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Responsabilidades do sócio ingressante na Sociedade Limitada

Apesar de possíveis reflexos de um negócio já constituído, ingressar em sociedade que já está em andamento é uma decisão de risco.

11/11/2015

Como se sabe, toda sociedade personificada deve, ao menos em princípio, adimplir a totalidade dos compromissos que assumiu com o seu próprio patrimônio social. Nas sociedades empresárias limitadas, tem-se a regra geral de que a responsabilidade dos sócios, em relação à sociedade, é apenas subsidiária, de maneira que aqueles (os sócios) somente serão chamados para solver os débitos sociais caso fique caracterizada a insolvência da sociedade – é o chamado benefício de ordem –, e o farão somente até o limite do capital social subscrito e ainda não integralizado. Isso advém da literalidade dos artigos 1.024, 1.052 e 1.053 da lei 10.406/02, o CC.

Necessário ressaltar que cada sócio, individualmente, somente tem responsabilidade plena sobre o capital por ele não integralizado, mas todos os sócios serão responsáveis solidários entre si perante terceiros até o limite da plena integralização do capital social da sociedade. Ou seja, havendo insolvência da sociedade e restando capital subscrito e ainda não integralizado por algum sócio, o patrimônio de qualquer outro sócio poderá ser atingido1, restando a esse exigir reparação ao sócio inadimplente (direito de regresso).

Há, todavia, algumas exceções à regra da limitação da responsabilidade dos sócios. Vejamos quais são as principais delas:

(a) a regra da "desconsideração da personalidade jurídica" prevista no art. 50 do Código Civil, segundo a qual o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, possibilita ao juiz decidir pela extensão dos efeitos de certas obrigações aos bens particulares dos sócios e administradores;

(b) o art. 28 da lei 8.078/90 (CDC), o art. 4º da lei 9.605/98 e o art. 34 da lei 12.519/11, que trazem, grosso modo, o mesmo que o art. 50 do CC, mas propriamente em relação às suas tutelas específicas, quais sejam, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente e a defesa da concorrência;

(c) o art. 1.055, § 1º, do CC, segundo o qual os sócios respondem solidariamente pelo valor estimativo dos bens utilizados para integralização do capital social, até o prazo de 05 (cinco) anos;

(d) o art. 1.080 do CC, que coloca que as deliberações contrárias à lei ou ao contrato social em reuniões ou assembleias implicarão em responsabilidade ilimitada dos sócios que as aprovaram;

(e) os artigos 134 e 135 da lei 5.172/66 (Código Tributário Nacional – CTN), que impõem, respectivamente, (i) a solidariedade entre a sociedade e os sócios pelos atos nos quais estes intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis, em caso de liquidação, quando for impossível a exigência do contribuinte, e (ii) a responsabilidade pessoal dos sócios e administradores pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos – gerando o chamado redirecionamento; e

(f) a jurisprudência da Justiça do Trabalho, que, com base na natureza alimentar do crédito trabalhista e nos artigos 8º e 10 do decreto-lei 5.452/43 (CLT), tem dito que os sócios e administradores das limitadas podem responder ilimitadamente pelos débitos dessa categoria.

Com a ciência de como se divide a responsabilidade entre a sociedade empresária limitada e os seus sócios, é possível uma melhor compreensão do tratamento dado ao novo sócio, isto é, ao sócio que está ingressando numa sociedade preexistente dessa natureza.

O art. 1.025 do CC – que se refere às sociedades simples e, como tal, deve ser utilizado como norma subsidiária das sociedades limitadas sempre que cabível (é o que diz o já mencionado art. 1.053 do mesmo diploma) –, estabelece o seguinte: "o sócio, admitido em sociedade já constituída, não se exime das dívidas sociais anteriores à admissão".

Assim, havendo subscrição ou cessão2 de quotas sociais, o novo sócio, além de ser pessoalmente responsável pela integralização das suas quotas, também terá, solidariamente com os demais sócios, responsabilidade subsidiária pelo cumprimento das obrigações assumidas pela sociedade, incluindo as anteriores à sua entrada, até o limite do valor restante para a total integralização do capital social (isso abrange, repita-se, o valor não integralizado por outros sócios, ainda que ressalvado o direito de regresso em relação àqueles).

