Step-in rights na lei de concessões
Leonardo Miranda da Silva*
Não por outra razão, muitos desses projetos envolvendo concessão com construção civil são estruturados sob a forma de project finance, modalidade de estruturação de projeto em que se busca concentrar as obrigações do projeto numa unidade jurídica e econômica específica (a special purpose company, ou “SPC”).
Com isso, essas estruturas financeiras costuradas para viabilizar os projetos de capital intensivo e de longo prazo, especialmente os que envolvem alguma forma de outorga governamental para que o projeto possa operar (ex. concessão, autorização, permissão, etc.), dependem, fundamentalmente, da satisfação dos financiadores quanto à estrutura do projeto.
Daí, portanto, a relevância, por exemplo, de mecanismos como o pacote de garantias do projeto (que incidirão sobre os ativos, contas, recursos, seguros, valores mobiliários, garantias governamentais, etc.) e, num mesmo nível, da possibilidade dos financiadores assumirem a SPC caso haja algum inadimplemento ou evento de inadimplemento causado pela SPC no âmbito da outorga governamental (e, de preferência, também no âmbito dos contratos de financiamento).
Esse segundo mecanismo mencionado acima, que possibilita aos financiadores do projeto/concessão assumirem, preferencialmente (com relação ao poder concedente), a condução da SPC caso ocorra algum inadimplemento ou evento de inadimplemento, é conhecido no jargão de project finance como step-in rights e tem como objetivo primordial evitar a rescisão do contrato e a conseqüente interrupção do fluxo de caixa necessário à quitação das dívidas do projeto.1
Quando há a inserção desse tipo de direito no arcabouço jurídico que rege as concessões, em qualquer sistema jurídico, reconhece-se que quanto mais segurança tiverem os financiadores dos projetos, maior a tendência de redução dos custos e da disponibilidade de crédito no mercado de project finance2.
No Brasil, a Lei nº 11.079 de 2004 (“Lei das PPPs”), que trata das parcerias público-privadas, inovou ao trazer o instituto do step-in rights ao sistema jurídico brasileiro. Com efeito, a Lei das PPPs possibilita a inclusão, nos contratos de PPP, dos “requisitos e condições em que o parceiro público autorizará a transferência do controle da sociedade de propósito específico para os seus financiadores, com o objetivo de promover a sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços”.
“Art 27 ..............................................................
§1o Para fins de obtenção da anuência de que trata o caput deste artigo, o pretendente deverá:
I - atender às exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço; e
II - comprometer-se a cumprir todas as cláusulas do contrato em vigor.
§2o Nas condições estabelecidas no contrato de concessão, o poder concedente autorizará a assunção do controle da concessionária por seus financiadores para promover sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços.
§ 3o Na hipótese prevista no § 2o deste artigo, o poder concedente exigirá dos financiadores que atendam às exigências de regularidade jurídica e fiscal, podendo alterar ou dispensar os demais requisitos previstos no § 1o, inciso I deste artigo.
§ 4o A assunção do controle autorizada na forma do § 2o deste artigo não alterará as obrigações da concessionária e de seus controladores ante ao poder concedente.” (grifos nossos)
Introduziu-se, portanto, também na concessões fora da Lei de PPPs, o step-in right, com os seguintes traços:
(i) necessidade de previsão – inclusive termos e condições - no contrato de concessão,
(ii) SPC deve estar com a sua situação financeira fragilizada3,
(iii) financiadores devem atender aos requisitos de capacidade jurídica e fiscal,
(iv) manutenção do status quo das obrigações assumidas pela concessionária e seus controladores junto ao poder concedente.
Basicamente, a lei autoriza a possibilidade do step-in right, ressalvando, contudo, todos direitos do poder concedente no âmbito do contrato de concessão, que não poderão ser alterados em razão do exercício do step-in right.
Embora inquestionável a relevância dos termos que constam em (ii) a (iv) no décimo parágrafo acima, o item (i) traz o que de mais crucial está envolvido na questão dos step-in rights, ou seja: Como implementá-los? Em que bases? Quando poderão ser exercidos?
Ficará, portanto, a critério do poder concedente, em cada contrato de concessão, a boa inserção desse direito fundamental às operações de project finance no mundo todo.
______________
1 O documento Standardisation of Contracts, elaborado e publicado pelo governo britânico (H.M. Treasury) no âmbito do seu programa de Private Finance Initiative, resume bem, no seu item 30.1.2 (transcrito abaixo), o espírito que norteia as disposições sobre step-in rights. “30.1.2 The concern of the Senior Lenders is that they have financed the Project on the basis of projected cash flows and if the Contract (under which these cash flows are agreed to be paid) is terminated, they will only have rights against the Sub-contractors and to amounts in the bank accounts of the Contractor as security for their financing. They will not, typically, have any rights to sell the Assets, as would be the case in may types of secured financings.
2 Não pretendemos, com isso, afirmar que o “preço do crédito” para projetos de capital intensivo depende apenas do arcabouço jurídico favorável a esse tipo de projeto. Apenas, salientamos a importância do desenvolvimento desses mecanismos jurídicos para o crescimento sustentável de um mercado de project finance, notadamente em países com economia emergente.
3 Ou seja, questões meramente operacionais, ainda que gerem descumprimento do contrato de concessão, não legitimariam o step-in right.
_________________
*Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados
* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
© 2006. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS