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Improcedência liminar do pedido no CPC/15

Art. 332 congrega dois diferentes grupos de hipóteses. Ambos têm em comum a circunstância de que é absolutamente desnecessária a produção de qualquer prova para um julgamento contrário ao autor.

3/3/2016

1. Introdução

O art. 332 (CPC/2015) disciplina as hipóteses excepcionais em que, constatando-se de antemão não haver necessidade de fase instrutória, o magistrado está autorizado a proferir sentença de improcedência, liminarmente (i.e., antes da citação do réu).

O dispositivo congrega dois diferentes grupos de hipóteses. Por um lado, preveem-se casos em que o cerne da disputa reside unicamente em uma questão jurídica que já foi resolvida, em julgamento precedente ao qual o ordenamento confere especial valor, contrariamente à pretensão do autor (art. 332, I a IV). Por outro lado, admite-se a rejeição da demanda em seu mérito quando for possível, de plano, constatar-se haver prescrição ou decadência (art. 332, § 1º).

Os dois grupos têm em comum a circunstância de que é absolutamente desnecessária a produção de qualquer prova para um julgamento contrário ao autor.

Se houver questões fáticas que dependam de elucidação – seja para definir se o caso é mesmo enquadrável na hipótese já enfrentada pelos precedentes, seja para aferir o termo inicial ou o efetivo curso do prazo prescricional ou decadencial – não é aplicável a técnica da improcedência liminar do pedido.

O outro elemento fundamental comum aos dois grupos é a possibilidade de julgamento liminar apenas contra o próprio autor, que já integra e participa da relação processual. Uma decisão definitiva contra o réu, nesse momento, seria ofensiva às garantias do contraditório e da ampla defesa.

2. Improcedência liminar fundada em precedente

Assim, por um lado, cabe o julgamento liminar de improcedência quando a tese em que se funda a pretensão do autor já tiver sido rejeitada:

(I) em enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça. A regra aplica-se tanto aos casos de súmula vinculante do STF, quanto aos de súmulas comuns dessa mesma corte e do STJ;

(II) em acórdão proferido pelo STF ou pelo STJ em julgamento de recursos repetitivos. O julgamento pelo STF ou STJ de uma tese que está reiterada em uma grande quantidade de recursos extraordinários ou especiais (“julgamento por amostragem”) origina uma “decisão-quadro” que deve ser aplicada não apenas a todos os recursos pendentes de julgamento que versem sobre a mesma questão jurídica, como também a todas as demais ações em que ela igualmente se ponha. A regra do art. 332, II, dá um passo além, ao determinar a aplicação liminar, em outros processos, da tese afirmada na decisão-quadro;

(III) em pronunciamento emitido em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência. Valem aqui as mesmas considerações feitas para a hipótese anterior. A decisão proferida nesses incidentes tem força vinculante em sentido estrito – e o art. 332 III, prevê que, não havendo necessidade de provas, ela seja aplicada de plano a outros processos;

(IV) em enunciado de súmula de tribunal de justiça estadual ou do Distrito Federal sobre direito local. Essa regra é espelho daquela prevista no inc. I do art. 332. A mesma força que a súmula dos tribunais superiores tem relativamente a questões de direito federal constitucional e infraconstitucional a súmula do tribunal de justiça tem para as questões de direito local.

Nem todos esses precedentes têm força vinculante em sentido estrito – de modo a caber reclamação se eles não forem observados no caso concreto. Falta tal eficácia às súmulas não vinculantes do STF e a todas as súmulas do STJ e dos tribunais locais. O art. 332 não constitui uma regra concernente à vinculação em sentido estrito. Trata-se, em vez disso, de uma norma sobre “vinculação média”, i.e, uma regra de simplificação procedimental fundada na existência do precedente (quanto aos diferentes graus de força vinculante, v. EDUARDO TALAMINI, “Objetivação do controle incidental de constitucionalidade e força vinculante (ou ‘devagar com o andor que o santo é de barro’)”. disponível em www.academia.edu). Confere-se tal poder ao juiz a fim de impedir que inúmeros processos sobre casos análogos seguissem inutilmente todo o longo itinerário procedimental, para só muito depois chegar a um resultado desde o início já previsto, com total segurança. Prestigiam-se os princípios da economia processual e da duração razoável do processo.