Tal possibilidade de responsabilização por obrigações sociais anteriores ao seu ingresso, enquanto pendente a integralização de quotas sociais (pelo ingressante ou por outro sócio), já justifica, por si só, o cuidado que o novo sócio deve dispensar na avaliação da sociedade em que está subscrevendo quotas, ou da qual as está adquirindo. Mas a norma do art. 1.025 do CC não interessa somente ao novo sócio de sociedades cujo capital social não se encontra plenamente integralizado; interessa ao sócio que está ingressando em qualquer sociedade limitada, por conta das exceções à regra da limitação de responsabilidade.

Quando analisamos as exceções à regra geral de responsabilidade nas sociedades limitadas, observa-se, na maioria dos casos – vide pontos “(a)”, “(b)”, “(d)” e “(e)” alistados alhures –, a exigência de que exista fraude, abuso de direito, infração à lei, violação do contrato social ou, ao menos, relação direta entre os atos praticados pelo sócio e a obrigação inadimplida, para que o patrimônio da pessoa física possa ser atingido. Nessa linha, observar recente e uníssono julgado quanto à matéria, proveniente do estimado Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. PROPRIEDADE DE BENS MÓVEIS E IMÓVEIS. EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA. RESPONSABILIDADE DE SÓCIO POR DÍVIDAS ANTERIORES AO INGRESSO NA SOCIEDADE. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. (...). Dispõe o art. 50, do CC que, em caso de abuso da personalidade jurídica, pode o juiz decidir que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações serão estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Para que, por efeito da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, o administrador ou sócio (independente de este último ser minoritário ou ter poderes de gerência) deve ter concorrido para o abuso da personalidade, a fim de responder pela execução. (...). DERAM PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70051831253, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Maria Canto da Fonseca, Julgado em 29/04/2014) (TJ-RS - AI: 70051831253 RS, Relator: Elaine Maria Canto da Fonseca, Data de Julgamento: 29/04/2014, Décima Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 06/05/2014)

O STJ, ao interpretar o disposto no art. 135 do CTN, também já reiterou que o sócio somente será patrimonialmente responsabilizado pelo pagamento dos tributos devidos pela sociedade se tiver agido com dolo, má-fé, ou violação da lei ou dos atos constitutivos:

TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL - RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE - DISSOLUÇÃO IRREGULAR - FATO GERADOR ANTERIOR AO INGRESSO DO SÓCIO NA EMPRESA - REDIRECIONAMENTO - IMPOSSIBILIDADE - PRECEDENTES.

1. Esta Corte firmou o entendimento de que não se pode atribuir ao sócio a obrigação de pagar tributo devido anteriormente à sua gestão, ainda que ele seja supostamente responsável pela dissolução irregular da empresa. 2. "O pedido de redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da sociedade executada, pressupõe a permanência de determinado sócio na administração da empresa no momento da ocorrência dessa dissolução, que é, afinal, o fato que desencadeia a responsabilidade pessoal do administrador. Ainda, embora seja necessário demonstrar quem ocupava o posto de gerente no momento da dissolução, é necessário, antes, que aquele responsável pela dissolução tenha sido também, simultaneamente, o detentor da gerência na oportunidade do vencimento do tributo. É que só se dirá responsável o sócio que, tendo poderes para tanto, não pagou o tributo (daí exigir-se seja demonstrada a detenção de gerência no momento do vencimento do débito) e que, ademais, conscientemente, optou pela irregular dissolução da sociedade (por isso, também exigível a prova da permanência no momento da dissolução irregular)" (EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1.009.997/SC, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 2/4/2009, DJe 4/5/2009). 3. Recurso especial não provido. (REsp 1307346/RJ; STJ; 2ª Turma; Min. Eliana Calmon; julgado em: 10.12.2013; publicado em: 18.12.2013)

Como se vê, a jurisprudência é clara no sentido de que o novo sócio não poderá ter o seu patrimônio atingido para além dos limites do capital subscrito e ainda não integralizado em virtude do simples inadimplemento de obrigações ocorrido anteriormente ao seu ingresso na sociedade. Se o sócio ingressante, à época, ainda não integrava os quadros da sociedade, a ele, por óbvio, não poderá ser imputado qualquer ato naquela posição, sobretudo atos fraudulentos, abusivos ou irregulares3.

