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Aspectos éticos e legais do conflito de interesses na empresa

Inicialmente a expressão conflito de interesses foi conceituada como a situação na qual um profissional integrante de uma organização empresarial, qualquer que fosse o seu cargo, tinha interesses contrários ao da empresa em uma decisão que devesse ser por ele tomada, ou da qual devesse participar ou a qual poderia influenciar.

24/4/2006


Aspectos éticos e legais do conflito de interesses na empresa


Joaquim Manhães Moreira*


1. Conceito


Inicialmente a expressão conflito de interesses foi conceituada como a situação na qual um profissional integrante de uma organização empresarial, qualquer que fosse o seu cargo, tinha interesses contrários ao da empresa em uma decisão que devesse ser por ele tomada, ou da qual devesse participar ou a qual poderia influenciar.


A oposição dos interesses pessoais do profissional e os da empresa compunha a essência do instituto.


Posteriormente passou-se a reconhecer que poderia ocorrer conflito também nas situações nas quais ambos os interesses – pessoais e empresariais – fossem beneficiados. Nessa hipótese há conflito quando o interesse pessoal que é beneficiado com a decisão não é de natureza profissional.


Qualquer pessoa integrante de uma organização empresarial que toma uma decisão boa para os negócios é beneficiado profissionalmente pela avaliação positiva que será feita do seu trabalho. Dessa atitude renderão retribuições materiais e imateriais. O interesse pessoal profissional será beneficiado corretamente. Não há conflito.


Para que se caracterize o conflito é necessário que o benefício ocorra em relação aos interesses extraprofissionais. Por exemplo, uma pessoa que decida em nome da empresa a aquisição de um imóvel e que dentre as ofertas equivalentes recebidas escolhe uma feita pelo seu pai, incorre em conflito de interesses. Da mesma forma incorre em conflito a pessoa que entre dois candidatos a emprego, com qualificações equivalentes, escolhe um membro da sua família. Ficará agravado o conflito se a qualificação do outro candidato for melhor que a do membro da família.


Em qualquer caso verifica-se o conflito quando o agente, autor ou partícipe de uma decisão, tem um interesse pessoal extraprofissional que pode levá-lo a não agir no melhor interesse da empresa.


São os seguintes os elementos integrantes do conceito atual do conflito de interesses na empresa:

(a) o agente é o primeiro elemento, e deve ser alguém, administrador ou não, com poderes formais ou informais para tomar uma decisão em nome da organização, ou para participar de uma decisão ou para influenciá-la;


(b) o interesse pessoal extraprofissional do agente é o segundo elemento. Esse interesse pode variar de acordo com o tipo de relacionamento da empresa a que se referir à decisão. Pode consistir desde a propriedade de um bem, a titularidade de uma participação societária, até laços de família, de amizade ou um relacionamento afetivo. O interesse tanto pode ser patrimonial como extrapatrimonial, conforme possa ou não se expressar em valoração monetária. Pode também ser direto ou indireto, quando beneficie o próprio agente ou outra pessoa que ele assim deseje.


(c) O terceiro elemento é o nexo de causalidade entre o agente e o efeito do ato, que é exatamente a tomada de decisão pelo agente ou sua participação ou influência nela.


(d) O quarto elemento é o efeito, que deverá ser um dentre os seguintes:

  • prejuízo, perda ou um benefício menor que o possível para a empresa, com um ganho ou benefício para o interesse extraprofissional do agente;
  • ganho ou benefício para a empresa, com um ganho ou benefício para o interesse extraprofissional do agente, quando a organização tiver outras opções que não levem a tal resultado;
  • ganho ou benefício para a empresa, com uma perda, prejuízo ou benefício menor que o possível para o interesse extraprofissional do agente.

Distingue-se o conflito de interesses potencial do conflito de interesses real. Ele é potencial quando o agente possui a qualificação acima, possui também um interesse extraprofissional que pode ser beneficiado ou prejudicado, porém não tomou e nem participou ainda de nenhuma decisão que concretizasse o conflito. Mas poderá vir a participar no futuro.


O conflito de interesses real ocorre quando o agente efetivamente tomou ou toma, ou participou ou participa das decisões ou influenciou-as ou influencia.


