Migalhas de Peso

Matar e lesionar na guerra já incomoda

Se a violência ”aceitável” da guerra, mal “necessário” enquanto o homem ainda guarda em si resquícios do ser selvagem que já foi, já preocupa os profissionais da própria guerra, ou seja, aqueles que são preparados para matar e morrer, é sinal que é chegada a hora da civilização humana dar um significativo salto na evolução do uso do dom maior de que é dotada: a inteligência. Se isso é fato para os militares, com muito mais razão dever ser para os policiais. Ambas as instituições têm finalidades diametralmente opostas.

21/7/2003

 

Matar e lesionar na guerra já incomoda aos militares e mais aos profissionais da polícia ?

 

Luiz Otavio Oliveira Amaral*

 

Breve intróito: se a violência ”aceitável” da guerra, mal “necessário” enquanto o homem ainda guarda em si resquícios do ser selvagem que já foi, já preocupa os profissionais da própria guerra, ou seja, aqueles que são preparados para matar e morrer, é sinal que é chegada a hora da civilização humana dar um significativo salto na evolução do uso do dom maior de que é dotada: a inteligência. Se isso é fato para os militares, com muito mais razão dever ser para os policiais. Ambas as instituições têm finalidades diametralmente opostas. Enquanto o uso da violência bélica para os militares sempre foi meio de êxito profissional e institucional, para a polícia, no entanto, isso jamais foi tolerado. Ora, o lema histórico da polícia (que vem até na raiz da palavra, do conceito polícia): “proteger e para servir” exige nova mentalidade e nova tecnologia policial para ser mantido vivo num ambiente cada vez mais hostil e desfavorável, como temos hoje. As moderníssimas tecnologias das armas, munições e equipamentos não-letais, ou menos letais garantem essa preservação da força moral e prestígio da polícia, desde que seu uso se dê a partir de nova concepção de formação policial. È dessa urgente necessidade  -  de acertar o passo com o mundo atual  -  que vamos nos ocupar neste ensaio.

 

Entendendo o conceito de armas não-letais: tecnologia de armas não-letais começa a partir do conceito de guerra não-letal. Isso tem início com fim da guerra fria e mais precisamente com a queda do muro de Berlim. A guerra pesada entre as forças do Pacto de Varsóvia e da OTAN, enfim não correu. A política de guerra norte-americana, conhecida por MAD1 , da relativa segurança nacional baseada na ameaça velada de que o mundo pode acabar se nos atacarem, tal o poder destrutivo do nosso arsenal atômico, parece ter dado certo e mantido o delicado equilíbrio  bipolar do mundo. Com fim da lógica da guerra fria, também a lógica da guerra quente e pesada estava em seu ocaso. Melhor para o nosso sofrido planeta! O fiasco norte-americano no Vietnã fez ruir de vez aquele conceito de guerra total e pesada, uma vez que o maior arsenal de guerra do mundo não logrou dobrar o pobre e pequeno exercito local. Os fogos pesados da artilharia, o aéreo e o naval garantiam de dia posições que a noite eram perdidas. As forças pesadas americanas se atolavam nos arrozais, aqueles soldados bem treinados numa outra concepção de guerra, tornavam-se, ali na selva, frágeis. Isso rendeu um impacto psicológico e geral muito grande na elite militar norte-americana. Assim, os grandes blindados, os enormes bombardeios, os mísseis intercontinentais começaram a ser postos de lado  -  não abandonados  -  e outras armas e novas concepções de guerra (diríamos mais “lights”) mais inteligentes e menos pesadas, foram sendo pensadas.

