Migalhas de Peso

O programa de parcerias de investimentos (PPI) e suas implicações no setor portuário

O programa gera impactos sobre o setor portuário, que se baseia justamente na realização de parcerias entre o Estado e o setor privado.

16/6/2016

1. Introdução

No dia 12 de maio, foi editada a MP 727, que cria o Programa de Parcerias de Investimentos – PPI.

O PPI tem os objetivos de ampliar e fortalecer a interação entre o Estado e a iniciativa privada por meio de contratos de parceria destinados à execução de empreendimentos públicos de infraestrutura e outras medidas de desestatização.

Neste breve artigo, pretende-se examinar alguns dos possíveis efeitos da MP 727 e do PPI no setor portuário. Trata-se, evidentemente, de um exame apenas inicial, que não tem a pretensão de ser exaustivo.

2. Observações iniciais: o Programa de Parcerias de Investimentos

A MP 727 não estabeleceu uma nova sistemática de parceria entre o Estado e a iniciativa privada. Não foi criada nenhuma modalidade contratual inovadora de parcerias público-privadas, nem era este o objetivo da MP.

Na realidade, a MP 727 estabeleceu um programa (muito relevante, diga-se desde logo) de incentivo e fortalecimento das parcerias entre o Estado e a iniciativa privada. Esse programa, o PPI, consiste no estabelecimento de um arranjo organizacional e na previsão de uma série de diretrizes e determinações que devem ser observadas nas parcerias entre o Estado e a iniciativa privada.

O objetivo da MP 727, claramente, é estabelecer normas que contribuam para a resolução de algumas dificuldades centrais no desenvolvimento das parcerias entre o Estado e a iniciativa privada, tais como a ausência de políticas estáveis, a incerteza dos investidores acerca da obtenção de licenças e a intromissão do Poder Público em questões que dizem respeito à liberdade de organização e de exercício de política comercial pelos concessionários.

Nesse sentido, a MP 727 é um passo importante, mas que dependerá de uma série de outros mecanismos que ainda precisarão ser definidos normativamente e aplicados na prática. A própria MP deixa claro no artigo 4º que diversos assuntos ainda serão definidos por meio de decretos. E mesmo outros dispositivos da MP estabelecem normas que possivelmente dependerão de outras regras para lhes conferir maior concretude.

A MP 727 consiste no início de um trabalho de fortalecimento das parcerias entre o Estado e a iniciativa privada. Possivelmente, seus efeitos concretos ainda demorarão um pouco a ser observados, e dependerão essencialmente de uma postura mais responsável e coordenada por parte da Administração Pública.

3. O setor portuário e suas parcerias entre Estado e iniciativa privada

O setor portuário é um dos setores de infraestrutura que se desenvolve justamente com o estabelecimento de parcerias entre o Estado e a iniciativa privada.

Desde a Lei de Modernização dos Portos (lei 8.630/93), procurou-se (1) retirar o Estado do desempenho direto das atividades portuárias e (2) incentivar a iniciativa privada a prestar tais atividades e a realizar investimentos em estruturas de titularidade pública. O Estado, assim, passaria a ser o regulador da prestação das atividades portuárias, e não o fornecedor direto de serviços.

Com isso, deu-se início a um amplo processo de reestruturação do setor portuário. Em meados da década de 1990 (mas também nas décadas que se seguiram), foram feitas licitações para a exploração de grandes terminais portuários.

O modelo concebido foi o de contratos de arrendamento de terminais públicos. Os vencedores das licitações passaram a explorar esses terminais e a fazer pesados investimentos nessas estruturas – investimentos esses que reverteriam ao poder concedente. Como contrapartida, obteriam receitas oriundas da prestação dos serviços portuários.

Note-se que esse modelo foi concebido quando ainda nem havia sido editada a Lei Geral de Concessões (lei 8.987/95), e quase uma década antes da edição da lei 11.079/4, quando nem mesmo se falava em “parcerias público-privadas” no sentido que o termo tem atualmente.