2. Fundamentos éticos para o combate ao conflito de interesses


A ética empresarial requer a observância pelas pessoas dos valores da honestidade, verdade e justiça em todos os seus relacionamentos mantidos em nome da organização e em todas as atividades nas quais atuem em nome da empresa. O dever de observar esses valores aplica-se também à atividade decisória.


A honestidade impõe que a pessoa não lese a outrem, indevidamente. Ao incorrer no conflito de interesses e deixar de decidir no melhor interesse da empresa o agente não agirá com ética.


A verdade é o valor que requer a revelação integral e sem distorções dos fatos. Ao contemplar seu interesse extraprofissional e apresentar a decisão como a melhor para a empresa o agente faltará com a verdade.


O valor justiça consiste na determinação permanente de se atribuir a cada um o que lhe é devido. O benefício ao interesse pessoal extraprofissional e a não geração do melhor benefício para a empresa contraria essa determinação.


Do ponto de vista ético o profissional deve:

(a) não incorrer em conflito de interesses;


(b) identificar continuamente a existência de um conflito de interesses potencial;


(c) revelar à empresa a existência desse conflito potencial e trabalhar em conjunto com a organização para eliminá-lo.

Essas obrigações aplicam-se aos profissionais de todos os níveis hierárquicos e de todas as funções. Aplicam-se até mesmo aos sócios de sociedades, tanto nas suas atividades de administradores como nos relacionamentos societários.


3. Fundamentos legais para o combate ao conflito de interesses


A lei das sociedades anônimas proíbe o conflito de interesses dos acionistas em relação à sociedade, dos administradores, e por conseqüência de tantos quantos trabalhem na organização sob sua liderança, e até do agente fiduciário do debenturista.


O acionista, seja majoritário seja minoritário, deve1 exercer o seu voto no melhor interesse da sociedade, ficando proibido de usá-lo para obter vantagem indevida. O acionista não pode votar em nenhuma situação na qual possa ser particularmente beneficiado, ou na qual tenha interesse conflitante com o da sociedade.


Se ele exercer o voto em violação aos princípios acima, tal voto pode ser anulado e seu autor responderá pelos danos causados, além de ser obrigado a transferir à sociedade o benefício que tenha auferido2.


Os administradores, sejam eles membros do Conselho de Administração, sejam diretores, também são proibidos de incorrer em conflitos de interesses.3 Eles não podem participar das deliberações em que tiverem interesses conflitantes com a companhia.


Ainda que a deliberação seja tomada por outros administradores, um administrador só pode contratar com a sociedade em condições eqüitativas, ou seja, nas mesmas condições que esta contrataria com terceiros.4 O negócio contratado sem observância dessas regras é anulável e gerará para o administrador beneficiado o dever de transferir para a sociedade as vantagens que tenha auferido.


Percebe-se que a lei das sociedades anônimas expressa em seus artigos a primeira idéia ética do conflito de interesses, ou seja, a da existência de interesses opostos entre o acionista ou o administrador e a sociedade. Todavia, como se demonstrou, essa oposição pode não ser direta e nem estar presente em todas as situações de conflito.


A lei das sociedades anônimas ainda estabelece como requisito para a eleição ao cargo de agente fiduciária dos debenturistas, a circunstância da pessoa não se colocar em conflito de interesses pelo exercício da função.


Com o novo Código Civil a proibição legal ao conflito de interesses estendeu-se a todos os demais tipos societários.5 O código estabelece que o sócio responde por perdas e danos se participar de alguma deliberação na qual tenha interesse contrário ao da sociedade, e que seja aprovada graças ao seu voto. Nas mesmas circunstâncias há a vedação para a participação de um administrador nas deliberações.


Em resumo, do ponto de vista legal não podem os sócios e acionistas, assim como os administradores e seus liderados, incorrerem em conflitos de interesses.


É importante ter em mente, também, que as disposições legais aqui apontadas devem ser cumpridas por todos os que integrem uma organização empresarial mesmo que não se qualifiquem como administradores, na forma da lei. Isso porque esses profissionais atuam sob mandato formal ou informal dos administradores.


As proibições legais aos conflitos de interesses aplicam-se a todos os relacionamentos mantidos em nome da empresa, internos e externos.