 

A alta e fina tecnologia dos cientistas/universidades (das agencias militares de ciência e tecnologia) aliada à experiência de campo de lideres militares, geraram nova concepção de armas inteligentes e de altíssima precisão. Nessa nova concepção tudo que pudesse ser visto poderia ser atingido e logo destruído. E com os equipamentos censores de visão noturna “comprou-se a noite” (como dizem os militares americanos seguindo os israelenses2 ). Já na invasão do Iraque, em 1991, na denominada operação “Tempestade no Deserto” foi o grande campo de teste dessas novas tecnologias. Ali os iraquianos apreenderam que seguro já não era mais o interior dos tanques, eis fonte sensível de calor aos “olhos” das armas inteligentes. Para essa guerra ultima no Iraque, essas tecnologias bélicas foram depuradas das falhas e detectadas em 1991. Na Somália (1993/94), no Haiti (1994) e na Bósnia os militares norte-americanos atuando como polícia do mundo ou em Operações de Apoio de Paz situações essas que exigiam armas e munições não-letais ou menos letais que as convencionais até porque os chamado danos colaterais (mortes de não-combatentes e destruição de bens, etc.) são proporcionalmente inadequados ao caso. Todas essas moderníssimas tecnologias ainda carecem de mais precisão, todavia indiscutivelmente já demonstraram sua ampla eficiência e o que é mais importante, com a impressionante redução das baixas humanas sobretudo nas fileiras norte-americanas. Com efeito, o verdadeiro objetivo da guerra - já perdido nas dobras do tempo e das muitas guerras  -  é a imposição da vontade, compelir o adversário a fazer o que se lhe determina, jamais a destruição, a eliminação física. Isso tem sido usual porque irresistível meio de se lograr  aquele resultado buscado. Mas dia haverá (e parece que em breve) em que a sociedade humana já não queira mais pagar esse preço (a devastação e o morticínio). A morte, sobretudo do homem, é um fantasma que, a cada dia, mais assombra um numero maior de seres pensante. E assim como podemos conceber que a industria armamentista paulatinamente vá se ajustando àquele ideal de armas não-letais ou menos destrutivas. Nos salvamos da guerra aniquiladora do planeta (MAD) e já estamos, enquanto fato ainda inevitável, nos albores da guerra menos mortífera, a guerra do futuro.

 

As armas não-letais podem ser classificadas segundo os alvos, em dois grandes grupos: armas antipessoal e armas antimaterial.Quanto à tecnologia: armas físicas (balas de borracha/plástico, redes/veicular e pessoal, ar-comprimido...); químicas (irritantes, spray de pimenta, corante/identificadores espumas aderentes, alucinógenos, calmantes, agentes olfativos e obscurantes...); de energia dirigida (eletromagnéticas: luzes estonteantes, granadas de luz e som, laser não-cegante e acústicas: ruidosas e infra-sons; antimaterial: pulsos de energia, microonda de alta-energia, interferidores, feixes de partículas). 

             

Diferenças entre militar e policial e pontos de contato: As necessidades policiais são diferentes das militares. Todavia nos últimos anos nos EUA ambas instituições têm cooperado no desenvolvimento de conjunto de armas não-letais. É que para a polícia, ao contrario dos militares, a tolerância para com acidentes fatais e erros de execução, falhas profissionais mortais ou de grave lesividade quer do próprio policial, quer do perseguido, do bandido, sempre foi praticamente inexistente se comparada com as falhas admitidas nas operações militares de apoio de paz (muito semelhante ao trabalho da polícia). A simetria entre o militar e o policial, que sempre critiquei como deturpação e desvio3  profissionais entre nós, aqui é benfazeja. Muitas dessas sofisticadas tecnologias militares não-letais têm sido adaptadas para uso da polícia que por sua vez ainda vem de fomentar novas adequações a partir da experiência diária nas ruas. Agora que o paradigma militar, que tanto encanta os policias, é outro diametralmente oposto ao anterior, ou seja, antes era destruição total e absoluta do inimigo, mas hoje se trata somente de sua imobilização, afastada assim, a letalidade e a grave lesividade tanto quanto possível, a polícia já pode incorporar, mais útil e adequadamente, as técnicas militares. Pelo menos nesse âmbito ainda novel da não-letalidade não há mais ou reduziram-se as incompatibilidades profissionais entre as duas instituições (guerra é para matar/eliminar ou morrer e polícia é para prender/limitar). A evolução da concepção militar do não-letal vem de matrizes extremamente letais (do mais letal para o não-letal); já na polícia essa evolução não igual. A polícia sempre esteve, mais ou menos, adstrita e limitada ao uso da força mínima necessária, proporcional. Com efeito, a guerra ainda “é a continuidade da diplomacia (do Direito) por outros meios”4, como insuperavelmente ensinou o gênio militar prussiano Karl Von Clausewitz e parece que tende para uma ainda longe mas já perceptível luta menos mortífera, isso é um marco feliz na evolução da humanidade. Ora se até na guerra a morte e destruição do homem já vem cedendo lugar a outras técnicas menos lesivas e não-letais, por que a polícia haveria de continuar uma guerra suja e tão mortífera. Vale registrar que para os militares essa guerra tão mortal sempre foi seu mister profissional essencial; já com o policial ocorre exatamente o oposto: só por exceção ele esteve e está autorizado a matar e sua própria morte caracteriza acidente/falha  profissional.

