Migalhas de Peso

Baboseiras destemperadas e “impiche"

Hoje, que visão tem o mundo do Brasil, a partir das baboseiras destemperadas dos nossos dois últimos presidentes?

2/12/2015

Nestes últimos dias aqui no Brasil uma enorme série de acontecimentos em diversos campos, especialmente no político, tem deixado os jornais impressos obsoletos em muitas das suas matérias tão logo chegam às bancas ou às casas dos assinantes. Mas o assunto desta crônica continua em dia porque o seu alvo principal é mais perigoso do que a famosa caixa de “Pândora”, como ele mesmo disse em viagem recente ao exterior. Vamos lá.

A história nos mostra que uma significativa amostra dos nossos governantes, desde as priscas eras da descoberta destas terras não pode ser considerada como formada por bons exemplos para seus súditos ou concidadãos. Desconfia-se que D. João VI jamais terá tomado um banco de corpo inteiro. Usava as mesmas roupas até ficarem completamente rotas, depois que seus alfaiates não conseguiam mais remendá-las no próprio corpo daquele monarca. Ainda por cima, ele enchia os bolsos do seu casaco com sua iguaria mais apreciada, franguinhos assados, no qual limpava os seus dedos gordurentos. D. Pedro I teria sido um frequente protagonista de escândalos do modelo “Clinton” se houvesse imprensa independente no seu tempo, podendo se dizer, no entanto, que ninguém se preocupava muito com o que ele fazia fora do leito conjugal. Nem mesmo a famosa frase “Independência ou Morte!” jamais teria sido proferida por ele ou por qualquer outra pessoa, pois no momento em que o Imperador recebeu as más notícias encontrar-se-ia agachado no matinho com as calças na mão porque teria sido acometido de uma disfunção intestinal.

Nesse campo de frases a mais expressiva parte dos nossos governantes das últimas décadas não nos deixou ditos de grande sabedoria que serviriam de inspiração para as gerações futuras, pelo contrário, elas podem ser usadas como modelo negativo para o ensino dos nossos filhos e netos. Fazem-nos muita falta alguns Churchils e De Gaulles1.

Uma característica que pode corresponder ao medíocre frasismo governamental brasileiro diz respeito ao fato de que nossos representantes têm sido das duas uma, semi-glotas ou monoglotas, além de não muito dados aos livros. Aliás, ler dá azia, já disse nosso ex-presidente. Veja-se adiante o caso atribuído a Eurico Gaspar Dutra.

Pode não passar de uma lenda urbana, mas corria nos corredores do Itamaraty a história de um fato que teria ocorrido durante a visita do presidente Harry Truman ao Brasil em 1947. Sendo o nosso presidente monoglota, o cerimonial do Itamaraty recomendou a Dutra que, quando fosse cumprimentado pelo colega americano, respondesse da mesma forma. E assim teria acontecido, começando por Harry Truman ao dizer: “How do you do, Dutra?”. E a resposta de Dutra teria sido: “How tru you tru, Truman?”.

Segundo consta, na reciprocidade à visita do presidente americano ao Brasil, Dutra viajou para os Estados Unidos quando, no quarto do hotel no qual se encontrava hospedado, ao ouvir alguém bater na porta dizia “Between!”.

Anos depois, perguntado por que bebia, Jânio Quadros disse que “bebia porque era líquido. Se fosse sólido comê-lo-ia”. E quando indagado das razões da sua renúncia teria dito “Fi-lo porque qui-lo”. Mais malcriado em outra ocasião, tendo-se desentendido com uma jornalista Jânio disse-lhe que “Intimidade gera aborrecimentos e filhos. Com a senhora não quero ter aborrecimentos e muito menos filhos. Portanto, exijo que me respeite”.

O general Costa e Silva teve a honra de receber no Brasil a inefável rainha da Inglaterra (e bota inefável nisto, como sabe muito bem sempre esperançoso Príncipe Charles). Primeiro ele desejou “buenas tardes” à Elizabeth II (ao mesmo tempo em que nossa primeira-dama, D. Iolanda declarava que o Príncipe Phillip era um pão). Mais tarde, no momento do brinde Costa e Silva levantou a taça e somente conseguiu dizer “God... God... the Queen”.

João Figueiredo teria dito em certo momento que “preferia o cheiro de cavalos ao cheiro do povo.” Em primeiro lugar, sabe-se que o povo brasileiro é um dos mais asseados do mundo, o que é muito bem conhecido da indústria de sabonetes, desodorantes e perfumes, áreas nas quais nos encontramos no topo mais alto do consumo mundial. Daí a impropriedade daquele nosso ex-presidente. Dizem que ele seria meio burro, mas o fato é que, cavalariano, se tornou um dos poucos “tríplices coroados” do exército brasileiro, tendo sido aprovado em primeiro lugar em três cursos militares (Escola Militar, Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais e Escola do Estado Maior do Exército). Acho que não eram escolas do tipo “PP” (pagou, passou).

