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O Direito Premial, a delação premiada e a leniência

A delação premiada é válida e necessária para o Brasil, mas deve respeitar os direitos e garantias estampados na Constituição.

8/7/2016

No Brasil o direito premial é um ramo ainda pouco estudado, com aplicação incipiente e até experimental, mas com possibilidade de alcançar uma performance sem precedentes nesta curva da história brasileira, principalmente como instrumento para bem ressarcir os cofres públicos da inimaginável dilapidação do erário pelos corruptos e melhor aplicar as penalidades administrativa e civil aos corruptos e corruptores.

Direito premial está adstrito à lene, termo ainda pouco usual dos brasileiros, que significa conferir a algo a característica de brandura, suavidade, doçura e maciez. É sinônimo de lenidade, que decorre do latim lenitate e significa leniência.

Então ser lene ou leniente significa, essencialmente, ser brando, qualidade que, por mais contraditória que possa parecer, tem sua aplicação em muito aumentada no Brasil nestes nossos nebulosos dias, que o diga a “Lava Jato”, “Custo Brasil”, “Turbulência”, “Zelotes”, “Acrônimo” e tantas outras operações que buscam desvendar e combater a disseminada praga da corrupção brasileira.

O direito premial é instrumentalizado no judiciário italiano por meio do “pattegiamento”, “acordo judicial”, no norte-americano, como “plea bargain”, “negociar a confissão” e, no Brasil, tem-se preferido o termo “delação premiada” ou “colaboração premiada”, mas no direito brasileiro a aplicação mais efetiva deste instrumento é vista na seara administrativa, porquanto o judiciário está tateando sua melhor utilização para não desrespeitar o ordenamento legal pátrio. De todo modo, o fim deste instrumento é alcançar um acordo do infrator com o Estado, ou seja, uma barganha de provas e infratores por benefícios punitivos.

Assim, a delação premiada repousa no fundamento de que o infrator, agora colaborador, cooperará com as investigações, apresentando provas novas e suficientes para identificar os coautores, comprovar a infração e desbaratar o sistema criminoso e, em contrapartida, receberá benefícios legais, tendo como o maior deles a extinção da penalidade administrativa.

Então, o abrandamento da pena é o prêmio do delator, que também é um infrator, por trair seus comparsas. Logo, o direito premial tem por base um ajuste celebrado entre o poder público e infrator confesso, que tem como consequência a lene da punição, ou seja, um abrandamento ou suavização do castigo.

No Brasil, para a aplicação deste direito, especificamente na seara administrativa, o infrator deve confessar o exercício de irregularidade, cessar tal conduta criminosa, cooperar com as investigações, fornecer informação para alcançar os coautores e ressarcir integralmente os cofres públicos. Em contrapartida receberá benesses estatais, por exemplo, as isenções de punibilidade, de proibição de receber incentivos, subsídios e empréstimos públicos e de proibição de contratar com a Administração Pública, bem como redução de multa.

Num país como o nosso, acossado pela corrupção, com envolvimento direto de autoridades de todas as esferas políticas e de todos os poderes e com órgãos e entidades de controle, fiscalização e investigação sem a estrutura técnica e pessoal necessária para desvendar a teia criminosa que prodigaliza os cofres públicos, a aplicação do direito premial parece ser o ar que resta.

Não há dúvidas, pois, de que é um instrumento indispensável para conter a corrupção brasileira, mas por ser um direito novo no Brasil e ainda pouco debatido muito será alterado, diversas decisões judiciais serão reformadas e muitos entendimentos serão modificados pelo STF, pois o ordenamento pátrio ainda está construindo as bases jurídicas deste ramo do direito.

É consenso que o instituto da delação premiada não pode ser arranjo para expiar socialmente alguém, logo, é premente discutir um melhor e maior controle das delações, como por exemplo, cuidar para não aceitar meras fofocas e concepções interesseiras, impor regras rígidas ao vazamento seletivo e negar delação sem provas robustas. Todos estes pontos colocam em xeque a legalidade das delações premiadas, bem como o sensível tema da colaboração de quem se encontra preso.

De todo modo, alguns esteios já se veem neste direito premial, como o entendimento de que é a delação premiada em si possui amparo constitucional, já que respeita as garantias da Carta Magna, é espontânea, consensual, busca o interesse público e se mostra, no momento, como o principal meio de combate à corrupção.

Ademais, é preciso evoluir também as garantias do colaborador, tais como: a leniência penal é possível no direito brasileiro? Se sim, é necessária a participação do Ministério Público? A leniência civil e administrativa pode alcançar a penal? É cabível a leniência plus, ou seja, é possível complementar a primeira delação ou a omissão de alguns ilícitos vicia a primeira delação? Se a delação for viciada, a provas já obtidas possuem algum valor jurídico? O acordo de leniência só alcança o primeiro delator, “first come, first serve” ou é permitida a leniência múltipla? É indispensável cessar a prática infratora para celebrar o acordo de delação? Enfim, este importante instituto necessita ainda de muito estudo e debate.

Entretanto, sopesando as dúvidas e as certezas tem-se que a delação premiada é válida e necessária para o Brasil, mas, para tanto, deve respeitar os direitos e garantias estampados na Constituição. Não é crível admitir denúncias irresponsáveis com fins outros que não o combate à corrupção e a proteção do erário.

Também parece inteligente, em razão dos parcos recursos e modesta estrutura dos órgãos públicos responsáveis pela efetivação deste direito premial, a retroalimentação do sistema, ou seja, utilizar parte do dinheiro resgatado e das multas aplicadas para subsidiar financeiramente os órgãos de execução a delação premiada, assim teremos, a cada dia, melhores equipamentos de investigação e, por consequência, melhor combate da corrupção.

Vê-se, então, que o direito premial é essencial ao direito brasileiro e o instituto da leniência, seu principal meio de aplicação, é o instrumento de melhor valia, no momento, para desvendar a teia de corrupção existente no Brasil e punir os infratores. É necessário também aperfeiçoar o instituto e aplicá-lo apenas nos estritos limites da CF, sob pena de usarem exatamente este argumento, desrespeito à Constituição, para excluir do direito brasileiro, até agora, a ferramenta mais eficaz para alcançar os corruptos e corruptores. Por fim, é salutar promover a retroalimentação do sistema e ceifar a praga da corrupção dos cofres públicos.

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*Marcos César Gonçalves de Oliveira é advogado, conselheiro da OAB/GO.


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