 

Os cenários mundial, regional e local mostram indícios desfavoráveis aos agentes do Estado: num ambiente crescentemente desfavorável ao trabalho da polícia de proteger a sociedade e o indivíduo, já porque um certo vácuo de poder (por inaptidão gerencial de governantes e/ou debilidade para o exercício visível do poder estatal) tem gerado e fortalecido o poder paralelo de bandidos e de corporações (e seus nefastos interesses corporativistas), já porque o crime integrou-se, organizou-se, enriqueceu e usa tal performance (até aqui, bem melhor que Estado). O crime organizado5 considerado o “negócio” que cresce mais rapidamente no mundo, cujo lucro anual é estimado em cerca de um trilhão de dólares (equivalente a 3/5 do orçamento federal dos EUA), já se teme a virtual (se já não for real) associação das organizações criminosas (máfia russa, nigeriana, já afinadas, segundo alguns especialistas com cartéis colombianos) com as organizações terroristas6 . A máfia russa emprega ex-agentes da KGB, dispõe de armas militares modernas potentes (e até nucleares) tudo graças ao contrabando que surgiu na ex-União Soviética. Ali cerca de 5.700 quadrilhas criminosas se infiltraram em toda a vida pública (politica, econômica e social) das antigas soviéticas. Muitas dessas organizações coligadas ou isoladamente já atuam em mais três dezenas de países, inclusive nos EUA. A força geral dos traficantes de drogas pode bem ser avaliada pelo tamanho de seus lucros, estimados entre 200 e 500 bilhões de dólares, maior que o PIB da maioria das 170 nações do nosso planeta. E pouco se tem feito para sensibilizar (isso não trabalho da polícia) o usuário de que ele é o principal motor gerador, o principal responsável por tanto danos oriundos dessa desgraça social que são as drogas.  Essa atividades criminosas atuam em ambiente que não permitem o uso de armas tradicionais e pesadas (antes mais para  imposição de respeito) porque geram incontáveis danos colaterais (mortes e destruição de pessoas e bens alheio). O que se constitui em forte fator de descredito e má fama da polícia e pior: isso tem sido bem explorado pelo “inteligência” do crime (daí porque os habitantes das favelas quase sempre estão desgraçadamente mais ao lado dos traficantes que da polícia). Esses bandidos usam muito bem a mídia, micro poder politico do lugar onde atuam, a Internet, as melhores maquinas de telecomunicações, mas sobretudo o poder corruptivo do dinheiro para seduzir toda gama de autoridade, tanto para fazer uso de sua influencia facilitadora, como também para a esperta exploração (poder psicossocial) da imagem de fraqueza e submissão dos agentes do Estado. O crime organizado atualmente já é problema cuja solução, o enfrentamento ultrapassa as forças e os limites operacionais da polícia, já não é tão-só uma questão de segurança pública senão também e sobretudo de segurança nacional, agora sim a simbiose militar-policial é conveniente (trocas de informes e experiências, desenvolvimento de tecnologias de dupla utilização, inteligência/serviços secretos, infiltrações de agentes informantes...).