Mas isso significa que a não aplicação do art. 332 pelo juiz, em hipótese em que ele poderia ser aplicado, não implicará o cabimento de reclamação para o tribunal que proferiu o precedente. O juiz estará apenas deixando de seguir esse caminho mais simplificado (eventualmente, porque tem dúvidas quanto a seus pressupostos), mas não estará decidindo contra os precedentes. A reclamação apenas caberá se depois vier a ser proferida sentença adotando a tese contrária a algum daqueles precedentes, entre os arrolados no art. 332, que efetivamente se revestem de eficácia vinculante em sentido estrito, quais sejam: as súmulas vinculantes, previstas no inc. I, e todos os pronunciamentos previstos nos inc. II e III (e, no caso de inobservância das decisões-quadro tomadas em recursos especiais e extraordinários e repetitivos, só depois de esgotadas as vias ordinárias de impugnação, cf. art. 988, § 5º, II, na redação dada pela Lei 13.256/16).

Em todos os casos, é imprescindível que a solução adotada no precedente oponha-se de modo frontal e inequívoco à tese veiculada na ação. Há de se tratar da mesma questão jurídica, para a qual o autor sustenta uma solução, que daria procedência à sua pretensão, e precedente adota outra absolutamente divergente. Quando houver essa direta contraposição, o julgamento liminar de improcedência é aplicável. Além disso, não será necessária a abertura de oportunidade de contraditório ao autor, pois não se estará trazendo para o processo uma questão nova, um fato novo, ou uma qualificação jurídica diversa daquela já posta nos autos. Haverá a simples e direta negativa da tese sustentada pelo autor.

Já se questão solucionada no precedente tiver apenas uma repercussão argumentativa, reflexa, sobre a tese sustentada pelo autor, se houver a necessidade de analogias ou de interpretação ampliativa – enfim, se questão resolvida no precedente constitui um importante subsídio, mas não a desautorização frontal e imediata da tese do autor –, não é possível o direto julgamento de improcedência liminar. Isso não significa que a orientação adotada no precedente, nesse caso, não possa constituir importante elemento contra a procedência da pretensão do autor e até mesmo sirva de fundamento principal para a sua rejeição. Mas já não será o caso de julgamento liminar de improcedência. Haverá inclusive a necessidade de se propiciar o contraditório ao autor, para que ele possa discutir a existência e intensidade da repercussão do precedente sobre a solução da questão posta no caso concreto (CF, art. 5º, LV; CPC, arts. 9º e 10).

3. Reconhecimento liminar de prescrição ou decadência

O julgamento liminar de improcedência do pedido pode também fundar-se na direta constatação da ocorrência de decadência ou prescrição (art. 332, § 1º). A prescrição consiste na extinção da pretensão de direito material por falta de seu exercício no prazo legalmente fixado. A decadência extingue, pelo mesmo motivo, o próprio direito material. Assim, trata-se de fatos que impedem ou extinguem o direito do autor – ensejando sentença de mérito (art. 487, II).

O julgamento prima facie do mérito nesses casos é permitido também em homenagem aos princípios da celeridade e economia processuais. Normalmente, a averiguação do decurso do prazo prescricional ou decadencial não demanda maior pesquisa fática, bastando simples verificação do tempo de inércia do titular do direito, decorrido até que se operasse a causa extintiva.

O § 1º do art. 332 apenas autoriza o direto julgamento de rejeição do pedido fundada na prescrição ou decadência, sem propiciar-se contraditório ao autor, somente antes da citação do réu. Se o juiz constatar possível prescrição ou decadência em momento posterior à citação, deverá abrir vista às partes, antes de pronunciar-se sobre o tema (art. 487, par. ún., que não faz mais do que especificar a regra do art. 10). Nesse momento, se desejar, o réu poderá exercer sua renúncia à prescrição – hipótese em que o juiz estará impedido de decretá-la (art. 191 do C. Civ.). Ainda, quando não houver a renúncia, tal prévia concessão de vista às partes permitirá também que o próprio autor, se for o caso, aduza razões que convençam o juiz de que, ao contrário de sua impressão inicial, não houve ainda decurso do prazo de prescrição.