4.Principais conflitos de interesses nas empresas


Analisamos a seguir algumas situações atuais de conflitos de interesses, a maioria deles sutis.

4.1 Nas relações entre sócios ou acionistas


Ocorre conflito quando um deles deseja tomar uma decisão ou influenciá-la para o seu próprio interesse e não da sociedade. O fato é mais facilmente identificável quando o sócio ou acionista é uma pessoa natural.


Mas há, atualmente, um número cada vez maior de sociedades que são sócias ou acionistas de outras, que lhe são coligadas ou controladas, ou que recebem seus investimentos em outra condição. Concentraremos a atenção nos relacionamentos entre sociedade investidora e sua coligada ou controlada.


A investidora geralmente nomeia os executivos dos seus quadros, até mesmo diretores, para representá-la nas assembléias gerais ou nos conselhos de administração das coligadas ou controladas.


Esses executivos assim nomeados possuem responsabilidades, metas e avaliações nas companhias investidoras. Em uma situação como essa há o potencial para dois tipos de conflitos de interesses: (a) na atuação como representante do acionista, se houver interesse conflitante na tomada da decisão da controlada ou coligada com a sociedade investidora; ou, (b) na atuação como membro do conselho de administração, na mesma circunstância de conflito entre os interesses das sociedades.


Observe-se que na atuação como membro do conselho de administração ao proteger o interesse da investidora o executivo estará incorrendo em conflito pessoal, porque sua atuação naquela sociedade é extraprofissional em relação à coligada ou controlada. E sua responsabilidade é pessoal nesse órgão.


Para que não haja conflito de interesses efetivo é preciso que esses executivos, ao atuarem como representantes das empresas acionistas ou como conselheiros, tenham em mente que devem exercer os seus votos no melhor interesse da sociedade coligada ou controlada. O desrespeito a essa premissa poderá levar às sanções já expostas no capítulo anterior deste artigo, inclusive com a responsabilidade pessoal dos executivos.


A melhor maneira de eliminar o conflito potencial nesses casos é a empresa contratar profissionais independentes para representá-la como acionista ou para integrar os conselhos de administração das coligadas ou controladas.


4.2 Nas relações com empregados da empresa


O conflito mais comum é o do administrador que toma uma decisão de trabalho em relação a membro de sua família, seja para contratar, promover, treinar, receber aumentos e vantagens ou qualquer outra.


A lei não especifica um grau de parentesco até o qual as pessoas são consideradas da mesma família para fins de conflitos de interesses. Cabe, portanto, aos códigos de conduta estabelecer esse critério. É razoável que estabeleçam até o terceiro grau. E que disponham que tais relacionamentos familiares podem ter origem biológica ou não, serem ou não formalizados legalmente.


Além do conflito em relação a pessoas da família, há também em relação aos cônjuges ou companheiros ou com outra pessoa com a qual o profissional mantenha vínculo afetivo.


A forma mais sutil de conflito de interesses nos relacionamentos da espécie tratada ocorre em relação ao “grupo de amigos”. Está cada vez mais comum o executivo que troca de organização aos poucos convidar para integrar a nova as pessoas que com ele trabalharam na anterior.


Não haverá conflito se a decisão de contratar ou sua influência obedecer apenas a critérios profissionais. Haverá conflito se o requisito principal para a contratação, promoção ou aumento de remuneração for o de integrar o grupo.


A maneira de afastar o conflito de interesses potencial nessas hipóteses consiste em não permitir que membros da mesma família ou pessoas com vínculos afetivos ou de amizade possam ser contratados, promovidos ou remunerados pelo agente e nem trabalhem sob a supervisão direta.


Já para o conflito de interesses efetivo a única solução é a tomada de providências que importem em anular o ato, como, por exemplo, a demissão de quem foi beneficiado indevidamente e do agente.


4.3 Nas relações com fornecedores de bens


As relações com fornecedores de um modo geral são as mais vulneráveis aos conflitos de interesses. Alguns estudiosos afirmam que o instituto surgiu dessa relação. O mais notório de todos os conflitos é aquele no qual quem decide a compra ganha um valor ou outra vantagem pecuniária do fornecedor.