 

Invariavelmente o crime organizado usa a população simples circundante como escudo e/ou despiste. E nas operações policiais invariavelmente para se deter meia dúzia de “soldados rasos” ou mesmo um “sargento” do tráfico, destroem e matam muitos inocentes (e se matam muito também), o que é sempre bem aproveitado pela “inteligência” da organização criminosa em detrimento do perigoso descrédito da polícia. Todavia esse fenômeno parece ainda não percebido pelas inteligências da segurança pública entre nós que continua fazendo o jogo da inteligência dos bandidos. Contra esse tipo de criminoso só mesmo, é claro, armamento inteligente e adequado (munição de baixo impacto, espumas, redes, granadas de luz, som e de gás....). Tais recursos e meios tecnológicos reduzem o estresse que provém do risco natural da profissão policial, porque esse sente-se preparado para todas possíveis necessidades sem riscos adicionais (de danos colaterais a inocentes, de responsabilizações e sindicâncias disciplinares internas). A polícia brasileira precisa entender, tal como os militares norte-americanos pós-Vietnã, que há guerra e guerras, que há cenários/ambientes e circunstancias operacionais para as quais determinadas armas e equipamentos são inadequados e até contraproducentes. Numa invasão de favela, por exemplo, a metralhadora e armas análogas que atiram indiscriminadamente são inaceitáveis para o bem da própria Corporação policial, salvo se não fizer diferença troca de vidas inocentes por presos miúdos (e ainda que fosse o dono do cartel da droga, “marechal”, essa troca não seria justa e profissional). Diga-se o mesmo quanto às situações de distúrbios de massa ou de muita aglomeração, aquelas armas são tão danosas aos alvos, quanto à polícia enquanto instituição (vide exemplos patéticos do Carandiru, Eldorado do Carajás...) nessas operações o escudo elétrico (derruba um homem grande e o mantém, como geléia, no chão por algum tempo). A imobilização de prisioneiro, sempre um risco para o policial e para a imagem da polícia (vide exemplo do assaltante do ônibus/175, no RJ) carece de melhores meios de execução. O policial precisa poder e saber escolher quais dos recursos, dos vários de que dispõe, deve usar em cada situação especifica, porque cada uma deve ter um tipo de enfrentamento hábil.

 

Ora, se a violência é o mal ser sempre evitado e/ou debelado a polícia, instituição social que é, não pode usá-la como regra, senão como última opção segundo o principio da necessidade e da proporção desse mal. Nos filmes policiais de alta violência (do tipo rambo) deixam-se as seqüelas desse mal escondidas, mas na vida real a essa “solução” gera um ciclo de violência (represálias de todos os lados, ressentimentos) que se banaliza e espalha pelo tecido social que assim adoece. Isso não pode ser tolerado pelo Estado, que deve ter outra lógica que não a dos bandidos. Há de se distinguir muito bem os agentes do Estado e os agentes do crime. O crescimento da violência criminal  -  que certamente tende a se agravar no mundo inteiro e por muito tempo ainda  -  não pode redundar num Estado violento, numa polícia truculenta ainda que só contra os bandidos, rigor (o maior possível) contra esses, sempre será da função mas controlada a situação e dominada a resistência cessa a razão de ser da força legitimada pelas circunstancias. Tanto maior o grau de profissionalismo, tanto menor o grau de paixão, porque é muito comum na adrenalina das operações perde-se o controle emocional (vide chamada síndroma da perseguição policial em alta velocidade).Vale, registrar, por fim, que o uso da força não pode resolver problemas sociais, como miséria, desemprego, sem tetos, sem terras, camelôs, bestas/transportes paralelos... A atuação da polícia nesses casos só tem trazido muita violência, de parte a parte, e grande desdoiro para  tão fundamental instituição social, e pior, nada tem resolvido: tudo vem piorando em termos de violência (e de criminalidade) generalizada. É  hora, então, de uma virada evolutiva, a sociedade precisa e a polícia carece e merece melhor status no seio de nossa comunidade.  

