Em uma tórrida tarde do verão de 1970, o Ministro da Fazenda Delfim Netto reuniu os representantes dos setores produtivos no salão nobre do seu Ministério no Rio de Janeiro para propor um “acordo de cavalheiros”: era portador de uma solicitação do Presidente Médici, para que os empresários se comprometessem a envidar esforços para contenção dos seus preços naquele ano, a fim de limitar a inflação que se instalara no país ao teto de 12%.
O instrumento para a consecução desse objetivo era o Conselho Interministerial de Preços, o famoso “CIP”, composto pelos ministérios da Fazenda, Agricultura, Indústria e Comércio e Planejamento e cuja implantação determinou duas importantes mudanças no comportamento do mercado: positivamente, a de introduzir o cálculo de custos na produção brasileira, mas perigosamente, a partir da concessão de reajustes setoriais, a propiciar a instauração de um diálogo permanente entre empresas concorrentes, transformando-as em “inimigos íntimos”.
De fato, na formatação de “custos setoriais” os debates entre empresas concorrentes adentravam particularidades econômicas e financeiras tão detalhadas que traziam sempre o risco de lançar sobre um estudo essencialmente técnico uma desavisada imagem de formação de cartel, conluio de preços ou qualquer coisa do gênero.
Na “operação Lava-jato” desencadeada pelo Policia Federal na Petrobrás, o novo comportamento empresarial, induzido pelo próprio governo e arraigado pelo tempo aos usos e costumes do mercado, tem sido visto, não só pela polícia mas pelo judiciário, como visceral e inarredavelmente criminoso e assim transmitido à população como um tenebroso exemplo de corrupção, merecedor de punição exemplar.
As notícias diárias sobre sucessivas e intermináveis novas denúncias e prisões expandindo o furor e o âmbito de atuação da equipe da “operação lava-jato” para outras empresas e setores vem recrudescendo a animosidade popular contra empresários porventura envolvidos direta ou remotamente, como se fossem os únicos responsáveis pela corrupção que campeia infrene em nosso país, a ponto do Ministério Público Federal propor a conceituação da corrupção como crime hediondo.
Com esse foco de atenção exclusiva sobre as práticas financeiras e econômicas que possam revelar-se criminosas nesse processo nitidamente empresarial, perde-se de vista o verdadeiro crime hediondo perpetrado pelo acionista controlador da companhia estatal que permitiu e coordenou essas práticas, canalizando os resultados criminosos para partidos políticos de sua conveniência.
Em seus comentários críticos, Sergio Porto, o “Stanislau Ponte Preta”, costumava se socorrer da famosa frase atribuída por uns à Aparício Tonelli, o “Barão de Itararé”, e por outros à Nelson Rodrigues: “Restabeleça-se a moralidade ou locupletemo-nos todos”.
Se tais personagens presenciassem o surrealismo de agora, inspirados em Roberto Jefferson certamente cunhariam outra: “Prenda-se o Brasil, mas não se acuse o governante”.
____________