Em meio às adaptações dos juristas brasileiros às disposições do Código de Processo Civil, que entrou em vigor em março de 2016, é normal que rejeições e barreiras a novos institutos ou procedimentos sejam criadas.
Certo apego ou comodismo com aquilo que já nos é familiar é comum e tende a se esvair com o tempo, conforme as novidades deixam de parecer novidade e passam a se tornar parte do dia-a-dia, habituais.
Por isso, para que o novo Código de Processo Civil possa atingir seu objetivo "macro", como um sistema, é preciso estarmos abertos para aceitar e adotar essas alterações. Devemos pensar o novo com uma nova visão e, dentro do possível, praticar um desapego ao antigo sistema. Não dá para querer interpretar todas as situações com a mesma perspectiva que se tinha antes.
É nesse contexto que vejo com espanto e, até, incredulidade, alguns posicionamentos dos juristas sobre certos pontos do Código. Muitos deles no sentido de se evitar as novidades e manter o mesmo sistema até então vigente.
Apenas para nomear esses casos, vemos grande discussão sobre a determinação do Código acerca da fundamentação das decisões judiciais e sobre a amplitude do contraditório trazido pelo artigo 10. Até enunciados limitando essas questões importantíssimas foram aprovados pela Escola Nacional de Formação Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), antes mesmo da vigência do Código, já sinalizando certa repulsa ao sistema que havia sido recém-aprovado.
Outro ponto polêmico e que demonstra um grande risco de não aplicação da lei é sentido com relação à obrigatoriedade de realização de audiência de conciliação ou mediação no início do processo, antes da apresentação da contestação pelo réu. Vários já são os casos em que as audiências estão sendo dispensadas pelo juiz, apesar da imposição de sua realização trazida pelo Código. Grande é a possibilidade de "a lei não pegar" nesse ponto, frustrando legítimas expectativas da Comissão responsável pelo texto do novo Código.
Mas esses casos verificados, ainda que discutíveis, são contornáveis. O sistema é capaz de se resolver e se estabilizar, seja com a sua aplicação ou adaptação.
Não é o que se verifica, todavia, à discussão dos prazos processuais no âmbito dos Juizados Especiais. Sob a justificativa de incompatibilidade do novo sistema de contagem de prazos em dias úteis previsto no artigo 219, do NCPC, e o rito dos Juizados Especiais, o Fórum Nacional de Juizados Especiais (Fonaje) já se posicionou pela inaplicabilidade da contagem dos prazos em dias úteis no âmbito dos juizados especiais. Ainda não há unanimidade pelo país, mas tudo indica que a contagem dos prazos será realizada em dias corridos, a exemplo do que se verificava antes da vigência do novo diploma processual.
Esse posicionamento é endossado pela ministra Nancy Andrighi, corregedora nacional de Justiça, e a justificativa é que a Lei 9.099/95 possuiria um único prazo legal, para interposição do chamado recurso inominado. Os demais prazos seriam todos judiciais e não legais, razão pela qual a contagem em dias úteis não seria aplicável. Assim, a considerar que os prazos no âmbito dos juizados especiais são, em quase sua totalidade, fixados pelos juízes, a contagem dos prazos não se submeteria ao regime do referido artigo 219, do novo CPC.
O objetivo deste breve artigo não é criticar o posicionamento do FONAJE. Embora acredite que os prazos para prática de atos processuais não sejam os verdadeiros causadores da lentidão dos processos e dos problemas do Poder Judiciário, e não haja essa alegada “flagrante incompatibilidade com os critérios informadores da lei 9.099/95”, entendo tratar-se de mera opção por este ou aquele sistema.
Ocorre que o posicionamento do FONAJE é, no mínimo, perigoso. Se não se aplica o regime de contagem de prazos do CPC/15, qual seria o regime aplicável? Quer o FONAJE sinalizar que se deve aplicar o do CPC/73? Um sistema revogado?
Algum texto legal deve embasar o sistema de contagem de prazos. Quando se inicia e quando se encerra o prazo? É a lei quem deve dizer. E, salvo melhor juízo, a Lei 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais, não traz qualquer regime sobre contagem de prazos, sejam eles legais ou judiciais.
Na prática, a não aplicação do artigo 219, do CPC/15, resultaria em situações curiosas e que precisarão ser enfrentadas: os prazos poderiam vencer em dias sem expediente forense? Essa situação não quer parecer minimamente coerente. Quem define estas questões é a lei. E, se na lei especial não há previsão, a regra geral do CPC deve ser aplicável.
É possível contornar essa situação. Mas a prática forense certamente demonstrará a dificuldade de superar os problemas decorrentes dessa ausência legislativa sobre o regime dos prazos. Considerando que os prazos são quase todos judiciais, bastaria ao magistrado, na própria decisão proferida, fixar os parâmetros para o cumprimento do prazo que acabou de impor às partes. As decisões viriam acompanhadas de regras sobre o cumprimento de prazos? Seria esse modelo compatível com a alegada "simplicidade" dos Juizados Especiais? Esse seria o resultado da busca pela “compatibilidade com os critérios informadores da lei 9.099/95”?
Resta-nos aguardar o debate sobre o tema em reunião do Fonaje, a ser realizada entre os dias 06 e 08 de junho p.f. E apostar quantos enunciados serão necessários para regular o que deveria ser regulado por lei Federal.
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