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A consularização de documentos estrangeiros no Brasil: considerações sobre a Convenção de Haia de 5 de outubro de 1961

A convenção estabelece quais parâmetros serão utilizados para desburocratizar o reconhecimento de documentos estrangeiros entre os países assinantes da Convenção.

29/12/2015

Em julho de 2015, o Congresso Nacional aprovou, através do decreto legislativo 148, a ratificação da Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros, celebrada na Haia, em 5 de outubro de 1961. Tal convenção estabelece quais parâmetros serão utilizados para desburocratizar o reconhecimento de documentos estrangeiros entre os países assinantes da Convenção. Dessa forma, o Brasil avança para facilitar as relações entre estrangeiros e nacionais, derrubando as barreiras que retardavam os processos de obtenção de vistos.

O presente artigo visa, assim, levantar quais as condições e circunstâncias em que serão aplicáveis o texto da Convenção que passará a vigorar como lei. Contudo, antes de aprofundar no tema, é mister apresentar um esboço resumido da Convenção mencionada.

I – Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros – Haia, 5 de outubro de 1961

Conhecida, também, por Convenção da Apostila, o documento determina as condições nas quais um documento de autoria das autoridades públicas, ou autenticado por elas, poderá ter reconhecido o seu valor legal nos outros estados signatários. Teve como foco primordial a desburocratização das transações comerciais e jurídicas, consolidando as normas pertinentes para validar um documento público de um país para o outro.

Cumpre destacar, mais uma vez, que só será reconhecido o valor legal de documentos dos países que assinaram a Convenção, algo que o Brasil ainda não havia realizado até 2015, 50 anos após sua vigência, iniciada em 24 de janeiro de 1965.

Dentre as características presentes no documento assinado nos Países Baixos, o que mais se destaca é o reconhecimento da assinatura/firma e selo/carimbo de um documento público emitido pelo órgão público estrangeiro e que, agora, teria efeito legal além das fronteiras do seu país de origem. Assim, cumpre salientar que a autenticação de uma cópia ou o reconhecimento de uma firma, certifica que documento foi emitido por um funcionário público no exercício de suas funções.

Dessa forma, o objetivo da Convenção é harmonizar, simplificar e desburocratizar os trâmites necessários para o reconhecimento desses documentos não apenas no país onde foram emitidos, mas também nos países signatários.

I. II – Os países signatários da Convenção

De acordo com o site oficial da Hague Conferenceon Private Law1, a lista de países assinantes perfaz um total de 108 estados que desejam derrubar as regras burocráticas quando do reconhecimento de documentos estrangeiros. Estão presentes nessa lista países como: Alemanha, Argentina, Áustria, Bélgica, China, Espanha, Estados Unidos, França, Grécia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Polônia, Portugal, Reino Unido, Rússia, Turquia, Uruguai e outros. Importante frisar que todos os países da União Europeia e os do Mercosul integram o quadro de assinantes da Convenção, o que representa uma grande vantagem estratégica para os negócios bilaterais e multilaterais brasileiros (POLIDO, 2014).

O Brasil, em 7 de julho de 2015, através do decreto legislativo 148, aprovou a entrada do país na lista de signatários da Convenção. Contudo, para que tenha efeitos no território nacional será necessário que, de acordo com RODRIGUES (2015):

A adesão apenas produzirá efeitos nas relações entre o país aderente e os países restantes se estes, nos seis meses posteriores à recepção da comunicação (de adesão) feita pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros dos Países Baixos, não se opuserem. Em caso de oposição esta deve ser informada (pelo país opositor) ao Ministério dos Negócios Estrangeiros dos Países Baixos. Tal convenção não valerá entre o país aderente e o país opositor.

E, ainda:

O Ministério dos Negócios Estrangeiros dos Países Baixos notificará os países membros, bem como o Brasil sobre as adesões e oposições previstas pelo art. 12 e a data a partir da qual a sua adesão entrará em vigor. A partir desta notificação a Convenção estará oficialmente em vigor.

Sendo assim, a República brasileira está prestes a recepcionar a Convenção em seu corpo legal, faltando, ainda, o decreto presidencial para sua vigência. Após a breve explanação realizada, faz-se necessário, agora, pontuar as condições para que um documento possa ser reconhecido extrafronteiras.

II. As características da Convenção de Haia, de 1961

De acordo com o artigo primeiro da Convenção da Apostila: "A Convenção aplica-se a documentos públicos feitos no território de um dos Estados Contratantes e que devam produzir efeitos no território de outro Estado Contratante."

O rol que define quais documentos serão considerados públicos, disposto no referido artigo, engloba documentos provenientes de uma autoridade ou de um agente público vinculados a qualquer jurisdição do Estado, documentos administrativos, atos notariais, declarações oficiais apostas em documentos de natureza privada, dentre outros.

Contudo, a Convenção exclui, no mesmo artigo, sua aplicação quanto aos documentos emitidos por agentes diplomáticos ou consulares, bem como aos documentos administrativos diretamente relacionados a operações comerciais ou aduaneiras.

Sobre o tema, RODRIGUES (2015) afirma que:

Interessa à atividade notarial os atos notariais e as certificações de autoridades estrangeiras em relação às autenticações de data e assinaturas constantes em documentos privados.

Isso significa dizer que os atos notariais e os documentos privados não necessitarão de legalização no consulado brasileiro ou em agentes diplomáticos no país de origem para eficácia no Brasil, bastando o seu apostilamento.

