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Estado do Ceará institui taxa indevida pela interposição de Recurso Administrativo

Decreto 31.859/15 estabeleceu a cobrança de taxa de prestação de serviço público em razão da apresentação de defesa administrativa.

11/2/2016

É senso comum que os tributos constituem pesada obrigação a ser suportada pelo setor produtivo. Quando as necessidades arrecadatórias do Estado aumentam, em face da aguda perda de receita, multiplicam-se novas hipóteses tributárias, que não podem, porém, deixar de observar princípios tributários basilares. Dentre eles estão os princípios constitucionais da legalidade, da anterioridade, da irretroatividade, da vedação ao confisco, etc.

No entanto, no mais das vezes, os métodos utilizados pelos entes políticos para majorar suas receitas terminam por violar princípios formadores do Direito Tributário, ultrapassando, não raro, a linha da legalidade. No Estado do Ceará, foi o que ocorreu através do decreto 31.859/15, que, supostamente, regulamenta a lei 15.838/15, a qual dispõe sobre as taxas de fiscalização e prestação de serviços públicos.

O referido Decreto, no seu art. 37, anexo V, estabeleceu a cobrança de taxa de prestação de serviço público em razão da apresentação de defesa administrativa, isto é, para a própria participação do contribuinte no processo administrativo estadual. A título de exemplo, a impugnação em 1ª Instância Administrativa enseja a cobrança de R$ 1.292,95, e, na 2ª Instância, R$ 1.847,08 pela interposição de Recurso Ordinário ao CONAT.

Ocorre que, apesar de esta taxa não constituir requisito de admissibilidade dos recursos administrativos, a sua exigência pelo Estado do Ceará contraria, pelo menos, os princípios da legalidade e da anterioridade nonagesimal, ambos positivados no art. 150 da Constituição Federal, e de observância obrigatória quando da instituição de tributos dessa natureza.

Com efeito, o veículo normativo instituidor da taxa para a prestação de serviços públicos acaba por ser o próprio Decreto, e não a Lei Estadual, em clara afronta ao art. 150, I, da Constituição da República. No caso, a lei estadual outorga ao Poder Executivo a possibilidade de positivar hipóteses de incidência tributária, função que a Constituição Federal restringe ao Poder Legislativo, em clara afronta à Carta Magna e à separação dos poderes.

Referindo-se especificamente à matéria tributária, o art. 150, I, da Carta Magna proíbe os entes federados de “exigir ou aumentar tributo sem Lei que o estabeleça”. Assim, o Estado não pode cobrar taxa de prestação de serviço público por meio de Decreto, sendo necessário que haja Lei instituindo o tributo. No caso, uma vez que a lei 15.838/15 não institui qualquer taxa em razão da apresentação de impugnações administrativas, o ato normativo que realiza tal desiderato é o próprio decreto 31.859/15.

E, ainda que sistema constitucional tributário admitisse força normativa de Decreto para instituir tributo, nem assim seria possível a imediata cobrança da exação. Isso porque, conforme determina o art. 150, III, c, da Constituição Federal, é vedado aos Entes Públicos de “cobrarem tributos antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a Lei que os instituiu ou aumentou”.

Com efeito, o decreto 31.859 foi publicado no Diário Oficial do Estado do Ceará em 29 de dezembro de 2015 e, deste então, o Ente Público realiza a cobrança da indevida taxa de serviços públicos. Nota-se, portanto, que tal Decreto viola flagrantemente os princípios da legalidade e anterioridade nonagesimal.

Ademais, tendo as taxas caráter contraprestacional, remunerando o Estado por uma atividade especifica voltada para o contribuinte, portanto, em favor do sujeito passivo, é de se indagar se a atividade de revisão do lançamento fiscal (processo administrativo) é voltada para o contribuinte ou para o próprio Estado.

Sabe-se que o processo administrativo possui o objetivo de revisar toda a atividade do lançamento fiscal realizada pela Administração Tributária, para fins de controle da legalidade daquele ato administrativo. A atividade de revisão de lançamento fiscal, assim, volta-se, primordialmente, aos interesses do Estado. Por isso, o tributo instituído pelo decreto 31.859/15 não pode ser considerado taxa.

Para destacar, ainda, a grave injustiça que circunda o novel tributo, é de se pontuar que, no caso de acolhimento dos argumentos de defesa do contribuinte, o sujeito passivo, inexoravelmente, arcará com a taxa imposta pelo Estado do Ceará para revisar um procedimento privativo do Estado. Em outras palavras, o contribuinte pagará a taxa por um erro cometido, tão somente, pelo Fisco Estadual.

Além de tudo, o Estado do Ceará não se atentou para o art. 47, §1º da lei 15.614/14 que regulamenta o processo administrativo tributário do Estado. O §1º do referido dispositivo é expresso ao afirmar que: “os processos administrativo-tributários no CONAT são gratuitos”. Dessa forma, não poderia o Estado do Ceará estabelecer taxa para a prestação de serviços na revisão do lançamento fiscal, pois tal pretensão se encontra proibida pela lei do processo administrativo estadual, o que a torna ilegal.

Diante do exposto, conclui-se pela total inconstitucionalidade da taxa de prestação de serviços - instituída pelo decreto 31.859 – em razão da interposição de impugnações administrativas no CONAT, seja em razão de a exação contrariar frontalmente os princípios constitucionais tributários da legalidade e anterioridade nonagesimal, seja em virtude do serviço prestado pelo Fisco ser favorável ao próprio Estado, ou ainda pela expressa disposição do art. 47, §1º da lei 15.614/14, que estabelece a gratuidade dos processos administrativo-tributários no CONAT. Em suma, a referida taxa representa ônus manifestamente indevido para o contribuinte, uma vez que a exação não possui qualquer suporte jurídico de validade.

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*João Otávio Martins Pimentel é advogado da área tributária do escritório Martorelli Advogados.

*Marcelo Ferraz Pinheiro é colaborador da área tributária do escritório Martorelli Advogados.

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