimento fruto de “um mal feito”, no caso o abandono da antiga empregada, como instrumento da revisão de sentimentos, emoções e de ideias sociais e políticas.

O personagem Nekhluidova transformou-se em um observador crítico da sociedade e das instituições russas e nesse ponto “Ressureição” torna-se, pode-se dizer, autobiográfico, pois a mesma metamorfose ocorreu com o próprio autor.

Com efeito, Tolstoi pertencia a uma família nobre de latifundiários, que gozava de todos privilégios da aristocracia russa e pertencia a uma casta que explorava a força de trabalho da grande massa terrivelmente empobrecida, colaborando, como consequência, para a criação de um clima de revolta e de irresignação.

As suas obras, contêm acerbas críticas ao sistema político social de seu país. Pode-se depreender do conjunto de seus inolvidáveis escritos um alerta às elites e ao regime, dos riscos com a manutenção do statu quo. As revoluções de 1905 e 1917 confirmaram as suas previsões.

Ainda sobre o sentimento de remorso pode-se mencionar um trecho do livro “Sonata para Kreulzi”, do próprio Tolstoi na qual o personagem Podynyshev, lembra-se, já na prisão, que durante o ato de esfaquear e matar a sua esposa, arrependeu-se e retirou o punhal do corpo.

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*Antônio Claudio Mariz de Oliveira é advogado da Advocacia Mariz de Oliveira.

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