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Arbitragem e as Olimpíadas de 2016: Uma breve análise da atuação do CAS

Com a aproximação das Olimpíadas de 2016, a arbitragem desportiva ganhou destaque nos debates contemporâneos.

23/5/2016

A arbitragem desportiva é tema bastante contemporâneo e que ganhou contorno especial no caso brasileiro com a aproximação das Olimpíadas de 2016, a ser realizada no Rio de Janeiro entre julho e agosto do presente ano. O evento contará inclusive com uma divisão ad hoc da principal corte arbitral internacional na matéria em solo tupiniquim.

Diversos conflitos, pela sua própria natureza ou pelos valores envolvidos, necessitam de uma resposta rápida, consoante o dinamismo do mercado e o processo de globalização. Em se tratando de esportes, meio no qual as carreiras são em geral curtas, a submissão de uma questão ao Poder Judiciário, sobretudo no caso brasileiro, onde é notório que as decisões se arrastam durante anos e quiçá décadas, pode significar, em última instância, que ainda que o atleta obtenha uma decisão favorável, esta poderá não ser efetiva, pela própria desvantagem biológica e etária do atleta em continuar a praticar o esporte em nível profissional. Assim, a arbitragem vem de encontro à necessidade de um julgamento qualificado, dotado de segurança e força executória, porém mais dinâmico que o procedimento judicial.

A difusão dos meios alternativos de resolução de conflitos teve como marco em nosso ordenamento a lei de arbitragem (lei 9.307/96), embora já prevista esparsamente desde o período imperial. Conforme o atual regramento sobre a matéria, a arbitragem se constitui em meio de solução de conflitos, passível de ser celebrado por pessoas capazes, relativo a direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º da lei 9.307/96). Sua sentença tem força de título executivo judicial, nos termos do art. 515 do CPC/15 e art. 31 da lei de arbitragem.

No caso dos desportos, a lei 9.615/98, conhecida como lei Pelé, estabelece que as partes podem se valer da arbitragem para resolução de litígios patrimoniais disponíveis, sendo vedada a apreciação de matérias ligadas à disciplina e prática desportiva (Art. 90-C), eis que submetidas à Justiça Desportiva. Em consonância com a lei de arbitragem, a lei 9.615/98 estabelece ainda que é necessário, para submeter a matéria a juízo arbitral, a consonância de ambas as partes mediante cláusula compromissória ou compromisso arbitral.

Nos últimos anos tem sido noticiado diversos casos de atletas levando suas questões para a arbitragem, como se verificou no caso Dodô, jogador brasileiro de futebol, à época atuante pelo Botafogo, e o nadador César Cielo, medalhista olímpico. Ambos foram julgados pelo CAS (Court of Arbitration for Sports), também conhecido pela sigla francesa: TAS (Tribunal Arbitral du Sport), criado em 1984.

Contudo este não é o único tribunal arbitral em matéria desportiva. A guisa de exemplo, no Brasil, em 2005, foi criado o TAD, Tribunal Arbitral Desportivo, com aderência de instituições de peso, como a CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Contudo, pela relevância internacional do CAS, funcionando como última instância de litígios desportivos em todo o mundo, faz-se necessária uma análise mais profunda dessa instituição.

O CAS é Corte julgadora de litígios desportivos ou questões decorrentes de sua prática, como contratos de transmissão de jogos com redes televisivas ou de patrocínio, ou seja, contratos de natureza comercial, bem como as questões relativas à responsabilidade civil, que ocorre, por exemplo, quando o atleta se acidenta ao manusear determinado equipamento. O Tribunal atua de forma independente de instituições desportivas tradicionais, como o COI (Comitê Olímpico Internacional), FIFA (Federação Internacional de Futebol), dentre outros, porém ligado ao ICAS (International Council of Arbitration for Sport).

