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O processo de impeachment da presidente da República

O rito do procedimento está regulamentado na lei 1.079/50, como vimos, a não ser que o Supremo derrogue prerrogativa única e indelegável do Congresso Nacional e crie direito novo, em um abominável ativismo judicial.

14/12/2015

1. O termo impeachment é genuinamente inglês. Procurou-se traduzi-lo por acusação, impedimento, impugnação, além de outros. Para Rui Barbosa o termo mais adequado seria “juízo político”. Todavia, dificilmente, faríamos a trasladação correta da palavra impeachment para a língua portuguesa. Daí porque, adota-se a grafia de sua origem.

O impeachment é formal e essencialmente inglês. Originou-se na Inglaterra, se estendeu para outras nações e aclimatou-se, sem dificuldade, nas colônias inglesas na América e depois nos Estados Unidos.

Data do século XIV sua implantação na Inglaterra. A partir do reinado de Eduardo III, a Câmara dos Lordes passou a ter atribuições judiciárias para julgar e afastar altos funcionários do Governo do exercício de seus cargos, pela prática de condutas delituosas. A denúncia era dirigida à Câmara dos Comuns, que decidia pelo seu recebimento ou não. Recebida a denúncia, entrava em ação a Câmara dos Lordes, para o seu julgamento final. Em suma, a Câmara dos Comuns era o órgão acusador e a Câmara dos Lordes o órgão julgador. Aliás, a Inglaterra lhe dava ampla aplicação, pois todos os súditos do Reino ficavam sujeitos ao impeachment, mas se dirigia especialmente às pessoas gradas, aos altos funcionários, e, dentre estes, os ministros de Estado.

Prática semelhante foi adotada na Constituição dos Estados Unidos da América, com a sua adaptação ao regime presidencialista de governo. Isto é, a Câmara dos Representantes, como órgão acusador e o Senado como órgão julgador, nos crimes de responsabilidade do Presidente da República.

2. Em suma, “de um modo geral, o impeachment é o castigo à inidoneidade, a punição ao abuso de confiança, o corretivo à indignidade, à imperícia, à negligencia, à má gestão dos negócios públicos” e à mentira, acrescentamos nós1.

O “mal que o impeachment vai estancar já se realizou. Urge que se evitem outros”.2

3. Entre nós, o "impeachment" já aparecia na Constituição Imperial de 1824 (art. 47), vindo a lei de 15.10.1827 a dispor que o Senado "julgará como um tribunal de justiça" (art. 20).

A primeira Constituição Republicana de 1891 contemplava o impeachment do Presidente da República. A Câmara dos Deputados é o órgão acusador (art. 29) e o Senado o órgão julgador (art. 33).

A Constituição Federal de 1934, também, contemplou o impeachment. Teve vida efêmera e foi substituída pela Carta de <_st13a_metricconverter productid="1937, a" w:st="on">1937, a Polaca, que embora contemplando o impeachment, este jamais poderia ser aplicado, porquanto durante toda a sua vigência, nunca funcionou o Congresso Nacional.

A Constituição de 1946, com pequenas diferenciações, guarda as mesmas linhas do impeachment, na forma do que dispunha a Constituição de 1891. Dirige-se ao Presidente da República quando se trata de crimes de responsabilidade. A Câmara acusa e o Senado Federal julga. Os crimes de responsabilidade que levam o Presidente da República ao impeachment estão elencados no art. 89.

Sob sua vigência, foi promulgada a lei 1.079, de 1950, que dispõe sobre os crimes de responsabilidade e o rito a seguir-se no procedimento do impeachment. Lei esta que foi recepcionada pela vigente Constituição de 1988 e teve aplicação no julgamento do impeachment contra o Presidente Fernando Collor no ano de 1992.

4. A vigente Constituição Federal de 1988, depois de dispor sobre os crimes de responsabilidade (art. 85), prescreve em seu parágrafo único que tais crimes “serão definidos em lei especial que estabelecerá as normas do processo e julgamento”.

De sua parte, reza o art. 86: admitida a acusação contra o Presidente da República, pela Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal nos crimes de responsabilidade”. O Presidente da República ficará suspenso de suas funções, depois da instauração do processo pelo Senado Federal (art. 86, § 1º, n. II). Este afastamento cessará, decorridos 180 dias sem julgamento (art. 86, § 3º).