José Sarney, mostrando porque sobrevive há tantos anos no poder, afirmou certa vez que “Governo é como violinha: você toma com a esquerda e toca com a direita.” Pobre Maranhão, lugar onde, segundo o mesmo autor, “depois dos 50, não se pergunta a alguém como está de saúde. Pergunta-se onde é que dói.” O governo dele nos dói até hoje.
E Collor, ora Collor. Acossado pelo movimento que o levaria para fora do governo, disse não temer ninguém, afirmando que “tinha aquilo roxo”. Essa cor roxa para mim não seria indicativo de pujança na área indicada, mas de doença. Em todo o caso para a purgação dos nossos pecados, ele quase que se foi de uma vez, o que não aconteceu porque voltou ao cenário pelos braços do povo alagoano.

Outro monoglota, Itamar Franco, sob este aspecto foi acertadamente nomeado embaixador brasileiro em Portugal depois da sua presidência. Diz-se que não seria muito inteligente, tanto que ficou conhecido por um programa de TV da época como Devagar Franco e que ao invés de um cachorro, tinha uma tartaruga de estimação chamada The Flash, que levava para passear pela coleira. Ele nos tornou negativamente internacionais, visto por multidões de estrangeiros quando foi flagrado em cenas extremamente constrangedoras de um carnaval, na companhia de uma moça que estava despida do seu underwear. Depois da presidência veio também a ser nomeado embaixador do Brasil na OEA, tendo passado a residir em Washington. Corre a história de que quando os amigos pediam que informasse o seu endereço ele dizia que era muito fácil: morava na esquina da Rua Walk com a D’ont Walk.

Fernando Henrique Cardoso, homem muito culto e poliglota não escapou de gafes, ainda que fora do campo da linguagem. Durante cerimônia de abertura do 10º Fórum Nacional, em 1988, ele afirmou que as pessoas aposentadas com menos de 50 anos eram vagabundos porque se locupletariam de um país de pobres e miseráveis. Eu ainda estava na ativa e como me aposentei depois de completar meio século de existência, a frase não me atingiu retroativamente. Aliás, eu trabalho até hoje e tenho Tomie Otake e Oscar Niemeyer como meus bons exemplos. Afinal de contas não só cabeça vazia, mas cabeça parada também é oficina do diabo e daquele alemão o Alzheimer.

Mas depois de Fernando Henrique veio o dilúvio verbal em três fases, duas do presidente Lula e uma e pouco (por enquanto) da presidente Dilma2.

O nosso ex-presidente produziu mais abobrinhas do que qualquer produtor rural. Vejamos: (i) no plano geográfico ele disse uma vez que o Brasil somente não tinha fronteira com o Chile, o Equador e a Bolívia. (ii) No setor de suas pesquisas históricas elas mostraram que Napoleão havia estado na China: “Quando Napoleão foi à China, ele cunhou uma frase que ficou famosa. Ele disse: A China é um gigante adormecido que o dia que ele acordar, o mundo vai tremer. (iii) Duas de natureza política; uma quando disse que havia viajado ao Gabão para aprender como um presidente conseguiu ficar durante 37 anos no poder e ainda se candidatar à reeleição. Outra quando declarou que na Venezuela havia excesso de democracia, qualidade que, como se sabe, é o apanágio daquele país, nos últimos dias mais conhecido pelo parentesco cocalero de dois sobrinhos do inefável Maduro (aliás, acho que ele já está há muito tempo em outra fase das frutas passadas). (iv) Uma no ramo do comércio exterior, quando do episódio da denúncia do pagamento de propina por frigoríficos brasileiros aos russos: Disse ele: “Certamente o embaixador russo soube. Certamente contou ao Putin, E certamente o Putim ficou meio ‘putim’ com o Brasil”. (v) Outra sobre a sua natureza humilde, quando afirmou em 2004, no dia internacional da mulher, que era “filho de uma mulher que nasceu analfabeta”. Em claro contraste com as mães da zelite, que já nasceram letradas; (vi) E esta de cunho cripto-racista, sobre a crise financeira de 2008, quando se encontrou com o primeiro ministro Britânico, Gordon Brown, ocasião em que disse: “É uma crise causada por comportamentos irracionais de gente branca, de olhos azuis, que antes parecia saber de tudo e que, agora, demonstra não saber de nada. Não conheço nenhum banqueiro negro ou índio.”