Historicamente, em 1984 houve a criação do CAS. Após dez anos de sua existência e visando justamente à garantia de sua independência em relação ao COI, uma vez que esta era a razão das severas críticas sofridas pelo CAS à época, foi criada uma entidade com o fim específico de supervisionar o tribunal: o ICAS. Atualmente, o ICAS é composto por 20 (vinte) membros. Em sua maioria, o membro é cumulativamente jurista e atleta de alguma modalidade, preferencialmente olímpica, mas há os chamados juristas puros, que não se dedicam à prática e nem possuem, a priori, o conhecimento aprofundado de alguma modalidade esportiva. Em relação ao tribunal, o CAS conta com cerca de 50 (cinquenta) árbitros, de nacionalidades diversas. Sua sede é em Lausanne, Suíça, e possui escritórios em Sidney e Nova Iorque. Além disso, há centros alternativos de audiência espalhados pelo globo, uma vez que nem todos os atletas possuem recursos para se deslocar até a sede ou um dos escritórios.

Com o passar dos anos, o CAS, tem se fortalecido e firmado no cenário internacional como a principal corte de solução de litígios esportivos e estima-se que seja atualmente o terceiro maior tribunal arbitral do mundo. Em 1992, decisão paradigmática do Swiss Federal Tribunal contribuiu consideravelmente nesse sentido, ao rejeitar a apelação de um atleta reconhecendo que a questão seria de competência do CAS. A partir de então, muitas federações esportivas, paulatinamente, reconheceram a jurisdição do CAS, a exemplo da FIFA, em 2002.

Estruturalmente, existem duas divisões no CAS: divisão de arbitragem ordinária (para aqueles processos com início no CAS) e divisão de apelação em arbitragem (para recurso das decisões proferidas por alguma entidade esportiva, qualquer que seja a modalidade). Em geral, as decisões são tomadas por um painel composto por 3 (três) árbitros, um de escolha do autor, um de escolha do réu e o terceiro de escolha dos dois árbitros apresentados pelas partes. Contudo, nas causas de menor complexidade ou valor, se assim acordado entre as partes, poderá a decisão ser proferida por árbitro único.

E como nos grandes jogos, a exemplo das Olimpíadas e Olimpíadas de Inverno, surgem questões cruciais, que necessitam de respostas rápidas, são criadas divisões ad hoc específicas, porém vinculadas ao CAS, de forma que não tenham que submeter ao sistema jurídico local. Em 2000, por ocasião das olimpíadas de Sydney, Austrália, foi reconhecido, no julgamento do caso Raguz vs Sullivan que, mesmo todo o procedimento tendo se dado em tribunal ad hoc, ou seja, em solo australiano, como a sentença arbitral continuava vinculado à sede do CAS, tratava-se de uma decisão suíça.

Destaque-se que, como geralmente ocorre com decisões arbitrais, o procedimento de julgamento, mesmo submetido ao rito normal do CAS, é mais célere do que se a questão fosse submetida ao judiciário. Contudo, o que se visa nas decisões ad hoc é conferir ao atleta uma decisão ainda mais rápida, de modo que, caso lhe seja favorável, possa continuar participando das competições. Decisões de menor complexidade são geralmente tomadas pelas divisões ad hoc em até 24 horas, enquanto que casos mais complexos, como os de doping, que envolvem realização de exames laboratoriais e laudos de profissionais especializados, levam cerca de 4 a 5 dias.

É previsto ainda que, caso alguma decisão se afigure mais delicada, por exemplo, culminando com a suspensão do atleta, poderá ser cindida: em primeiro momento, toma-se uma decisão parcial, com validade apenas para os jogos, em rito e cognição “sumários”, e posteriormente a matéria pendente pode ser analisada conforme o procedimento normal do CAS. Isso porque como as decisões afetam, por vezes definitivamente, a carreira do atleta, precisam ser céleres, mas também cercadas pelo procedimento necessário para que sua justeza não fique comprometida em prol da velocidade. Por essa razão adotou-se como lema das divisões ad hoc: “fair, fast, free”. Em relação aos custos, visando à inclusão de todas as delegações e atletas, não há cobrança para os procedimentos submetidos aos tribunais ad hoc durante os Jogos, nem mesmo de honorários advocatícios, uma vez que os advogados atuam de forma pro bono. Em contrapartida, no procedimento normal do CAS, há cobrança de custas processuais, honorários dos árbitros e verbas de sucumbência.