Quer dizer, a sistemática do impeachment prevalece: cabe à Câmara dos Deputados receber a denúncia e, uma vez recebida, o procedimento continua com o julgamento perante o Senado Federal.

5. Quanto ao rito do impeachment, o art. 19 da lei 1.079/50 determina que, recebida a denúncia pela Câmara dos Deputados, depois de lida na sessão seguinte, será despachada para uma Comissão Especial a ser eleita, com a participação de todos os partidos, respeitada a respectiva proporção. A Comissão se reunirá dentro de 48 horas e depois de eleger seu Presidente e Relator, emitirá parecer dentro de dez dias, sobre se a denúncia deve ou não ser examinada. Dentro desse prazo, poderá a Comissão proceder a diligências que julgar necessárias ao esclarecimento da denúncia (art. 20). O parecer será lido no expediente da Câmara dos Deputados e será publicado, de forma integral no Diário do Congresso Nacional (art. 20, § 1º.). Decorridas 48 horas da publicação do parecer, será este incluído em primeiro lugar na ordem do dia, para discussão única (art. 20, § 2º). Cinco representantes de cada partido poderão falar, durante uma hora, sobre o parecer, ressalvado ao relator da Comissão Especial o direito de responder a cada um (art. 21). Encerrada a discussão do parecer, será submetido a votação nominal, quando poderão ocorrer duas situações:

a) ser arquivada, por entender-se não ser objeto de deliberação;

b) em caso contrário, será remetida cópia autêntica ao denunciante e ao denunciado, “que terá o prazo de vinte dias para contestá-la e indicar os meios de prova com que pretende demonstrar a verdade do alegado” (art. 22).

Findo esse prazo, com ou sem contestação, a Comissão Especial determinará as diligências requeridas, ou que julgar necessárias, e realizará as audiências para a tomada de depoimentos das testemunhas de ambas as partes (denunciante e denunciado) (art. 22, § 1º), Finda a instrução, a Comissão Especial emitirá parecer, no prazo de dez dias, pela procedência ou improcedência da denúncia (art. 22. § 2º). O parecer será incluído na ordem do dia da sessão imediata e será submetido a duas discussões, com o interregno de 48 horas entre uma e outra (art. 22, § 3º). Encerrada a discussão do parecer, será o mesmo submetido à votação nominal, não sendo permitidas questões de ordem, nem encaminhamento de votação (art. 23). Se da aprovação do parecer resultar a procedência da denúncia, “considerar-se-á decretada a acusação pela Câmara dos Deputados” (art.23. § 1º) e decretada a acusação será o denunciando intimado, imediatamente.

Muitos estudiosos do impeachment comparam o decreto de acusação por parte da Câmara dos Deputados, à sentença de pronúncia no processo penal.

Nesse exato momento, finda-se a tramitação do impeachment na Câmara dos Deputados. A segunda etapa se refere ao julgamento por parte do Senado Federal. Isto é, a acusação já se encontra formalizada, restando ser julgada.

6. Recebido no Senado o decreto de acusação, segue-se o rito estabelecido nos artigos <_st13a_metricconverter productid="24 a" w:st="on">24 a 36 da lei 1.079/50. A sessão do Senado, no julgamento do decreto de acusação, será presidida pelo Presidente do STF.

7. Do que restou exposto, temos a previsão constitucional do impeachment nos crimes de responsabilidade do Presidente da República, bem como o rito estabelecido pela lei 1.079/50.

8. Procura-se, especialmente, por parte de partidos alinhados à base governamental, judicializar-se o impeachment, com pletora de medidas dirigidas ao Supremo Tribunal Federal, como se este Tribunal, no dizer autorizado do Ministro Gilmar Mendes, viesse a ocupar o lugar de uma nova “Casa da Suplicação”.

Aliás, bom que se advirta a qualquer incauto lidador do Direito, o que disse o notável e saudoso ministro Orosimbo Nonato, no julgamento do Supremo, no MS 3.557, impetrado pelo ex-Presidente João Café Filho:

“O Poder Legislativo é, quanto ao impeachment previsto e regulado na Constituição, mediante processo, no caso inobservado, e defesa, no caso inconcedida, discricionário e soberano. Decide aqui como poder supremo. O seu julgamento, posto se desenvolva dentro de normas impostergáveis (trata-se de processo "quase criminal"), é político e sobranceiro à revisão do poder judicial".