Ao longo dos anos o pagamento ou vantagem foi disfarçado sob as mais diversas formas: eventos, viagens, almoços e jantares, cursos de treinamento e tantos outros.


A mais sutil das formas é a da participação acionária do executivo no fornecedor, comprada em bolsa de valores. Um executivo que tem ações de um fornecedor quer que esses títulos gerem dividendos e se valorizem. Esses efeitos podem ocorrer com a continuidade dos negócios do fornecedor com a empresa na qual trabalha o agente.


Mas pode, também, advir de uma grande contratação única do fornecedor com a empresa do agente, que passaria ao mercado uma expectativa de lucros futuros, capaz de fazer o preço das ações subirem.


Outra forma sutil de conflito de interesses é a de obter de um fornecedor uma contribuição pecuniária para alguma instituição filantrópica, cultural ou social da qual o agente seja dirigente ou pretenda um dia dirigir.


Para afastar o conflito de interesses potencial é preciso exigir dos executivos que se abstenham de tomar decisões ou participar de decisões em relação a fornecedores de cujos capitais possuam ações. Isso pode ser feito em uma base caso a caso, sem que o executivo seja instado a mostrar à empresa todos os seus investimentos. Bastará indagar de todos a cada contratação se têm ações daquele determinado fornecedor.


Para afastar o conflito de interesse real será necessário rescindir o contrato com o fornecedor ou cancelar a ordem de compra. A base jurídica para tal rescisão ou cancelamento serão os artigos 139 (erro) e 145 (dolo) do Código Civil.


4.4 Nas relações com fornecedores de serviços


As primeiras possibilidades de conflitos são as mesmas listadas para os relacionamentos dos agentes com os empregados da empresa. Naturalmente o prestador selecionado pode ser membro da família, ou pessoa com a qual o agente mantem laços de amizade íntima ou de relacionamento afetivo. Além disso pode haver prestadores de serviços que partilhem seus ganhos com o agente.


O conflito existe também quando o critério de escolha do prestador é uma indicação das pessoas acima mencionadas. Ou a indicação parte de alguém no exercício do poder estatal, ou até mesmo em uma organização cliente.


A prestação de serviços comporta muitas avaliações de desempenho subjetivas, facilitando a vida do agente que queira manipulá-la.


Para afastar o conflito potencial é preciso estabelecer regras claras proibindo a contratação de parentes, profissionais com vínculo afetivo com que contrata ou que goze da sua amizade íntima. Além disso é preciso estabelecer critérios objetivos de avaliação dos prestadores de serviços.


Para tratar o conflito efetivo a solução é a mesma exposta para os fornecedores de bens.


4.5 Nas relações com clientes


Pode existir conflito se o cliente por algum modo premiar o agente por uma decisão a ele favorável. Pode existir também se naquela organização trabalhar alguma “pessoa ligada” ao agente, e este, para auxiliar no sucesso profissional daquela, resolver abrir mão de direitos ou reduzir a receita da organização que representa.


A maneira de evitar o conflito potencial e efetivo é o de não permitir concessões que não sejam feitas também a outros clientes em igualdade de condições.


4.6 Nas relações com o governo


Não há forma sutil de conflito de interesses no relacionamento com o governo. Todas elas são velhas conhecidas. O agente decide o local de um investimento para gerar dividendos eleitorais a um político amigo. Ou define a sede da empresa, onde recolherá tributos municipais para beneficiar uma prefeitura administrada por um amigo.


A maneira de evitar esse tipo de conflito é exigir a fundamentação econômica para todas as decisões.

5. Conclusões


O conflito de interesse é contrário à ética empresarial. Não é ético.


É também proibido por lei.


As empresas devem conscientizar seus executivos sobre os conceitos gerais dos institutos e aplicar recursos para eliminar tais conflitos potenciais ou efetivos, sempre que detectados.
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1Artigo 115 da Lei 6404/76

2Art.115, § 4º da Lei 6404/76

3Art. 156 da Lei 6404/76

4Art.156, § 1º da Lei 6404/76

5Arts. 1010,§ 3º e 1017, § para sociedades simples e 1053 para limitadas.

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* Advogado do escritório Manhães Moreira Advogados Associados









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