O imposto de renda nas aplicações em fundos de investimento e o regime tributário das perdas apuradas no resgate de quotas
Marcelo Rayes*
O mercado financeiro ainda não disponibilizou um controle capaz de compactar posições diárias e atualizadas pelas quais o investidor consegue tomar conhecimento da exata quantia que possui aplicado num determinado fundo de investimento. Entretanto, tal controle, a nosso ver, mostra-se necessário.
No mais das vezes, o investidor acaba realizando uma operação financeira numa segunda-feira, por exemplo, tendo como base a posição de saldo da sexta. Realiza a operação de compra (ou venda) de quotas conquanto o valor final aplicado (ou resgatado) só deverá ser efetivamente reconhecido no dia posterior. Decorre que, na maior parte dos casos, o extrato final da operação acaba não “batendo” com a operação lavrada, podendo gerar inclusive certo descontrole nas contas do investidor.
As Leis 11.033 e 11.053, ambas de 2004, alteraram as regras de tributação (imposto sobre a renda), dos rendimentos auferidos em qualquer aplicação ou operação financeira de renda fixa, variável ou em fundos de investimento. Através delas, ficou evidente, pelo menos nos fundos de longo prazo, a intenção de o Governo tributar o quanto menos em função do período de aplicação financeira. Quanto mais longo for esse menor será a alíquota incidente.
As alíquotas incidentes às aplicações financeiras de acordo com o período são determinadas conforme segue: até 180 dias a aplicação financeira sofrerá tributação na alíquota de 22,5 %; de 181 até 360 dias de permanência a alíquota será 20%; de 361 até 720 dias aplica-se 17,5% e, acima desse período incidirá a alíquota de 15%.
O tratamento conferido às perdas num determinado curso/período é matéria que ainda suscita debates. A lei tributária prevê a compensação das perdas somente quando houver o resgate de quotas de fundos de investimento quando ao final se apurar variação negativa entre a data da aquisição de cotas e o resgate a menor no período posterior. Nessa hipótese, a lei conferiu ao investidor a possibilidade de reaver essa perda – por meio de compensação – mas tão somente através de novos investimentos, e desde que sujeitos à mesma classificação, devendo a instituição administradora manter sistema de controle e registro em meio magnético que permita a identificação, em relação a cada quotista, dos valores compensáveis.
Interessante notar que a lei conferiu o direito à compensação das perdas quando, necessariamente, houver por parte do investidor um movimento de resgate de quotas no fundo investido. Fica claro, portanto, o reconhecimento da lei na hipótese como apta a gerar um direito subjetivo do investidor somente nessa hipótese. A dúvida que fica diz respeito à condição dessa alternativa, eis que, a nosso ver, não há somente perdas quando do resgate puro e simples da quota. A variação negativa também pode ocorrer ao final de um período sem que essa condição fique evidente no momento do resgate, ou seja, essa variação pode ocorrer independentemente do resgate.
Vejamos. Se num determinado mês o investidor aplicou R$ 100,00, tendo ao final do trintídio um saldo de R$ 90,00, não necessariamente ele poderá efetuar o resgate de suas quotas para ver satisfeito o direito a compensação da variação negativa obtida no seu investimento naquele período.
Entretanto, dentro da ótica da incidência do imposto isso é um completo absurdo. Ou a lei tributária (ou imposto a pagar) em questão incide e ai, nesse caso, apurou-se o ganho ou, havendo a variação negativa, não há o que se pagar a titulo de imposto sobre a renda. E não havendo a incidência, o crédito compensável deveria ser levado ao período seguinte – como sói ocorrer com os créditos tributários apurados normalmente. Determinar o direito a compensação da variação negativa de um determinado investimento através de um ato unilateral do investidor – o saque -- é aquinhoar o princípio da legalidade em matéria tributária.
Os fundos de investimento – bem como outros ativos financeiros colocados ao investidor – exercem sua política e controle de gerenciamento obedecendo a um período de trinta dias. Esse período é a regra do mercado, conquanto as quotas sejam adquiridas ou resgatadas diariamente a rentabilidade do fundo para fins de avaliação econômica será sempre mensal, tendo seu exercício financeiro encerrado em cada 12 (doze) meses, quando serão levantadas as demonstrações contábeis do fundo relativas ao período findo, observação constante do art. 81 da Instrução CVM 409/2004.
Já os chamados fundos “exclusivos” --- conforme definido no art. 112 da Instrução CVM 409 ---, fundo de investimento constituído para receber aplicações exclusivamente de um único cotista carrega a característica de conter somente um investidor nele qualificado.
Sendo cotista de fundos exclusivos, a diferença entre possuir um fundo exclusivo ou carteira administrada é eminentemente de natureza tributária. O cotista do fundo exclusivo realiza as mudanças de posição no mercado e evita a incidência dos impostos em razão da não contemplação em lei tratando da incidência do imposto sobre a renda especificamente nas pessoas descritas nos incisos I, II e III do art. 1091, da Instrução CVM 409/04 – o que não podemos afirmar em relação às pessoas descritas nos incisos IV, V e VI desse mesmo artigo.
O que pode ocorrer num fundo exclusivo com extremada vantagem sobre os fundos “abertos” – aqueles onde há pluralidade de cotistas -- é a condição legal que permite o “exclusivo” exercer a compensação das perdas em função de variação negativa num dado mês sem que tenha que efetuar o resgate.
Sabemos que as condições impostas pela lei impõem ao investidor de fundo “aberto” a possibilidade de reverter sua perda pela variação negativa somente se ele optar por nova aplicação financeira dentro de um fundo da mesma instituição; por isso, a determinação legal que obriga a instituição financeira manter sobre controle os indicativos da margem, das quotas resgatadas e das perdas pela variação, quando houver.
Se o investidor, por qualquer outra razão não retornar a investir em qualquer outro investimento da própria instituição ficará impossibilitado de reaver sua perda outrora incorrida pela simples razão de que a recuperação dessa só seria possível nas condições que a lei assim determinasse.
Muito ao contrário ocorre com as quotas do fundo “exclusivo”. Aqui, o investidor poderá compensar sua perda até dentro do próprio mês sem a necessidade de efetuar o resgate das suas cotas. Ora, se assim é por que os investidores, então, para se proteger dos riscos da variação negativa, não correm para os fundos exclusivos? A indagação aos profissionais do mercado financeiro encontra unanimidade: para montar e gerir um fundo exclusivo que possa compensar os custos da operação e, logo, fazer jus aos benefícios fiscais, o investidor teria que dispor de um valor mínimo em torno de cinco milhões de reais.
Nessa toada, observamos que a lei, em matéria de compensação de perdas tributárias, mostra-se excessivamente mais vantajosa a quem mais possui, ao contrário do pequeno e médio investidor.
Isso certamente é um ponto que, a par de outros tantos, denota um caráter eminentemente monopolista por parte do Fisco: o sistema legal de resgate e compensação do imposto em decorrência das perdas beneficia quem possui mais e prejudica quem menos possui! Num país como o Brasil, isso é apenas mais uma injustiça fiscal.
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1Art. 109 - Para efeito do disposto no artigo anterior, são considerados investidores qualificados: I- instituições financeiras; II- companhias seguradoras e sociedades de capitalização; III - entidades abertas e fechadas de previdência complementar. (...).
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*Advogado do escritório Rayes, Sevilha e Buranello Advogados
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