A 20ª vara Federal de Brasília/DF (36559-14.2016.4.01.3400) indeferiu pedido de tutela antecipada que pleiteava a suspensão da RDC 26/15, da Anvisa. O juiz Federal Dr. Renato C. Borelli, ao analisar o pedido de liminar, de forma impecável, reconheceu a aplicação da RDC 26/15 para produtos nacionais e importados e realçou a aplicação do CDC:
"(...) é obrigatoriedade das sociedades empresárias a proteção e preservação da saúde e segurança dos consumidores, conforme determinação do texto do Código de Defesa do Consumidor.
Entendo que a obrigação de informar e de conhecer os riscos que o produto pode causar à saúde e segurança do consumidor é imposição desde a sua vigência, tanto para produtores internos quanto importadores."
E ainda explicitou, em sua decisão, que o Poder Judiciário está atento para estratégias potencialmente manipuladoras:
A pretensão da Associação-autora, tal como deduzida na petição inicial, faz crer que suas filiadas deixaram para os "momentos finais" o ingresso em juízo, buscando, portanto, claro periculum "forçado".
Outro ponto importante que merece destaque e aplausos nesta decisão foi a admissão do movimento Põe no Rótulo e do Idec como "amicus curiae". Especialmente no que tange ao Põe no Rótulo, trata-se de um precedente que aponta para o reconhecimento da importância de se validar movimentos da sociedade civil, conferindo-se mais ênfase à qualidade do trabalho desenvolvido do que a aspectos formais.
Na mesma linha, o juiz Federal Marcelo Dolzany da Costa, da 16ª vara Federal de MG, reforçou o fato de que o que se levava ao Judiciário era pedido que já teria sido feito e negado pela Diretoria Colegiada da Anvisa e completou:
“A pretensão do autor, tal como deduzida na petição inicial, permite a ilação de que as empresas que lhe são filiadas deixaram, para a undécima hora, providências para as quais teriam - e não aproveitaram - o período de um ano para implementarem, tal como previsto naquela RDC, tendo vindo somente em data recente a questionar a medida na seara administrativa." (Processo n° 0037033-46.2016.4.01.3800)
No mesmo sentido, é a decisão do juiz Federal Waldemar Claudio de Carvalho, da 14ª vara da JF/DF, que realça em sua decisão:
“(...) in casu, não vislumbro "questões que coloquem em risco as próprias empresas'", pois, diligentes que são — e é isso que se espera daquelas sociedades empresárias que se lançam no mercado -, não podem, sob pena de efetiva inversão de valores, pretender que prevaleça seu risco pessoal/empresário sobre o risco à vida, à saúde e à segurança dos consumidores contra práticas de fornecimento de produtos e serviços sem informação adequada.” (Processo nº 0039856-29.2016.4.01.3400)
As decisões em tela se coadunam com a impositiva preocupação que deve ter o Poder Judiciário com a proteção dos legítimos direitos dos vulneráveis, como é o caso do consumidor, e em também em relação aos direitos das crianças (cerca de 8% das crianças têm alergia alimentar), prioridade absoluta na Constituição da República, conforme art. 227.
Estas decisões chegam em momento oportuno, eis que confirmam que o direito a informações sobre a presença de alergênicos nos rótulos e junto aos serviços de atendimento ao consumidor decorrem diretamente do CDC, tese sustentada pelo movimento Põe no Rótulo, nascido no início de 2014 e que, após grande mobilização da sociedade civil, teve o condão de impulsionar a aprovação de norma que detalha como deve se dar o destaque de alergênicos nos rótulos dos produtos alimentícios, a RDC 26/15.
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Processos relacionados: 36559-14.2016.4.01.3400, 0037033-46.2016.4.01.3800, 0039856-29.2016.4.01.3400
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*Maria Cecilia Cury Chaddad é mestre e doutora em Direito Constitucional, advogada, coordenadora do movimento Põe no Rótulo.
**Fernanda Mainier Hack é procuradora do Estado do RJ, advogada, coordenadora do movimento Põe no Rótulo.