"O seu discricionarismo, no caso, não depara limitações no Poder Judiciário, fato tão assimilável e conspícuo que, em razão dele, o Prof. Pinto Antunes, em livro cuja segunda edição acaba de aparecer, considera o Legislativo o primaz dos Poderes, e denomina o nosso sistema político de congressualista".3

Naquele julgamento, há ainda o parecer do procurador-Geral da República, recordando que o saudoso professor Brochado da Rocha ensinava que os "deveres do Congresso, segundo o esquema da nossa Lei Maior, são tão grandes, como a grandeza da própria Nação", acrescentando a seguir que "ele é a chave do nosso Governo representativo, acusa e julga - pelo processo extraordinário do impeachment - o Chefe do Estado e os membros do Supremo Tribunal Federal".

Daí porque, o r. parecer, então exarado, conclui que contra atos de tal natureza do Congresso Nacional "ninguém poderá ser titular de direito líquido e certo, único que poderia ser protegido por mandado de segurança".4 A prática constitucional, aliás, tem mostrado que "os atos do Governo que se puderem identificar como questões políticas estão excluídos da apreciação judiciária e, portanto, do mandado de segurança".5 Isto porque, "cada Poder do Estado tem a sua índole peculiar, inerente à função que exerce na organização política de cada país. E dentro dos limites desta sua competência específica, qualquer outro Poder exorbita, ali penetrando".6 Gonzalez Calderon, ao discorrer sobre o "impeachment", dizia: "La naturaleza del juicio politico fué claramente y con minuciosidad definida por el Senador norte-americano Mr. Summer, en el caso del Presidente Johnson: "En su verdadero carácter, el juicio politico, tal como ha podido entenderlo y debe declararlo - dijo - es un procedimiento político, con propositos politicos, que está fundado en culpas politicas, cuya consideración incumbe a un cuerpo politico y subordinado a un juzgamiento politico tan solo".7 Já em 1900, Gabriel Luiz Ferreira assentou, com apoio unânime do Congresso Jurídico Americano, reunido no Rio de Janeiro, que "o impeachment é uma instituição de direito constitucional e não de direito penal"; enquanto o clássico Story já ensinava: “el procedimiento de estas acusaciones (impechment) es de naturezala politica”, vindo Campbell Black a proclamar: “The nature of this punishment (impechment) is political only”.8

9. Diante do que restou exposto sobre o impeachment, assusta a Comunidade Jurídica responsável, a conduta do ministro Fachin em dar por suspenso o procedimento do impeachment na Câmara dos Deputados, alardeando que na próxima quarta-feira (dia 16) irá apresentar um “rito” para o impeachment. Com todo respeito, não cabe ao ilustre ministro Fachin apresentar “rito” algum, pois o rito do procedimento está regulamentado na lei 1.079/50, como vimos, a não ser que o Supremo derrogue prerrogativa única e indelegável do Congresso Nacional e crie direito novo, em um abominável ativismo judicial, substituindo-se ao Constituinte e ao Legislador ordinário. Se tal ocorrer, não será difícil impugnar a implantação de uma das mais graves crises institucionais entre dois Poderes do Estado brasileiro. Ninguém, em sã consciência, pode desejar que isso ocorra.

De outra banda, a Procuradoria-Geral da República requereu a anulação da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, enquanto a Presidente da República, atabalhoada e assustada, pedia à Suprema Corte a garantia de defesa prévia e que a aprovação do impeachment pela Câmara dos Deputados não vincularia a decisão do Senado. Santo Deus, todas essas medidas parecem-me próprias de rábulas e não de juristas, que são obrigados a conhecer a lei, mediante razoável leitura. Pois bem, basta a leitura da lei 1.079/50, para saber-se que deflagrado o impeachment, neste momento procedimental a única providência a ser feita é a constituição de uma Comissão Especial para examinar a denúncia e analisar seus requisitos. Não há qualquer defesa prévia prevista na lei. Tal defesa irá ocorrer em outra fase procedimental, durante a tramitação da denúncia e a até a sua formalização final como peça acusatória.

