Os predicados da autonomia, soberania e independência do Judiciário, verdadeiras cláusulas pétreas, parecem estar cada vez mais distantes da realidade brasileira.
Quando se alcança o coração da corrupção dos poderes econômico e político, uma inóspita avalanche se cria para criticar e menosprezar o papel da Justiça.
Barack Obama, se referindo às escutas e grampos no Brasil, disse ser este o único país do mundo no qual se caçam juízes e não bandidos, expressão essa autêntica e que deve despertar na sociedade civil o momento delicado entre os poderes.
É nítido que o Parlamento se cerca de projetos de leis para impedir ou reduzir a delação e dissipar as prisões provisórias e temporárias, ao passo que o Executivo se utiliza de indultos, de técnicas persuasórias para minar a investigação e ter sobre o seu controle a completa face da moeda da polícia e do próprio Ministério Público.
Sempre a Justiça do Brasil fora criticada, e até internacionalmente, por não conseguir dar conta do seu recado, são mais de cem milhões de processos, cuja tendência, com o novo CPC, não é de melhora, mas sim de um período de adaptação para que colhamos, mais à frente, os resultados.
No entanto, quando é menor a lentidão e maior é a eficiência e, diretamente proporcional, a efetividade, aqueles componentes dos poderes se sentem intranquilos e inseguros e começam a bradar contra a criminalização da política.
Emblemática e paradigmaticamente, não há se cogitar de qualquer criminalização, mas sim de extirpar da representatividade aqueles que não preenchem ao preceito da ficha limpa e se valem do foro privilegiado a fim de obter imunidade e, no mais das vezes, impunidade.
O rasgo com o sistema se opera por meio de condutas reformadoras e, ao mesmo tempo, transformadoras, bastando, para isso, constatar o grande retorno de dinheiro público surrupiado.
A grita geral e a briga entre os Poderes representam um grave retrocesso ao qual a sociedade assiste atônita, inclusive com ameaças e impropérios desferidos se as decisões não agradam ou atingem em cheio aos que integram as hostes dos poderes econômico e político.
Em relação aos grandes empresários que foram alvo das operações, presos e condenados, inconteste uma rebeldia e o dever da delação premiada como fórmula de se afastar do encarceramento e do regime fechado.
No tocante aos políticos, a coisa é bem mais séria, saíram da zona de conforto, do comodismo que sempre revelaram em razão dos cargos ocupados, deixando os holofotes das manchetes para as notícias policiais, a causar espanto e estarrecimento.
Simbolicamente, poucos, ou quase ninguém, estariam a salvo da captura, quando se ouvem as delações, as denúncias e os fortes indícios colhidos no Brasil e, acima de tudo, no exterior.
Uma força-tarefa fora montada fora do Brasil justamente para alimentar a fonte e proceder à varredura em torno dos desvios e dinheiro não comprovado depositado para a propina e pagamentos ilícitos.
Esse enfrentamento entre os Poderes não é saudável, salutar ou amadurece a democracia, mas serve como retrocesso e apequenamento, isso porque o Judiciário deixou o seu papel de pequenas causas e passou para o protagonismo da história.
Não acontece uma ditadura dentro da Justiça, mas sim um padrão de qualidade, de transparência e, fortemente, da responsabilidade de trazer ao conhecimento da sociedade civil o que há de mais inimaginável nas penumbras do poder governante.
E fiquem todos atentos e vivamente despertos para o malabarismo lançado especificamente contra a atividade desempenhada pela Justiça do Paraná, quando muitas vozes se levantam justamente para interromper o trabalho e praticar um extermínio daqueles preocupados na dinâmica de uma Justiça que nunca se efetivou no Brasil, não em desfavor de ricos e poderosos, mas sim em prol da higienização deletéria e sistêmica da corrupção e os bilhões que sangram no exterior desviados dos serviços públicos não prestados à população.
A nossa arrecadação tributária é uma das mais altas do planeta, em torno de metade ou um pouco mais do produto interno bruto, mas o retorno é singularmente o pior de todos, haja vista que o cidadão, desde um simples atendimento, até a questão básica de segurança, em tudo depende da iniciativa privada e despesas pessoais.
Atingimos um ponto sem volta na história do Judiciário, que pretendem seus inimigos o impeachment para o silêncio, calar a boca e não se repetir, com a força e vigor do peso da Lei, condenações contra poderosos e aqueles que tripudiam da sociedade mediante acordos e propinas que se eternizam hoje e sempre.
O brado de alerta está dado, pois o projeto de abortar o ganho patrimonial feito pela Justiça representa a mais desastrosa atividade que fere a separação entre os Poderes, desrespeita a autonomia, independência e poderá provocar a morte da democracia e solapamento das instituições do Brasil.
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*Carlos Henrique Abrão, desembargador do TJ/SP, doutor pela USP com especialização em Paris, professor pesquisador convidado da Universidade de Heidelberg, autor de obras e artigos.
**Ovídio Rocha Barros Sandoval, advogado do escritório Saulo Ramos Rocha Barros Sandoval Advogados, magistrado aposentado, autor de obras e artigos jurídicos, atualizador de obras clássicas do Direito brasileiro.