         

Urgente necessidade de recuperação psicossocial do conceito de polícia: sobretudo em nosso país o conceito psicossocial de polícia em geral precisa urgentemente ser recuperado, poucas instituições sociais têm tanta importância na vida de cada um e de todos como a polícia, tenho insistido nisso por penso ser questão essencial e basilar no desenvolvimento de qualquer grupo social. Uma polícia violenta, com alto índice baixas humanas  -  quer da própria polícia, prova inconteste do despreparo; quer do bandido, que não precisa morrer para a polícia obter êxito e reconhecimento social   -   é uma polícia que pede para desaparecer, tal o despropósito na atuação e a  frustração dos objetivos  institucionais. Nossa polícia precisa  -  e já estamos muito atrasado  -  deixar de ser braço armado de governos (segmentos/grupos políticos transitórios) senão do Estado (ente permanente e total). A polícia brasileira (Federais, estaduais e também as ditas guardas municipais) carece de urgente profissionalização, ou seja, carreira  técnica, regida e estruturada por lei organiza nacional e estaduais e lastreada em corpo de normas ético-profissionais, cuja ascensão funcional, desde a base até a mais altas cúpulas, esteja livre do jogo político-eleitoral geral e sindical. Eis aqui, outra salutar parelha entre militar e polícia, a gerência  administrativa da carreira profissional.

 

É provável que muitos policiais experimentem a sensação de que estamos sugerindo a eles que enfrente os perigosos bandidos fortemente armados com armas não-letais ou menos letais. Não é isso que se almeja. Mas sim garantir ao profissional digno desse titulo que possa ele estar apto a eleger qual dos recursos deve usar para garantir sua própria segurança e de inocentes e também a do bandido que dever ser preso e não eliminado ou castigado pelo policial. Diria até mesmo que em certas ocasiões diante de perigosos bandidos, fortemente armados a melhor opção pode não ser a letal senão a paralisante. Tudo dependerá  da avaliação situacional feita pelo policial (preparo técnico e emocional); o certo que ele deverá dispor dos recursos letais e não tais  para uso a contento.

 

As  armas não-letais, sobretudo as de precisão reduzem ao mínimo as baixas humanas e materiais, o que é, por qualquer angulo de analise, um fator positivo: a função eterna da polícia   -  mesmo nos poucos países que admitem a pena de morte  -   não é matar ninguém. Outro ponto de interesse na questão aqui em foco é quanto à legalidade operacional da polícia que, segundo normas internacionais, precisa buscar sempre que possível (e os elementos probatórios da situação concreta hão de bem aferir essa possibilidade) os meios menos lesivos dentro da necessidade e proporcionalidade do ato policial. É um mito policial o tal tiro de advertência, mas ele será sempre bem avaliado, enquanto demonstrativo da escala das forças gradual e proporcional na situação, se lago der errado nos resultados operacionais da polícia. Com efeito, as armas não letais expressam bem esse manejo daquela escala da força policial: usa-se primeiro tais armas e no insucesso delas e que se passa às armas letais. Contudo, será sempre a situação concreta e o juízo de avaliação (dos riscos e da escolha dos meios) do profissional-policial o critério primordial, que há de ser quase instantâneo e ainda razoável, daí os preparos emocionais, técnicos e jurídicos. O policial é quem dever avaliar se usa armas não-letais ou as letais na situação concreta em que se encontra. E como todos, há de responder pelos excessos e pelo desvio da regra profissional, com a diferença crítica de que sendo ele o Estado em pessoa estará sempre mais exposta à mídia e à opinião pública.

