Pelo que eu me lembre, nunca dantes na minha vida, que já bateu na trave das sete décadas, o Brasil passou por uma crise econômica e política de tão grande magnitude, que tenha sido criada pelo próprio governo, no caso atual ao longo de três mandatos e pico. Perto do que acontece nos dias presentes, todo o barulho que se fez quando o Jânio renunciou em uma manobra desastrada foi um pequeno traque de festa junina. No mesmo patamar podemos contar a deposição de Jango, seguida do Movimento de 1964 (o nome certo depende da interpretação que cada um dá quanto àqueles acontecimentos: golpe, ditadura, revolução, libertação, e por aí vai). De um lado se dizia que os cubanos e russos já estavam desembarcando nos portos brasileiros e do outro que ninguém derrubava a Liga das Senhoras Católicas. O famoso AI-5 deu nascimento a um movimento contrário aos militares, nada que possa se comparar à guerra que se trava hoje na bandidagem das grandes metrópoles e se espraia para as pequenas aldeias, que passaram a conhecer de pe
rto o uso não legal da dinamite. O episódio da queda do Collor foi uma festa para os jovens de cara pintada, não tendo ele conseguido manter qualquer apoio significativo. Foi, mas voltou, amigo do antigo inimigo, que tem muitos amigos.
Mas agora a nau está completamente desgovernada, com pessoas estando ministros dia sim e não estando dia não. Com o dólar e a Bolsa subindo e descendo com velocidade supersônica em uma gangorra elétrica que não para nem de madrugada. Com propostas de impostos indecorosos e o desvio de finalidade de outros. Com uma multidão verde e amarela nas ruas que não pode ver a cara de políticos. Com outra multidão menor de vermelho cuja chegada em São Paulo, por exemplo, lotou o estacionamento do Estádio do Pacaembu de ônibus fretados. Com os jornais da televisão à noite mais eletrizantes e mais assistidos do que qualquer novela. Com desempregados em crescimento tão progressivo que já atingiu os piores recordes da economia pátria e quando se vê uma luz no fim do poço é um buraco negro esperando lá em baixo. Com a classe pobre que havia chegado a ser classe média (uma verdade meramente retórica, no fundo), cantando agora para a miséria “aqui estou de regresso”.
O quadro verdadeiro é muito pior, agravado pelo ataque conjunto de três gravíssimas doenças transmitidas por um mosquito cujo nome significa “odioso Egito”. Odioso ele é, um vetor insidioso importado de outras plagas e que encontra no lixo das nossas cidades um dos criadouros mais propícios de todo este planeta.
E o empresário, o que faz? Depende. A maior parte entrou em pane e está caindo com suas naves vertiginosa e verticalmente com o bico voltado para baixo. Estes são a maioria. Alguns, de outra parte, têm a sorte de encontrar-se na linha de produção de bens que são muito procurados em situações de crise. É só pensar nos laboratórios farmacêuticos que produzem remédios para dor-de-cabeça, depressão, ansiedade, gastrite, crise do pânico, pressão alta, beta bloqueadores, uma lista infindável. Outros estão vendendo para o mercado externo aquilo que aqui não tem procura, mas lá fora anda em alta.
Mas o resultado final é desastroso. O PIB despenca e milhares de brasileiros estão indo embora do Brasil na tentativa de encontrar melhor sorte. Tudo representa um completo desmonte que, uma vez resolvida a sua causa – esperemos com fé e que não demore – necessitará de anos para simplesmente voltar ao ponto em que se encontrava há quinze anos. O dinheiro do pré-sal foi um pesadelo de uma noite de verão.
No Direito Empresarial a situação é a mesma, mutatis mutandis. Algumas áreas de atuação jurídica estão quase completamente paralisadas porque não há clientela interessada, por exemplo, em investir e, portanto, no planejamento e na celebração de contratos. Os dois grandes gigantes da nossa economia, a construção civil e a indústria automobilística, passaram a andar de marcha-a-ré e toda a atividade jurídica simples ou complexa que as envolvem está guardada no freezer para não estragar.
Está dando risada quem trabalha com falência e recuperação de empresas e com a criminalidade do colarinho branco. O contencioso de cobrança é um jogo, pois no mais das vezes o devedor não tem recursos ou bens para dar em pagamento e as garantias igualmente se esvaziaram. As arbitragens vão de vento em popa no seu crescimento, mas muitas delas são interrompidas precocemente porque uma das partes quebrou e a outra, em certos casos, usa da oportunidade para deixar o processo morrer. Um fator positivo é que acordos estão se multiplicando, já que, no frigir dos ovos, é melhor uma solução ruim do que a melhor das brigas.
A inadimplência dos devedores bancários está aumentando progressivamente, encontrando-se aquelas instituições na condição de necessitarem aumentar as suas provisões, enquanto o Banco Central fica de olho nas operações interbancárias e em suas contas de Reservas Bancárias. Os seus departamentos jurídicos de cobrança andam muito mais amigos, ultimamente. Daí o crédito escasseia cada vez mais e os juros batem na lua. E não adianta ao Governo tentar mudar o quadro com promessas, pois a Casa da Moeda pode imprimir cédulas representativas de dinheiro, mas ela verdadeiramente não o cria.
Em todo este cenário, até mesmo divórcios são adiados porque o peso do processo e da divisão dos bens representará um custo insuportável. É uma estranha forma de preservação de casamentos.
No plano jurídico, muitos grandes escritórios necessitam equilibrar os resultados positivos das áreas boas com os negativos das áreas ruins, de maneira a conseguirem sobreviver a este temporal, tarefa inalcançável se a tormenta não tiver um fim dentro de um prazo razoável. Os pequenos escritórios e os poucos advogados que atuam como profissionais liberais independentes são os que mais sentem o peso da crise e, se não tiverem reservas, mesmo enxugando o que poderem do seu estabelecimento, não terão vida média pela frente, muito menos longa.
Assim, o Direito Comercial está em parafuso e não consegue ser útil para ajudar a prender a bucha na parede da economia, ficando a girar em falso num ciclo vicioso.
O pior de tudo é que o exame dos cenários possíveis é desolador. Mesmo caindo o atual governo (e muitos dizem que o rigor cadavérico já se declarou), não se vê como qualquer dos possíveis sucessores possa aglutinar junto a si forças políticas estáveis e positivamente voltadas para as mudanças imprescindíveis. Para piorar o quadro, estamos em ano de eleições para as prefeituras e a Grande Eleição já foi deflagrada. E isto, na história do Brasil, significa indubitavelmente divisão e não soma. Na verdade, trata-se do jogo do “rouba cartas”.
Os analistas otimistas dizem que haverá grande redução da atividade econômica e miséria em grande escala até que enfim cheguem dias melhores, muito distantes. Os pessimistas dizem que a miséria não dará para todo o mundo.
Se não for possível conseguir a construção de uma ponte, de um lado, entre os milhões de brasileiros que passaram a odiar a política e os políticos; e, do outro, alguns destes que se salvem do naufrágio da negação geral e possam alcançar certo grau de confiabilidade, é certo que o melhor é cada um pegar logo a sua parte de miséria e se mudar para longe.
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