Migalhas de Peso

Corta!

“And the Oscar goes to...” Definitivamente, apesar de todo o esforço de atuação midiática, o Oscar não irá para nossos parlamentares. Principalmente os da CPI dos Bingos, ainda mais dessintonizados com a realidade globalizada —incansável e incontavelmente reproduzida pela indústria de Hollywood. Parece que esses parlamentares nunca assistiram a um filme policial sequer, ou nunca perceberam o significado da célebre e obrigatória frase, repetida a cada prisão fictícia efetuada nas telas: “você tem o direito de ficar calado, pois tudo o que disser poderá ser usado contra você”.

27/4/2006


Corta!


Pedro Estevam Serrano*


And the Oscar goes to...


Definitivamente, apesar de todo o esforço de atuação midiática, o Oscar não irá para nossos parlamentares. Principalmente os da CPI dos Bingos, ainda mais dessintonizados com a realidade globalizada —incansável e incontavelmente reproduzida pela indústria de Hollywood. Parece que esses parlamentares nunca assistiram a um filme policial sequer, ou nunca perceberam o significado da célebre e obrigatória frase, repetida a cada prisão fictícia efetuada nas telas: “você tem o direito de ficar calado, pois tudo o que disser poderá ser usado contra você”.


No mundo real também é assim que acontece. Só não o sabem os parlamentares, conforme se observou recentemente nos episódios da suspensão, pelo Supremo Tribunal Federal, do depoimento do caseiro Francenildo dos Santos Costa e do habeas corpus, também concedido pelo STF, a Duda Mendonça. Amparado por tal decisão, o publicitário não respondeu às perguntas na CPI dos Bingos criada para investigar a indústria de jogos de azar no país. Duda Mendonça foi execrado pela opinião pública por ter exercido o direito de ficar calado e, assim, garantir que nada seria usado contra ele próprio.


É dever do Judiciário proteger os direitos individuais de quem está sendo acusado e chamado a depor em CPIs e procurar coibir atos ilegais e indevidos por parte do Legislativo e do Executivo. Isso é basilar <_st13a_personname productid="em um Estado Democrático" w:st="on">em um Estado Democrático de Direito.


Contudo, uma parcela de nossos parlamentares não tem esse entendimento e interpreta, equivocadamente, a atuação do STF. Valem-se, quem sabe interessados em renovar por mais quatro anos sua permanência no Congresso Nacional, de estratégias populistas e atacam decisões do órgão maior do Judiciário, jogando-o contra a opinião pública, com uma “mãozinha” de alguns setores da mídia. Confundem cumprimento das leis com prática política de seus ministros, deixando a cabeça de nós, eleitores, confusa.


Demonstram, dessa maneira, imaturidade, autoritarismo e (por que não?) ignorância. Colocando os pingos nos “is”, relevante é discorrer aqui o que já é sabido, espera-se, por eles: o Legislativo é um Poder constituído, submetido à Constituição; ao Judiciário, em especial o STF, cumpre interpretar e fazer valer essa mesma constituição, por intermédio do controle da constitucionalidade das leis a atos normativos e do controle de legitimidade de atos concretos. Em outras palavras, o Legislativo não interfere indevidamente no Judiciário quando realiza sua função precípua de produzir leis que condicionam a conduta jurisdicional, nem o Judiciário interfere indevidamente no Legislativo, quando aplica essas mesmas leis, mesmo que invalidando atos do próprio legislativo.


Tal confusão no entendimento dos princípios constitucionais faz crer a cada um de nós que os maiores expoentes de um dos três Poderes da República estão ignorando a Constituição e a legislação brasileira. Acima de tudo, desvirtuando o fulcro constitucional para o qual as CPIs foram constituídas: o de investigar fatos certos e determinados. Não à toa a CPI dos Bingos ficou conhecida como “CPI do fim do mundo”. Seus componentes deveriam dar o exemplo, trabalhando com um mínimo de seriedade e, simultaneamente, refreando práticas abusivas, a fim de evitar que investigações de CPI assemelhem-se a espetáculos circenses. Ou a uma performance cinematográfica.


Se hoje tal conscientização não envolveu todos no Legislativo, cabe, então, ao Judiciário o papel de coibir abusos de poder e reprimir fraudes e enganos, porventura, cometidos pelo Parlamento.


O caso da mansão de Brasília é um fato suspeito, logo, precisa ser investigado. Não há quem possa discordar dessa necessidade jurídica e democrática. Mas, caso os deputados queiram saber se o ex-ministro Antonio Palocci freqüentava o local nos tempos em que comandava a pasta de maior prestígio do governo federal, que criem uma CPI específica para isso. Do contrário, continuarão desrespeitando, seja a ordem constitucional, seja o Estado de Direito, e cometendo deslizes inconstitucionais, a olhos vistos.


Pela televisão, temos presenciado testemunhas sendo tratadas como réus e pressionadas até que elas próprias se incriminem. A prática desses abusos confirma o que sempre desconfiamos e ainda relutávamos em reconhecer: o significado do Estado de Direito, no Brasil, ainda não atingiu sua maturidade plena. E a classe política continua atrasada.


Bem que o diretor do filme, o próprio Parlamento, poderia dizer: cortem a CPI dos Bingos do script! O Parlamento não é uma Delegacia de Policia!
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*Advogado do escritório Tojal, Teixeira Ferreira, Serrano & Renault Advogados Associados, professor da PUC/SP e autor do livro “O Desvio de Poder na Função Legislativa”, editora FTD.









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