O resultado dessa reestruturação do setor portuário foi transformador. Embora haja significativos gargalos logísticos em virtude de uma série de fatores, é inegável que os terminais arrendados à iniciativa privada, de um modo geral, modernizaram-se e se ampliaram.

É digno de nota que a Nova Lei dos Portos (lei 12.815/13) manteve a sistemática dos arrendamentos portuários, em que a iniciativa privada realiza investimentos na estrutura pública e, como contrapartida, recebe remuneração dos usuários. Mesmo com outros arranjos contratuais que surgiram desde a Lei de Modernização dos Portos, tais como a concessão patrocinada e a concessão administrativa, optou-se pela continuidade da sistemática dos arrendamentos – e, em paralelo, estabeleceu-se a possibilidade de autorizar a construção de terminais portuários privados.

Pode-se dizer, portanto, que foi estabelecida uma sistemática de parcerias (em sentido amplo) entre o Estado e o setor privado que vem sendo bem-sucedida, tanto é que mantida e ampliada com a Nova Lei dos Portos.

Apesar disso, o setor portuário sofre com diversas dificuldades que caracterizam as parcerias entre o Estado e a iniciativa privada em outros setores. Também o setor portuário sofre com a inexistência de políticas públicas coordenadas e de longo prazo, dentre outros problemas.
Assim, mesmo sendo um “microcosmo” sob um certo ângulo, o setor portuário também deverá sofrer influxos decorrentes das previsões contidas na MP 727.

4. Influxos do PPI no setor portuário

O PPI certamente terá pontos de relevância ao setor portuário.

4.1. Ressalva prévia: manutenção dos arrendamentos e autorizações portuárias

O PPI não altera a sistemática contratual de exploração de terminais portuários. Como não foi criada nenhuma nova modalidade contratual ou de parceria, os terminais portuários continuam sendo explorados segundo duas sistemáticas principais.

De um lado, há os arrendamentos portuários, que são contratos firmados após a realização de licitação, pelo prazo de até vinte e cinco anos, prorrogáveis por igual período, em que o arrendatário explora o terminal e obtém receita fundamentalmente a partir da cobrança de preços dos usuários (Lei 12.815, artigos 2º, XI, 5º e 6º).

De outro lado, há as autorizações para a exploração de terminais de uso privado e outras formas de instalações portuárias (Lei 12.815, art. 8º).

Essa sistemática não é afetada pelo PPI.

4.2. A abrangência do PPI sobre o setor portuário

O PPI abrange parcerias entre o Estado e a iniciativa privada também no âmbito do setor portuário.

O artigo 1º, § 2º, da MP 727 estabelece que consideram-se contratos de parceria não apenas as concessões comuns, patrocinadas, administrativas, aquelas regidas por legislação setorial e as permissões de serviço público, mas também “o arrendamento de bem público”, a concessão de direito real e “os outros negócios público-privados que, em função de seu caráter estratégico e de sua complexidade, especificidade, volume de investimentos, longo prazo, riscos ou incertezas envolvidos, adotem estrutura semelhante”.

Não há dúvidas, portanto, de que os arrendamentos portuários são contratos de parceria entre o Estado e a iniciativa privada para os efeitos do PPI.

Em relação às autorizações para a exploração de terminais portuários de uso privado, elas não parecem abrangidas pelo artigo 1º, § 2º, da MP 727. Ainda que sejam negócios público-privados complexos e que envolvem grande volume de investimentos, a sua estrutura de exploração é diferente. Os investimentos são realizados em bens privados e não revertem ao Poder Público.

Contudo, o artigo 21 da MP 727 estabeleceu que as disposições da MP se aplicam, no que couber, “aos empreendimentos empresariais privados que, em regime de autorização administrativa, concorram ou convivam, em setor de titularidade estatal ou de serviço público, com empreendimentos públicos a cargo de entidades estatais ou de terceiros contratados por meio de parceiras”.

