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Acesso "irrestrito" da Receita aos dados bancários dos contribuintes. Qual o impacto da decisão do STF e seus reflexos na IN/RFB nº 1.571?

A modulação da decisão do STF e a preocupação dos ministros em observar requisitos existentes na própria LC e no decreto são simplesmente desconsideradas na IN 1.571, o que leva à inevitável conclusão de que ela é também inconstitucional.

26/2/2016

A possibilidade de acesso da Receita Federal a todas as movimentações financeiras dos contribuintes sem a necessidade de autorização judicial foi objeto de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal iniciado na sessão do dia 17 e concluído na tarde do dia 23 de fevereiro.

Foram analisadas as ADIs nos 2.390, 2.386, 2.397 e 2.859, em conjunto com o RE 601.314, que têm como objeto a declaração de inconstitucionalidade do artigo 6º da LC 105/01, regulamentado pelo decreto 3.724/01. Em suma, foi analisada se a possibilidade de acesso direto da Receita Federal aos dados bancários sem a necessidade de autorização judicial prévia seria caso de quebra de sigilo e, assim, inconstitucional.

O Supremo, por maioria, vencidos os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio, entendeu que o artigo 6º da LC é constitucional, pois o sigilo permanece mantido pelo fisco, afastando a necessidade de autorização judicial prévia. Foi o que mudou: não há mais necessidade de autorização judicial.

Os ministros, contudo, fizeram constar a necessidade de observação de requisitos constantes no decreto 3.741/200 e, para evitar que, uma vez revogado o decreto, houvesse uma lacuna quanto aos efeitos da decisão, explicitaram a necessidade de existência prévia de um procedimento administrativo, a notificação do contribuinte quanto ao início do processo e todos os demais atos, e que a solicitação de informações ocorra mediante autorização de superior hierárquico e que guarde relação temática com a investigação em curso. Como a LC prevê a possibilidade de acesso também a Estados e Municípios, em relação a eles se exigiu, ainda, a "existência de sistemas eletrônicos de segurança que sejam certificados e com registro de acesso; estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de desvios." A preocupação dos ministros durante o debate foi de que a Receita já possui esse sistema, mas Estados e com mais probabilidade os municípios podem não ter, e aí o sigilo estaria sob perigo.

O Supremo não criou essas regras. Elas existem na LC, mais precisamente no artigo 6º, quando prevê que "As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente". Os outros requisitos formais estão no decreto.

Mas há mais a comentar. Em 2015, a pretexto de regulamentar a aplicação da LC 105/01 e o decreto 3.724/01, a Receita Federal emitiu a Instrução Normativa 1.571/15 determinando que as pessoas jurídicas nela elencadas repassem ao fisco todas as movimentações financeiras de todas as pessoas físicas que ultrapassarem o valor de R$ 2.000,00 e de todas as jurídicas que tiverem movimentação superior a R$ 6.000,00. Esse cômputo será feito de maneira agregada, com a somatória de valores de operações do mesmo tipo na mesma instituição.

Não são apenas os bancos que enviarão informações, segundo a norma. O artigo 4º da IN impõe a obrigação do repasse de informações a todas as pessoas jurídicas que de alguma forma atuem na vida financeira do contribuinte, até as seguradoras.

Não é pouca truculência. As informações que serão enviadas até maio compreendem inclusive aquelas referentes a alguns tipos de movimentações realizadas em 2014 e todas as movimentações do período de 1º a 31 de dezembro de 2015. A partir de 2016, as informações serão remetidas a cada seis meses, em fevereiro e agosto.

Por conferir à Receita Federal um acesso de forma tão absolutamente irrestrita, superando o que está expressamente autorizado na LC e no decreto cuja aplicação ela pretende regulamentar, já estaríamos no campo da ilegalidade.

A modulação da decisão do STF e a preocupação dos ministros em observar requisitos existentes na própria LC e no decreto são simplesmente desconsideradas na IN 1.571, o que leva à inevitável conclusão de que ela é também inconstitucional.

Com a decisão do STF, a aplicabilidade da IN 1.571 está automaticamente afastada? Infelizmente não. Ela não foi objeto do julgamento, o qual tinha na pauta processos antigos, antes de sua publicação. Mas, se a sua constitucionalidade for questionada, nos termos do entendimento consolidado pela Corte, ela será declarada inconstitucional. Se uma lei, para ter sua constitucionalidade reconhecida, depende da observação de condições expressas, não se justifica que um ato do Executivo não tenha que respeitar essas mesmas condições.

O certo é que, caso a Receita não tenha o bom senso de revogá-la, os contribuintes que se sentirem lesados podem buscar na via judicial uma declaração de ilegalidade e até uma antecipação de tutela afastando a remessa de seus dados financeiros, assim como a declaração de inconstitucionalidade pode ser pleiteada. A decisão do Supremo confirma nossa opinião quanto à inconstitucionalidade da IN, defendida em artigo anteriormente publicado.

Discordamos da forma como a decisão do STF tem sido divulgada. Não há acesso irrestrito aos dados bancários dos contribuintes, o que de fato só ocorrerá se a IN 1.571 for aplicada, situação que não vislumbramos.

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*Gláucia Costa é advogada do escritório Loguercio, Beiro e Surian Sociedade de Advogados.


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