Quanto à renúncia à prescrição, veja-se ainda o n. 8, abaixo.

4. Improcedência liminar e devido processo legal

Quando, depois da fase postulatória, o juiz resolve a causa sem precisar da produção de provas, tem-se o “julgamento antecipado do mérito” (arts. 355 e 356 – tema que será objeto de outro texto, nesta série). Assim, não há exagero em dizer que, na improcedência liminar, tem-se um julgamento antecipadíssimo do mérito. Mas tanto nessa como naquela hipótese, a expressão é enganosa: não se está fazendo nada antes da hora; não há razões para se aguardar, diante da plena possibilidade de se resolver a lide.

Mas a doutrina já lançou dúvidas sobre a constitucionalidade desse mecanismo. Cogitou-se de violação ao devido processo, tanto em relação ao contraditório e à ampla defesa quanto no que concerne ao acesso à justiça.

A circunstância de a decisão ser proferida antes da citação do réu, em si, não é violadora do contraditório e da ampla defesa, pois tal julgamento só é admissível na medida em que seja inteiramente favorável ao próprio réu.

Por outro lado, houve quem aventasse de violação à garantia da ação, nela compreendido o direito do autor de influir sobre o convencimento do juiz. Em defesa da improcedência liminar responde-se apontando que o autor, que já teve a oportunidade de convencer o juiz com a inicial, terá ainda o direito de apelar – e de até obter rapidamente a retratação do juiz, se tiver havido equívoco na decisão (art. 332, § 3º).

Talvez o problema mais delicado que se ponha, quanto ao respeito das garantias, refira-se mesmo ao réu. O problema não está no julgamento de improcedência em si, mas no risco de, havendo recurso do autor, o resultado inverter-se totalmente em segundo grau, com um julgamento de total procedência. O réu, como se vê a seguir, é citado para participar desse procedimento recursal. Porém esse “salto” do primeiro grau de jurisdição para o réu (que ingressa já na fase de apelação perante o tribunal) acaba por lhe subtrair algumas faculdades que poderia exercer em primeiro grau, ao ser citado, tais como reconvir, provocar determinadas modalidades de intervenção de terceiros (chamamento ao processo, denunciação de lide) etc. A supressão dessas faculdades pode até justificar-se, considerando-se os demais valores jurídicos envolvidos. Mas há um ponto que não pode ser flexibilizado: na citação, o mandado precisará deixar claro ao réu que não lhe cabe apenas contrarrazoar o recurso, mas, mais do que isso, apresentar o integral conteúdo de sua contestação. Retoma-se o tema abaixo.

5. Natureza da decisão e recurso cabível

O pronunciamento de rejeição liminar do pedido é sentença (art. 203, § 1º), passível, portanto, de apelação (arts. 332, §§ 2º e 3º, e 1.009).

Como resolve o mérito da causa (art. 487), tal sentença faz coisa julgada material (art. 502).

6. Juízo de retratação

Tal como na apelação contra a sentença de indeferimento da inicial, o recurso contra a sentença de improcedência liminar também comporta juízo de retratação do juiz, em cinco dias (art. 332, § 3º). Havendo retratação, o processo será retomado, com a determinação de citação do réu para contestar – e terá curso o procedimento comum em primeiro grau de jurisdição.

7. Citação do réu para acompanhamento da apelação

Se o magistrado não se retratar, antes de encaminhar os autos ao tribunal ele deverá determinar a citação do réu para responder ao recurso (art. 332, § 4º).

As contrarrazões do réu terão conteúdo análogo ao de uma contestação, tendo em vista que será sua primeira manifestação no processo. Mas buscará reforçar a argumentação do magistrado, em defesa da sentença prolatada. Ventilados, pelo réu, defesa preliminar ou fato novo, faz-se necessário assegurar o contraditório e proceder à intimação do autor para que se manifeste sobre o alegado.