Apostilamento, ainda de acordo com RODRIGUES (2015), é “uma forma de certificação emitida nos documentos a serem utilizados em países que participam da Convenção”. Pode se dizer que é uma forma de certificação emitida pelo país emissor parecida com a autenticação conhecida no Brasil, através do qual é confirmado que referido documento fora emitido por quem detinha essa autonomia/poder/competência. Vale dizer que nãos e presta a reconhecer a validade ao conteúdo do documento ‘apostilado’.

Tal ato revela, de certa forma, um avanço na integração entre os países, com margem para uma evolução nas relações entre indivíduos, empresas e organizações no âmbito internacional.

O autor supramencionado afirma, ainda, que o apostilamento "contribuirá para a agilidade nos negócios, pois o usuário terá a faculdade de escolher entre apostilar, nas autoridades escolhidas pelos países aderentes à Convenção, ou legalizar, nos consulados e agentes diplomáticos, o documento para efeitos no Brasil."

II.I A Convenção e a necessidade de tradução juramentada

Contudo, apesar desses avanços, algumas práticas ainda comuns entre os países prevalecerão. O artigo 3º comprova tal prevalência ao afirmar que certas formalidades exigidas pelo texto da Convenção, não poderão ser aplicadas caso entrem em conflito com as normas do Estado onde o documento deverá produzir efeito. Tampouco quando houver acordo entre dois ou mais Estados contratantes que afaste, simplifique ou dispense o ato de legalização.

Nesse diapasão, tem-se que a Convenção não exclui a necessidade de tradução ou registro que, porventura, seja regido por outra lei ou algum acordo bilateral entre países membros. No Brasil, por exemplo, os artigos 129 e 148 da lei Federal de 6.015/73, que regulamenta a questão dos Registros Públicos, ainda prevalecerá vigente. Em outras palavras, haverá a necessidade de registro no oficial de registro de títulos e documentos para efeitos contra terceiros no Brasil.

Outra exigência que prevalecerá concerne à necessidade de traduções juramentadas nos casos definidos pelo artigo 224 do CC, que diz:

Art. 224. Os documentos redigidos em língua estrangeira serão traduzidos para o português para ter efeitos legais no País.

Assim sendo, mesmo que o documento estrangeiro tenha sua validade reconhecida no Brasil sem a necessidade de consularização, isso não eliminará outros procedimentos exigidos pela lei brasileira quanto ao assunto. Não restou excluído, então, a exigência de tradução juramentada que, apesar do seu alto custo, ainda prevalece obrigatória para que tais documentos possam ter efeitos legais no território nacional. Tal procedimento não poderá ser ignorado nas solicitações de visto ou quaisquer outros atos a serem praticados no Brasil.

III – Conclusões

Tendo em vista a maior integração do Brasil, tanto no nível global quanto regional, a aprovação advinda com a edição do decreto legislativo 148 representa um grande avanço para as relações internacionais brasileiras. Muito em breve, indivíduos e instituições terão uma maneira mais simplificada para garantir a validade de um documento estrangeiro dentro do território nacional.

Contudo, é preciso destacar que tal eliminação da consularização não abarcará todos os documentos, devendo o interessado se certificar que seu documento está elencado no texto da Convenção de Haia, podendo, assim, ser apostilado conforme os ditames do texto assinado por diversos países.

Para ilustrar, importante mencionar que todas as declarações oficiais apostas em documentos de natureza privada, as autenticações de documentos regularmente firmados e demais certidões, desde que efetivamente autenticadas ou com firma reconhecida pelas autoridade notoriais do países signatários da multicitada Convenção, terão ampla regularidade nos demais territórios nacionais integrantes do bloco que se comprometeu em Haia, no ano de 1961.

É importante ressaltar, ainda, que o Brasil demorou para ratificar tal Convenção, uma vez que poucos são os países que ainda não fazem uso das regras de Haia para suas relações extrafronteiras. Apenas agora, passados cinquenta anos, o Brasil poderá simplificar relações com países parceiros estratégicos, tais como os que integram o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e a União Europeia.

Agora, é preciso apenas aguardar os procedimentos formais por parte do executivo brasileiro para que a Convenção possa valer no país, quais sejam: decreto da presidência, seguido da entrega formal da adesão junto ao Ministério dos Negócios Estrangeiros dos Países Baixos. Formalizada a entrega, o Ministério notificará todos os demais assinantes e, não havendo oposição, o Brasil passará a fazer parte do grupo.

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IV – Referências

- BRASIL – decreto legislativo 148 de 7 de julho de 2015. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/2015/decretolegislativo-148-6-julho-2015-781175-convencao-147469-pl.html

- BRASIL – Lei n. 6.015 de 31 de dezembro de 1973. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-6015-31-dezembro-1973-357511-normaatualizada-pl.pdf

- HAGUE CONFERENCE ON PRIVATE INTERNATIONAL LAW – Convention Abolishing the Requirement of Legalisation of Foreign Public Documents. Disponível em: https://www.hcch.net/index_en.php?act=conventions.text&cid=41;

- HAGUE CONFERENCE ON PRIVATE INTERNATIONAL LAW – Apostille Section -https://www.hcch.net/index_en.php?act=text.display&tid=1;

- POLIDO, Fabrício BertiniPasquot. Convenção da Apostila é Compatível com Estrutura Brasileira.

- RODRIGUES, Felipe Leonardo – Aprovação da Eliminação de Legalização pelo Brasil. Disponível em: https://www.notariado.org.br/blog/?link=visualizaArtigo&cod=473;

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*Wanderson Fabrício Portugal é ex-colaborador de Chenut Oliveira Santiago Sociedade de Advogados e Luisa Máfia Resende é colaboradora integrante da equipe de Direito de Imigração e Direito do Trabalho do escritório Chenut Oliveira Santiago Sociedade de Advogados.

 

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