 

Conclusão: nos países onde a segurança pública não está tão vulnerável, como a nossa, já está bem avançado o empenhado em adequar a polícia e os policiais para uma atuação mais eficiente e menos lesiva. A polícia dessa era pós-moderna, menos e/ou não-letal nada tem a ver com movimentos pacifistas ou algo do gênero. È, pois, a aplicação da força de modo pragmático, adequado às situações concretas do dia a dia policial. È a força policial livre (bem mais livre) dos riscos (mesmo diante de um facínora, o dever do policial  -  ou seja, do Estado que ele incorpora  -  é prendê-lo e lavá-lo às outras autoridades (ainda que ideologicamente tenha outra “solução” para o caso). Muitas desses equipamentos não-letais (porém muito eficiente) já estão há algum tempo em uso diuturno em muitas polícias no exterior. O crime nos dias atuais exige um bom reequilíbrio entre direitos humanos e reforço legal e material do trabalho policial. Leis, penitenciarias (muitas e pequenas), viaturas apropriadas (e não adaptadas ao sabor do interesse da vendedora) armas de novas concepções, tudo isso deve ser repensado, reformado... Contudo, nada terá bom êxito se não houver forte alteração nos rumos da  formação policial, em todos os níveis e segmentos da polícia (Civil, PM, federais). Por fim, é certo que essa concepção pós-moderna de polícia (instituição/corporação) e policial (indivíduo/profissional) terá, é claro, muitas resistência dada a cultura já bem arraigada nas organizações  policiais  -   os militares também reagiram negativamente, mas ao depois entenderam o avanço profissional. Até no Texas, onde “o Colt é um prolongamento do braço”,  onde  “o homem desarmado está nu”, já se vem assumindo o conceito de polícia não-letal. A polícia que precisamos carece ao lado do preparo profissional (técnico, emocional e jurídico) de opções de meios operativos adequados tecnologicamente ao clima atual de crescente prepotência e organização da bandidagem que se aproveita do vácuo de poder, da sombra deixada pela confusão de discursos e pela perda de finalidades/objetivos. Disputar com o “crime organizado” em termos de armamentos é economicamente complicado e racionalmente inadequado: para eles a baixa de inocentes é bem aproveitada, mas já para a polícia ocorre bem o inverso, é claro.  (Bsb, 12/03/03)


1MAD: Mutually assured destruction (=destruição mútua assegurada).

 

2 É que já na Guerra dos Seis Dias de 1967, os israelenses demonstram que tudo que pudesse ser visto poderia ser atingido e destruído. E, assim, tratou-se de “comprar a noite”, ou seja, de desenvolver-se a visão noturna.

 

3 Vide nosso ensaio: Violência e Crime, Sociedade e Estado, publicado na Revista Informação Legislativa, do Senado Federal, nº 136, out/dez/1997e diversos saites jurídicos.

 

4 Mesmo na era do atual Bush essa lição-constatação persiste, a exceção Iraque/2003 não desautorizou essa verdade já clássica,

 

5 Entre nós o chamamos de crime organizado é ainda a fase primitiva da atividade criminosa (crime por opção “profissional, como estilo de vida) sistematizada, articulada e organizada em bases racionais. O “crime organizado” pós –moderno é tecnológico, globalizado/internacionalizado, internético e movimento capitais volumosos, domina setores estratégicos da vida de país, de uma cidade (freqüentemente serviços públicos de transporte coletivo e seus derivativos), têm controle de algumas ou de muitas “autoridades” administrativa e politicas e até militares. Enfim minam o tecido social e politico e da segurança do Estado (polícia e em última instância as Forças Armadas). Como se vê ainda não temos o crime organizado entre nós, apenas arremedos vestígios alertantes .

 

6 Cf. Alexander, John B. “Future War - Non lethal weapons in twenty-first-Century Warfare”, 1999,

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* Advogado e professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Brasília.

 

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