Do seu lado, tendo sido confessadamente o poste eleito por Lula, nossa atual presidente tem batido o recorde de gafes em todas as áreas possíveis da comunicação humana, o que a torna campeã absoluta na área, digna de um premio Nobel de abobrinhas. Tais gafes memoráveis nem precisam ser aqui enumeradas em seus pormenores porque fazem parte do anedotário recente da memória política brasileira. E estão à disposição nas redes sociais. Todos se lembram da saudação da mandioca e do milho; que em relação a certo assunto iria trabalhar “diurna e noturnamente”; da questão da meta aberta que seria aberta e uma vez atingida seria dobrada; da dificuldade de se colocar a pasta de dente de volta no tubo depois que dele foi espremida; da tentativa de golpe à moda paraguaia que está enfrentando no momento, tendo feito referência ao afastamento do ex-presidente Lugo; à existência da mulher sapiens, ao lado do homo sapiens, até então desconhecida pela paleontologia; da contribuição da ciência para o progresso da humanidade desde a arca de Noé até hoje. E por aí seguem as frases desconexas da presidente, em quantidade tão grande que será preciso uma pen-drive com infinita capacidade de memória para guardar todas elas.

A mais grave das afirmações peremptórias da presidente e motivo de vergonha para todos os brasileiros foi o seu discurso na abertura dos trabalhos da ONU neste ano, em que defendeu a busca de uma tecnologia para a “estocagem do vento”, tendo em conta a crise energética mundial. Assim sendo, ciência terá de se desdobrar para encontrar um substituto eficiente do aparelho digestivo dos animais, onde gases naturalmente são estocados. Eu gostaria de estar presente no plenário da ONU naquele fatídico dia. Desejaria ter visto no rosto dos presentes a sua reação a tamanhos despautérios. Tantos foram que alguns intérpretes devem ter sido despedidos por falta alegada de competência no seu trabalho, já que ninguém poderia acreditar no que ouviam em seus fones de ouvido.
Ora, cabe ao presidente da nossa República representar o País com dignidade e decoro. Aliás, isto é o que tem faltado nestes três últimos governos e mais um pedaço do atual, ou seja, a dignidade do cargo e o respeito à população brasileira, que se sente envergonhada diante de situações constrangedoras que temos vivido com as gafes que se multiplicam ao infinito. No primeiro momento nós rimos. Quem não riu até chegar às lágrimas com os vídeos do culto à mandioca e ao milho e o do macaquinho nervoso, que seria o responsável pelo teleprompter das falas da presidente? Sim, rir, rir desbragadamente. Mas depois chorar grossas lágrimas, envergonhados pela imagem caricata que é feita de nós brasileiros no exterior. Nos anos 90 éramos do país da lambada. Hoje passamos para o da propina.
Mais antigamente a nossa fama internacional era a de um país no qual a impunidade tinha nível constitucional. Em que o Rio de Janeiro estava cheio de belas mulheres a serem desfrutadas, no sonho de gangsters de filmes americanos que para cá fugiam. Cidade também de um carnaval alienado, no qual tudo era possível. Mesmo que serpentes cruzassem as ruas e os índios pudessem tirar o nosso escalpo em Copacabana, o atrativo era muito forte.
Hoje, que visão tem o mundo do Brasil, a partir das baboseiras destemperadas dos nossos dois últimos presidentes? Eles, a par disto, desmontaram completamente uma economia que se encontrava em reorganização, em troca do jogo da perpetuidade no poder, podendo para isto fazer o diabo, diabo que veio na forma de um propinoduto sem fim, mais espalhado em nossas fronteiras e até fora delas pelo mal de uma desonestidade generalizada, mais catastrófico do que foi a peste negra na Europa medieval. É por isto que eu defendo o impiche da presidente do atual governo e do impedimento do seu criador para que não possa participar eternamente de futuras eleições. Ninguém merece!

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*Impiche, neologismo por mim criado que nos permite superar o termo equivalente no inglês, tão difícil de pronunciar pelo nosso povo, sem sua culpa. O termo impedimento também não é apropriado porque lembra diretamente o futebol. E isto porque, afinal de contas, todas as nossas mães nasceram analfabetas (e nossos pais também). E a nova palavra é bem apropriada porque ela lembra piche, que vem do petróleo e que recorda o ato de derramar sobre malfeitores o conteúdo de um barril do dito produto e enfeitá-los com penas, fazendo-os desfilar pelas ruas principais da cidade. Uma boa prática a ser imediatamente retomada. Afinal de contas, a decisão da justiça deve ir logo para as ruas.

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1 “O Brasil não é um país sério”, lembram-se?

2 “Presidente” e não “Presidenta”, na melhor expressão da norma culta. Aliás, se você deseja identificar um seguidor de nossa atual governante, é só verificar como interlocutor a ela se refere, no masculino ou no feminino fabricado. No último caso você invariavelmente está diante de um petista ou de um simpatizante. De qualquer maneira, na atual situação que ela atravessa, pode-se dizer que ela não esta nada “contenta”.

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*Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa é professor Sênior de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP.

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