Sendo o caso de reforma da sentença, estando o processo em condições de julgamento (i.e., não havendo necessidade de produção de provas), o tribunal poderá desde logo examinar o mérito e julgar procedente a demanda – inclusive quando em primeiro grau se havia afirmado a prescrição ou decadência (art. 1.013, § 4º).

É esse ponto que exige especial atenção para que não se sacrifique o direito de defesa do réu. Impõe-se reconhecer que as contrarrazões, na apelação contra a rejeição liminar do pedido, veiculam mais do que resposta recursal. Elas constituem o veículo da defesa do réu. Assumem o papel normalmente atribuído a contestação.

Então, nesse caso, é indispensável – sob pena de nulidade – que no mandado de citação do réu conste expressamente a advertência prevista no art. 250, II, segunda parte, do CPC, quanto à consequência da não apresentação de defesa.

8. Comunicação do resultado do julgamento ao réu

Como se trata de decisão definitiva, havendo o trânsito em julgado, deve-se comunicar ao réu o resultado desse julgamento, a fim de que tenha conhecimento de uma sentença que lhe favorece e que está acobertada pela coisa julgada material (art. 332, § 2º c/c art. 241).

Não se trata, propriamente de uma citação, pois o réu recebe a notícia de um processo já findo; ele não integrará a relação processual (que se extinguiu antes de se tornar trilateral); ele não é chamado para defender-se...

Tal comunicação é importante para que, sabendo da existência dessa coisa julgada material em seu favor, o réu possa depois invocá-la, se o autor, indevidamente, tornar a propor a mesma ação.

Mas há um caso especial em que essa comunicação tem ainda outra finalidade, que lhe confere eventualmente o caráter de citação. Trata-se da hipótese de julgamento liminar de improcedência fundado na prescrição (art. 332, § 1º). A prescrição, como dito, pode ser conhecida de ofício pelo juiz. Contudo, como também já destacado, o réu tem a faculdade de renunciar à prescrição (C. Civ., art. 191), se o objeto da pretensão for disponível. Quando, no curso do processo, com o réu já tendo sido citado, o juiz constata haver prescrição, ele deve antes intimar o réu para verificar se esse pretende exercer tal renunciar. Mas se o juiz, antes ainda de citar o réu, constata que a pretensão está prescrita e julga desde logo improcedente o pedido, o réu não terá sido ouvido previamente para indicar se desejaria renunciar à prescrição. Assim, ao ser cientificado na forma do art. 241, o réu, querendo, poderá interpor uma apelação exclusivamente para que seja considerada a sua renúncia. Nesse caso, o juiz, ao receber a apelação, deverá exercer juízo de retratação (art. 332, § 3º), revogando a sentença antes proferida e dando continuidade ao processo. Essa é a construção interpretativa que compatibiliza a expressa previsão de rejeição liminar fundada na prescrição com a norma, que provém do direito material e não pode ser ignorada, de renunciabilidade da prescrição. Assim, nessa hipótese, deve-se compreender a comunicação ao réu como verdadeira citação, pois lhe abre a oportunidade de exercício de uma faculdade dentro do processo. Por consequência, deve-se também compreender adequadamente a menção a “trânsito em julgado”: quer significar apenas ausência ou exaurimento de recurso por parte do autor, pois, para o réu, não há ainda trânsito em julgado nesse momento, uma vez ele pode reabrir a questão, ao pedir que se considere a sua renúncia à prescrição.

9. Rejeição liminar e parcial do pedido

É possível a rejeição liminar de apenas um ou alguns dos pedidos cumulativamente feitos pelo réu ou de uma parte de um pedido que seja decomponível. Isso acontecerá quando o pressuposto para a improcedência liminar ocorrer apenas em relação a uma parte do mérito. A possibilidade dessa rejeição liminar parcial extrai-se inclusive do art. 356 do CPC (que será examinado em texto futuro, nesta série).

Contra tal capítulo decisório caberá agravo de instrumento (arts. 356, § 5º, e 1.015, II), que comporta também juízo de retratação (art. 1.018, §1º).

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*Eduardo Talamini é advogado, sócio do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados. Livre-docente em Direito Processual (USP). Mestre e doutor (USP). Professor da UFPR.

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