Essa senhora - que, confesso, desconhecia eu (por minha indesculpável ignorância) - logo me explicou que faria uma viagem ao Brasil no futuro breve, e que gostaria de contar com minha ajuda para estudar e se debruçar sobre alguns aspectos do Direito brasileiro, as características principais de nossa advocacia e de nossa magistratura, e até um pouco sobre nosso idioma (que ela tentava falar por conta de seus conhecimentos da língua espanhola). Em meio às perguntas, ela me ensinava sobre alguns dos projetos que havia desenvolvido durante sua carreira, e, por algum motivo, deu foco às iniciativas pro bono e de apoio à infância e juventude. Na minha inocência, estava eu conversando com uma simples senhora que havia dedicado anos de sua vida à profissão. Senti-me, pela primeira vez naquela estada, especial e querido; aquela senhora me queria bem, e isso me fazia feliz.
Dois importantes fatos me eram desconhecidos naquele momento, descobri em seguida. Primeiro, aquela senhora era nada menos do que uma das mulheres mais importantes da magistratura e do Direito norte-americanos; a primeira mulher a servir como chief judge da New York Court of Appeals e a pessoa que mais permaneceu no cargo, reconhecida por uma jurisprudência e reformas estruturais decisivas naquele Estado. Tratava-se da famosa Judge Judith Kaye! Mal sabia eu, afinal, a dádiva que era estar ali ouvindo-a e assistindo-a. Mas o meu maior erro foi o segundo: achar que eu estava recebendo algum tratamento especial, raro, incomum da Judge Kaye - como era comumente chamada. Ledo engano: o tratamento até era especial - no sentido qualitativo da palavra - mas longe de ser reservado a mim; Judge Kaye era gentil, atenciosa e receptiva com todos à sua volta, não tardei a perceber. Tratava seus visitantes como se eles, na realidade, fossem a figura ilustre, e não ela (quem, de fato, merecia todas as honras).
Aprendi, naquele momento e nos meses que o seguiram, que a dedicação ao trabalho (ao Direito!) e o amor eram possíveis, compatíveis, e, mais que isso, deveriam ser objetivos conjuntos e cumulados nossos todos os dias, a despeito de nossos sucessos e insucessos. Judge Kaye, mesmo não sabendo (ou sabendo muito bem), mostrou-me que amor e carinho a todos que entram por sua porta é o que move o mundo pra frente - e também o mundo do Direito, tido por muitos como duro e frio. Os êxitos e vitórias profissionais de Judge Kaye são visíveis da literatura jurídica americana e de qualquer vídeo do YouTube que contenha algum discurso seu (oratória e raciocínio invejáveis aos melhores juristas), mas só quem a conheceu pode perceber o que estava realmente por trás daquilo tudo - e que, percebi mais do que nunca, deveria estar por trás também das minha intenções todos os dias a partir de então: respeito e compaixão por todos à sua volta, a despeito de sua posição hierárquica ou social.
Essa mulher incrível nos deixou ontem, 7/1/16, mas não sem assinalar a todos que a conheceram o que realmente importa na vida. Obrigado, Judge Kaye, por me lembrar a razão pela qual escolhi a vida que escolhi. Não houve tempo suficiente para que tricotasse o suéter para o meu filho, como prometeu, mas ele saberá - assim como qualquer outra pessoa querida com quem eu me deparar em minha trajetória - quem foi Judge Kaye e o que significa ser um profissional do Direito de bom coração.
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