Esse dispositivo, ao que parece, destinou-se justamente a abranger os terminais portuários de uso privado (e possivelmente outras autorizações setoriais). Afinal, os terminais de uso privado são explorados em regime de autorização e concorrem (ou “convivem”) com os terminais portuários arrendados, que são de titularidade estatal, mas explorados de acordo com contratos de arrendamento, que são contratos de parcerias para os fins da MP 727.

Logo, tanto os terminais portuários arrendados quanto os autorizados são abrangidos pelas previsões da MP 727.

4.3. A formalização de políticas setoriais e sua manutenção no longo prazo

A MP 727 prevê a necessidade de formalização de políticas setoriais e a sua manutenção no longo prazo. É o que se observa, por exemplo, nas previsões dos artigos 3º, I, 4º, I, 6º, I e II.

Há inclusive a previsão de que devem ser realizadas análises de impacto regulatório “quando da edição ou alteração de regulamentos, planos regulatórios setoriais e outros atos regulatórios setoriais, visando a orientar a tomada das decisões e assegurar a eficiência, a eficácia, a coerência e a qualidade da política regulatória, com integral respeito às normas e direitos envolvidos”.

Essa diretriz de que haja formalização e maior previsibilidade e estabilidade no estabelecimento de políticas setoriais se aplica de modo inequívoco ao setor portuário.

Não é nenhuma novidade que o setor portuário sofre com constantes e repentinas alterações de políticas. Incentiva-se a realização de certos empreendimentos, mas depois promovem-se outras sistemáticas sem nenhum estudo que examine os impactos decorrentes. Isso tem feito, por exemplo, com que o índice de comparecimento às recentes licitações para novos arrendamentos portuários tenha ficado muito abaixo das expectativas. Além disso, os arrendatários muitas vezes têm interesse em realizar investimentos adicionais mas deixam de fazê-lo justamente em virtude das incertezas nas políticas públicas do setor. Outro problema que ocorreu foi a revisão de poligonais dos portos organizados sem nenhum estudo acerca dos impactos concorrenciais e mercadológicos envolvidos, como se essas revisões fossem meras decisões administrativas sem nenhum impacto no mercado – o que, felizmente, foi objeto de diversas decisões judiciais ressaltando a necessidade de realização de tais estudos.

A estabilidade das políticas é imprescindível para o setor portuário. O titular ou arrendatário de cada terminal pode investir bilhões de reais em alguns poucos anos. É necessário que haja segurança e continuidade, conforme estabelece a MP 727.

Contudo, é necessário ir além. Não se pode contentar com a simples referência de que as políticas públicas devem ser estáveis e formalizadas. Por exemplo, quais são as decorrências concretas caso haja mudanças repentinas de políticas no setor portuários? Parece vidente que esses casos poderão ser questionados perante o Poder Judiciário. Mas, para além disso, os particulares que realizaram pesados investimentos e foram prejudicados terão de ser ressarcidos? Essa é uma questão que deve ser enfrentada, levando-se em conta inclusive o postulado da boa-dé que deve reger as relações de parcerias entre o Estado e a iniciativa privada. Afinal, de nada adianta enunciar que as políticas serão formalizadas e estáveis se nenhuma decorrência concreta for retirada disso.

4.4. Comando central para o programa de parcerias

A MP 727 prevê a criação do conselho do PPI e de uma secretaria executiva do PPI, vinculada diretamente à Presidência da República.

Entretanto, no setor portuário, continua competente para a definição de políticas o Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil (que incorporou a Secretaria de Portos) e ANTAQ como agência reguladora do setor.