Para cada edição desses eventos, são criadas regras ad hoc diferentes. Longe de ofender a segurança das decisões, as regras diferenciadas se traduzem em manifestação da evolução dos esportes e questões a eles relativas, se adaptando para  que possam surtir o efeito esperado. Isso porque a cada edição surgem novas drogas, novos equipamentos, formas de transmissão e diversas outras inovações. Da mesma forma que o Direito se adapta aos anseios e evoluções sociais, o regramento específico dos tribunais ad hoc não poderia se manter inerte, sendo necessária e bem-vinda a evolução.

E assim como prevê a lei brasileira, também no caso do CAS, para que haja julgamento arbitral é necessário um prévio acordo de arbitragem, através de cláusula compromissória ou compromisso arbitral, formalizando a renúncia à via judicial. As decisões tomadas pelo CAS podem ser executadas nos termos da Convenção de Nova Iorque, eis que se tratam de sentença arbitral estrangeira. Para tanto, a decisão deve ser homologada pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, conforme previsão do art. 105, I, “i” da CF e art. 35 da lei 9.307/96. Neste procedimento não se discute o mérito do julgamento, apenas verifica se está eivado por algum vício, como se foi celebrado por partes incapazes, se houve violação do contraditório e ampla defesa, dentre outras questões formais, elencadas no art. 38 da lei de arbitragem. É possível ainda a denegação da homologação quando a decisão ofender a ordem pública ou a soberania nacional. Uma vez homologada, importa-se a eficácia da decisão arbitral estrangeira para que possa surtir efeitos no território nacional.

Uma das grandes vantagens trazidas pela sentença arbitral é o grau de especialização da instituição. A especialização permite uma maior tecnicidade da decisão e tem sido uma tendência em todo o mundo. Extrapolando a área desportiva, onde além do CAS existem uma série de outros tribunais, a especialização é notória em outras áreas, a exemplo da aclamada Câmara de Comércio Internacional. Além disso, a sentença arbitral homenageia a autonomia da vontade, uma vez que a via arbitral só tem início após prévia escolha dos litigantes. Os próprios árbitros, em sua maioria, são escolhidos pelas partes. Trata-se de corolário da liberdade aplicado aos direitos disponíveis, gerando obrigações entre as partes por seu próprio desejo.

Por fim, entre suas vantagens, embora a arbitragem ainda tenha um custo relativamente elevado, são fixos e previsíveis, de forma que, aliado à celeridade, pode resultar em processo mais econômico que o sistema judicial, em especial pela desnecessidade de a parte estar assistida por advogado. No caso dos tribunais ad hoc do CAS o custo é praticamente inexistente.

Como os processos ligados ao universo desportivo, em geral, envolvem matérias milionárias, como contratos de patrocínio, a própria carreira do atleta profissional, e a dinâmica das competições, conclui-se que a arbitragem desportiva é opção vantajosa para atletas, clubes, federações, dentre outros envolvidos no meio. Em suma, a sentença goza de força executória, necessitando no caso do CAS apenas se submeter ao processo de homologação por ser se tratar de decisão estrangeira. É célere, proferida por árbitros de escolha das partes e com amplos conhecimentos sobre a matéria. Trata-se de importante ferramenta já largamente utilizada em todo o mundo e que deverá trazer transparência e segurança para as questões jurídicas decorrentes das Olimpíadas 2016.
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*Luiz Fernando do Vale de Almeida Guilherme é sócio fundador do escritório Almeida Guilherme Advogados Associados.

*Carolina Alves de Oliveira Rocha é do escritório Almeida Guilherme Advogados Associados.


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