A outra pretensão – o juízo acusatório formalizado pela Câmara dos Deputados não vincularia a decisão do Senado – contraria, flagrantemente, a Constituição. Demonstramos que o impeachment tem duas fases distintas e que se desenvolvem diante de dois órgãos com funções definidas. A primeira fase se desenvolve perante a Câmara dos Deputados, que agirá como órgão acusador e a segunda tem sua sede no Senado Federal, onde se procederá ao julgamento do impeachment. Na Câmara dos Deputados a acusação estará formalizada. Ao Senado caberá, tão somente, julgá-la, procedente ou improcedente. Nem a Constituição, nem a lei, investe o Senado de poderes para rever a acusação.

O art. 86 da Constituição dispõe que “admitida a acusação contra o Presidente da República por dois terços da Câmara dos Deputados” será ele submetido a julgamentoperante o Senado Federal nos crimes de responsabilidade”. Quer dizer, quando o procedimento do impeachment chega ao Senado Federal, a acusação já foi admitida pela Câmara dos Deputados. O Senado Federal é órgão julgador, tão somente. Não poderá rever a acusação já admitida pela Câmara dos Deputados.

Desmorona-se e cai por terra a tese urdida pelos arquitetos da confusão generalizada de nossas Instituições, a serviço de um projeto hegemônico de Poder que acabou por levar os brasileiros à maior crise institucional, política, econômica e moral de nossa História.

Finalizo com as palavras ditas por um dos mais notáveis, excelsos e brilhantes ministros do Supremo Tribunal Federal em toda a sua história – OROSIMBO NONATO, em magnífico voto que proferiu no MS interposto pelo Presidente Café Filho:

“O Supremo Tribunal só é supremo, nas questões de sua competência. Não é poder limitador, moderador ou pervisor.

E deve não vulnerar, senão guardar, a todo poder que possa, o princípio supremo da divisão e harmonia dos poderes.

Princípio supremo e as vezes de difícil prevalência. As democracias vivem belamente, mas perigosamente. Seu equilíbrio depende da harmonia e da expansão normal dos poderes, tantas vezes irresistentes às tentações de abusos e hipertrofias.

O jogo delicado dos freios e contrapesos só nas democracias de alto nível se mantém em equilíbrio e primor.

Possam os juízes guardar com inflexibilidade as arraias de sua competência, defendendo-as contra todas as invasões e contenham-se a si próprias no círculo constitucional de sua atividade.

Para o juiz não pode haver julgamentos históricos que o levem a quebrar o molde de seus julgamentos e a alterar o critério de suas determinações.

De certo que, cidadão, não se acha o juiz em torre de marfim inatingível.

Convocará, entretanto, todas as energias de sua alma para nem ceder, envilecido, aos poderosos do Olimpo, nem se deixar colher nas malhas das seduções da popularidade.

Sua arma é a lei, a Constituição, o prêmio que deve ambicionar, supremo é o testemunho de sua consciência, que é a glória dos justos, no dizer do Apóstolo”.9

______________

1 LAURO NOGUEIRA, Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro, Ed. Borsoi, Rio, vol. 25, pg.187.

2 Idem,.

3 Apud Edgard Costa, "Os Grandes Julgamentos do Supremo Tribunal Federal", Ed. Civilização Brasileira, Rio, 1964, tomo III, pg. 415).

4 Idem, pg. 370.

5 Castro Nunes, Do Mandado de Segurança”, Ed. Forense, Rio, 2ª. ed., n. 50, pg. 99.

6 Themístocles Brandão Cavalcanti, Do Mandado de Segurança, Ed. Freitas Bastos, Rio, 2ª. ed., pg. 111.

7 Repertório Enc. do Direito Brasileiro, Ed. Borsoi, Rio, ed. sem data, vol. 25, pg. 183.

8 Idem, pg. 185.

9 Edgard Costa, ob. cit., pg. 414.

______________

*Ovídio Rocha Barros Sandoval é advogado do escritório Rocha Barros Sandoval & Ronaldo Marzagão Sociedade de Advogados.

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