Portanto, no setor portuário, embora o Conselho do PPI elabore calendários e as listas de parcerias, concessões e outros contratos, o Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil continuará fundamental para a execução dos projetos do setor. O Ministério continuará responsável pela realização das diversas etapas de contratação dos empreendimentos, desde os estudos prévios de engenharia, jurídico, ambiental e econômico. Também elaborará os editais das licitações. Caberá ao PPI, a supervisão e apoio para a coordenação das ações, para que as parcerias sejam feitas com transparência e agilidade.

A estruturação de projetos, aliás, deve contar com atuação da EPL. Trata-se de uma tentativa de resolver as dificuldades na elaboração de projetos no setor portuário, que já sofreu críticas incisivas, inclusive por parte do TCU.

4.5. Dever de colaboração para viabilizar as parcerias

A MP 727 não prevê um instrumento concreto para a colaboração entre os órgãos públicos e a iniciativa privada. Entretanto, enuncia que deve haver essa colaboração.

Um instrumento que seria possível de instituir é a conferência de serviço, existente no direito italiano e alemão (neste último, muito bem-sucedida justamente para projetos de infraestrutura). Trata-se de reunir os órgãos competentes, de modo que se decida de uma vez por todas os problemas existentes, sem que o particular não consiga atender a uma exigência, feita por uma autoridade, sem desatender os demais.

No setor portuário, esse dever de colaboração é de suma importância, uma vez que há muitas autoridades envolvidas, com competências diversas, mas que em certos casos se sobrepõem. A dificuldade na obtenção de licenças é frequentemente apontada com um dos grandes fatores que dificultam os investimentos no setor.

Com o PPI, espera-se que haja maior agilidade na aprovação de projetos e implementação das parcerias.

4.6. Reconhecimento da liberdade de organização empresarial

Por fim, a MP 727 enuncia que o Estado deve reconhecer o espaço de liberdade de organização empresarial da iniciativa privada.

Esse reconhecimento de espaços de liberdade é um ponto essencial no setor portuário. Com frequência, as autoridades impedem ou dificultam, por exemplo, o exercício da liberdade de fixação de preços pelos terminais portuários. Isso impede o exercício de suas políticas comerciais, causando incertezas, o que deve ser evitado. A regulação excessiva de preços é um ponto que deve ser enfrentado no setor portuário o quanto antes.

5. Conclusão

Em síntese, a MP 727 não deve trazer um impacto imediato e decisivo sobre o setor portuário, mas espera-se que ela incentive a adoção de práticas que contribuirão para os investimentos privados no setor.
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1 Não deixa de ser interessante a utilização do termo “convivam” pelo dispositivo. A MP 727 não define o que é propriamente uma “convivência” entre empreendimentos de infraestrutura nem no que a “convivência” se distingue da “concorrência”. Parece que a regra tentou ser o mais ampla possível, para abranger autorizações que integrem um setor que contenha parcerias entre o Estado e a iniciativa privada, ainda que as autorizações não concorram diretamente com esses outros empreendimentos.

2 Uma questão que se põe diz respeito, por exemplo, à necessidade de reequilíbrio econômico-financeiro de contratos de arrendamento portuário afetados pela instalação de terminais privados que não se submetem aos mesmos encargos. Sobre isso, confira-se artigo de Joel de Menezes Niebhur em: PEREIRA, Cesar; SCHWIND, Rafael Wallbach (org.). Direito Portuário Brasileiro. Marcial Pons, 2015.

3 Sobre a relevância da política comercial dos concessionários na fixação de preços e tarifas e sua distinção em relação à política tarifária (esta sim exercida pelo Estado segundo limitações.
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Bibliográfica

SCHWIND, Rafael Wallbach. O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e suas implicações no setor portuário. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, n.º 111, maio de 2016, disponível em https://www.justen.com.br/informativo

, acesso em [data].
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*Rafael Wallbach Schwind é doutor e mestre em Direito Administrativo na USP, Visiting scholar na Universidade de Nottingham e sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados.

 

 

 

 

 

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