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Código Comercial, sua necessidade com as mutações nas relações sociais e as repercussões midiáticas atuais sobre a sua votação

As inúmeras mudanças ocorridas nas relações comerciais e empresariais convidam a uma urgente adequação das normas à nova realidade.

10/8/2016

Têm-se tornado tônico o debate acerca da atualização do Código Comercial Brasileiro, que é datado do ano de 1850. Visto que, no passado, o Brasil passou por grandes mudanças de cunho político, econômico, social e do formato das famílias. Essas transformações sofridas inviabilizam os antigos marcos regulatórios vigentes, especialmente a partir da promulgação da Constituição Federal em 1988.

No campo do Direito, os códigos sistematizam as normas de determinados setores das relações sociais e econômicas, conferindo-lhes maior racionalidade. Para além do Direito, os códigos servem de poderoso instrumento de propagação de conceitos e valores. No Brasil, como se é sabido, vigorou a distinção entre o Direito Civil e o Comercial até o advento do Código Civil de 2002. A nova lei civil, ideologicamente influenciada pelo Direito Italiano, patrocinou a uniformização do Direito obrigacional, passando, inclusive, a dispor sobre boa parte das antigas sociedades comerciais, hoje denominadas de empresárias.

Diante dos fatos, fora apresentado, no ano de 2011, pelo deputado Vicente Cândido, PL 1.572 que visa instituir o Código Comercial. O projeto vem com o objetivo de dotar o país com um Código Comercial moderno e ágil. A verdade, ele não é um Código Comercial simplesmente, mas um Código que visa regular as relações entre empresas e seus sócios, nos setores do comércio, da indústria, dos serviços e do agronegócio. Ele tem por objetivo também regulamentar uniformemente os títulos cambiais no Brasil.

As inúmeras mudanças ocorridas nas relações comerciais e empresariais convidam a uma urgente adequação das normas à nova realidade, objetivando o surgimento de um Código acorde com os novos tempos que hoje vivemos e que significará uma segurança maior tanto para os consumidores quanto para as empresas.

Destacam-se entre suas principais alterações a admissão e regulamentação dos contratos celebrados de forma eletrônica, bem como os títulos de crédito deles derivados. Além disso, a força das assinaturas eletrônicas passará a ser incontestável, como se tivessem sido autenticadas por veracidade em um Tabelionato de Notas. Salienta-se, ainda, a simplificação da vida da empresa, uma maior segurança jurídica a mesma, a atualização da legislação para o nosso tempo, contemplando os avanços tecnológicos, notadamente a documentação empresarial e o comércio via internet, o fornecimento, de colaboração, de logística, de investimento conjunto, contratos bancários, financeiros, entre outros tipos e a regulamentação das obrigações dos empresários. Atentando-se, ainda, em todas as disposições, aos princípios e regras próprios do direito comercial ou empresarial, superando-se a experiência de unificação do direito privado empreendida pelo Código Civil, que tem sido prejudicial à previsibilidade das decisões judiciais e à força vinculante dos contratos.

Outro avanço é o que tange a limitação da responsabilidade dos sócios, com seus bens pessoais, por dívidas trabalhistas da pessoa jurídica e, ainda, a simplificação do trabalho das juntas comerciais no registro das empresas e a previsão de que certos documentos, como contratos e títulos de crédito, circulem exclusivamente em meio eletrônico.

Têm-se propagado na mídia discussões calorosas sobre os benefícios ou malefícios que a aprovação do projeto de lei 1.572/11 poderia trazer. Correntes jurídicas divergem sobre a necessidade de criação de um novo Código Comercial. Há de se imaginar que uma mudança legislativa significativa, como a confecção do referido código, acarretaria debates e discussões acerca do assunto no mundo jurídico, político e econômico. Toda atenção ao tema, de certa forma, pode ter um viés saudável para que se tenha uma análise crítica e participativa do que está sendo codificado, ao invés de mero descaso jurídico sobre o tema. O princípio do contraditório se estende contextualmente às opiniões especializadas divulgadas pela mídia.

Todavia, justamente pela análise sempre crítica que deve ser realizada, devemos ter em vista as eventuais opiniões divulgadas que podem levar a uma interpretação equivocada sobre o assunto. Recentemente foi veiculada na mídia notícia baseada em estudo elaborado pelo Insper afirmando a possível perda de 182 bilhões com a eventual aprovação do projeto de lei 1.572/2011. Com um número alto, na casa das centenas de bilhões, a notícia pode acabar sendo recebida com certo choque – se não foi esta a intenção – pelos leitores, e, como sabemos, os números são bons em convencer e formar opiniões.

Porém, há de se perguntar sobre o que os números falam e o que existe por detrás deles. Detrás desses números, na realidade, existe o texto original do projeto de lei 1.572/11, que previa a inserção de alguns dispositivos sobre determinadas previsões empresariais, como a figura do Fiscal Judicial Temporário, a definição de Concorrência Desleal e o caso de Abuso de Sócios ou Acionistas. Tais disposições, e as demais elencadas no estudo aqui não mencionadas, implicariam supostamente no prejuízo de 182 bilhões retromencionado. O que não se verificou, entretanto, foi o fato de que texto que está atualmente em andamento no Congresso Nacional , e pronto para votação neste mês, após diversas emendas possui conteúdo diverso do original e não contém as disposições que levaram o Insper a chegar à conclusão do estudo. Assim, ainda que os dados presentes no estudo tivessem qualquer fundamento, hoje não se pode falar na possibilidade de sua ocorrência, considerando o fato do objeto do estudo ter sido alterado no decorrer da tramitação do projeto de lei.

Aqui vemos o perigo da veiculação de notícias, que algumas vezes mostram informações que não coincidem com o contexto real, ocasionando formação de opiniões equivocadas e impactando, muitas vezes, de forma negativa ao que não merecia tal conotação.

Deixemos, por ora, as repercussões midiáticas de lado, e voltemos a analise do projeto de lei 1.572/11.

O fato é que, há uma necessidade de um novo Direito Comercial e que ele seja repensado, não mais nos moldes medievais que esse vinha sido tratado, mas com o olhar a frente da nova realidade que nos cerca. O avanço galopante da economia brasileira nos últimos anos, associada à posição que o país conquistou nas relações globais, não podem se deixar passar despercebidas. A tudo isso se soma à complexa e indiscutível especialidade das operações comerciais, em suas mais diversas propensões, as quais impõem a necessidade de um tratamento igualmente especializado.

Posto isso, o novo Código Comercial tem por designo nutrir uma harmonia legislativa que modernizará e, assim, fornecerá, sob o ponto de vista jurídico, as condições adequadas para o acompanhamento do crescimento econômico que se estabeleceu nos últimos anos. Não é, portanto, um simples retorno ao passado, moldar o novo aos antigos costumes. Nesse caso, é justamente o contrário: algo a ser feito para que as coisas passem a fluir em sintonia com um mundo que é, literalmente, cada vez mais cambiante.

Era o que cabia pontuar.
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1 Estudo “Medindo os impactos do PL 1.572 da Câmara dos Deputados ou do PL 487 do Senado Federal, que propõem o Novo Código Comercial Brasileiro”, de Maio de 2014, elaborado pelo Insper.

2 Link de acesso para o último parecer do relator Paes Landim.

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*Marco Aurélio de Carvalho é sócio e fundador do Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados.








*Rachel Leticia Curcio Ximenes é advogada sócia do Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados.








*Tiago de Lima Almeida é advogado sócio do Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados.


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