Em agosto de 2015, a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino – Confenen – interpôs a ADIn 5357 no STF com o objetivo de obter a declaração da inconstitucionalidade da obrigatoriedade das escolas privadas oferecerem atendimento educacional adequado e inclusivo às pessoas com deficiência (§1º, do artigo 28 e do caput do artigo 30 da lei 13.146/15 – lei brasileira de inclusão), sem que o ônus financeiro seja repassado às mensalidades, anuidades e matrículas. A Confenen requereu, cautelarmente, a suspensão dos artigos supracitados, sob o argumento de que eles estabeleceriam medidas de alto custo para as escolas privadas, o que acarretaria o encerramento das atividades de diversas escolas particulares e violaria dispositivos constitucionais.
Logo após a propositura da ADIn 5357, a OAB/DF, única seccional no Brasil que possui uma Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Autismo (pessoas com deficiência para todos os efeitos legais, nos termos da lei 12.764/12), recebeu inúmeros contatos de familiares de autistas e advogados de todo Brasil com questionamentos sobre as consequências da aludida ação de inconstitucionalidade. Nesse sentido, considerando que dentre as finalidades da Ordem dos Advogados do Brasil figuram a defesa da Constituição, da ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, dos Direitos Humanos, da justiça social, e de pugnar pela boa aplicação das leis (art. 44, da lei 8.906/94), o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil acertadamente pleiteou o ingresso na figura de amicus curiae na ADIn 5357, que foi prontamente deferido pelo MM. ministro relator Edison Fachin.
Na última sexta-feira, 20/11, a medida cautelar pleiteada pela Confenen foi indeferida, em virtude da ausência da fumaça do bom direito e do periculum in mora. Em suas razões, o MM. Ministro Relator ressaltou que a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência – promulgada pelo decreto 6.949/09 e incorporada em nosso ordenamento jurídico com status de emenda constitucional – possui o propósito de promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, promovendo o respeito pela sua inerente dignidade.
Ademais, o MM. Ministro Relator aduziu que apesar de o serviço público de educação ser livre à iniciativa privada, ou seja, independe de concessão ou permissão, tal fato não significa que os agentes econômicos que o prestam possam fazê-lo ilimitadamente ou sem responsabilidade. “É necessária, a um só tempo, a sua autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público, bem como o cumprimento das normas gerais de educação nacional - as que se incluem não somente na lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB) (...)”, pontua Fachin. Nesse sentido, a liberdade da iniciativa privada deve cumprir as exigências legais e não pode se sobrepor ao direito à educação, à igualdade e à inclusão social, previstos constitucionalmente e em tratados internacionais.
Ainda em sede de cognição sumária, O MM. ministro relator afirmou que a Lei Brasileira de Inclusão, ao contrário do que afirma a Confenen, assume “o compromisso ético de acolhimento e pluralidade democrática adotados pela Constituição ao exigir que não apenas as escolas públicas, mas também as particulares deverão pautar sua atuação educacional a partir de todas as facetas e potencialidades que o direito fundamental à educação possui (...)”. O Ministro, por conseguinte, condenou a discriminação e a exclusão da pessoa com deficiência, confirmando que “(...) somente com o convívio com a diferença e com o seu necessário acolhimento que pode haver a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, em que o bem de todos seja promovido sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (Art. 3º, I e IV, CRFB).”
Nesse diapasão, vislumbra-se que o indeferimento da cautelar pleiteada pela Confenen foi consubstanciado não apenas por fundamentos jurídicos, como também pela sensibilidade do douto MM. Ministro Fachin na medida em que concluiu que “(...) à escola não é dado escolher, segregar, separar, mas é seu dever ensinar, incluir, conviver.” Para 40 milhões e 600 mil brasileiros (pessoas com deficiência de acordo com o Censo do IBGE/2010 – sem contabilizar as pessoas com autismo que à época não eram consideradas pessoas com deficiência) e seus familiares, o indeferimento da cautelar não é uma mera decisão precária, mas oportunamente sinaliza que a Suprema Corte brasileira não os abandonará e não admitirá qualquer segregação ou discriminação contra as pessoas com deficiência no âmbito escolar.
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