A mesma lógica, aliás, também vale para a exceção do art. 1.055, § 1º, do CC. Pelo fato de o valor dos bens incorporados ao capital social ser convencionado entre os sócios, não respondem pela correta avaliação dos bens aqueles sócios que ingressaram na sociedade posteriormente e, consequentemente, não participaram, nem explícita nem implicitamente, do ato de avaliação4.

Por outro lado, a jurisprudência trabalhista há muito tempo vem trazendo ideia de que, ainda que o capital social já tenha sido integralizado e/ou que não tenha sido praticado nenhum ato específico por qualquer dos sócios, estes podem, sim, ser responsabilizados pelo pagamento do crédito dos empregados da sociedade, se o patrimônio social não for suficiente. Isso, aliás, independeria de a participação do sócio na sociedade ser majoritária ou minoritária.

A grande diferença dos débitos trabalhistas em relação às outras hipóteses de responsabilização pessoal do sócio é que, aqui, o que está em pauta não é a existência de um ato específico do sócio, ou a teoria da limitação da responsabilidade, mas sim a já citada natureza alimentar do crédito trabalhista. É o que mostra os seguintes acórdãos do TRT da 9ª Região:

SÓCIO RETIRANTE. DÍVIDAS ANTERIORES AO INGRESSO NA SOCIEDADE. RESPONSABILIDADE. Ao ingressar em uma sociedade empresária, o sócio automaticamente passa a responder também pelas dívidas anteriores ao seu ingresso, na forma do que prevê o artigo 1025 do Código Civil. Além disso, qualquer mudança na estrutura jurídica da empresa não pode prejudicar os direitos dos empregados, nos termos dos artigo 10 e 448 da CLT. Assim, a limitação temporal que se faz à responsabilidade do sócio retirante é apenas aquela referente às dívidas posteriores a sua saída da sociedade, nos termos do item V da OJ EX SE 40, mas não em relação às dívidas anteriores, mesmo que não tenha sido sócio no período da prestação de serviços. (TRT-9 - AP: 27306200800709004 PR 27306-2008-007-09-00-4, Relator: THEREZA CRISTINA GOSDAL, Data de Julgamento: 01/09/2015, SEÇÃO ESPECIALIZADA, Data de Publicação: DEJT em 11-09-2015)

SOCIEDADE - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - INGRESSO DE SÓCIO EM SOCIEDADE JÁ CONSTITUÍDA - RESPONSABILIDADE. Nos termos do que dispõe o art. 1025 do Código Civil, aplicável a esta especializada, o sócio, admitido em sociedade já constituída, não se exime das dívidas sociais anteriores à admissão. (TRT-9 - AP: 02439200802109004 PR 02439-2008-021-09-00-4, Relator: CÉLIO HORST WALDRAFF, Data de Julgamento: 08/08/2014, Data de Publicação: DEJT em 15-08-2014)

A doutrina laboral corrobora o entendimento dos tribunais, explicando há tempos que “razões de ordem prática e jurídica inexistem para que o sócio, que corre o risco do empreendimento, que participa dos lucros, enriquece o seu patrimônio particular, seja colocado à margem de qualquer responsabilidade, quando a pessoa jurídica se mostre inidônea a responder por suas obrigações trabalhistas”5.

Alguns autores, aliás, consideram sem valor perante terceiros qualquer cláusula contratual que afaste tal responsabilidade do novo sócio. Apenas no caso de cessão de quotas é que disposição nesse sentido teria alguma efetividade: dar ensejo a eventual ação regressiva do cessionário perante o cedente das quotas6.

Ante todo o exposto, pode-se concluir que ingressar em sociedade já em andamento – apesar dos possíveis benefícios e reflexos financeiros de um negócio já constituído – é uma decisão de risco: há a responsabilização pela integralização do capital social e, mesmo que esse já esteja plenamente integralizado, há entendimentos doutrinários e jurisprudenciais relevantes – mormente na seara trabalhista – que afastam a regra da limitação da responsabilidade para todo e qualquer sócio, independentemente de questões temporais. Justamente por isso, tão essencial a realização de due diligences jurídicas e contábeis com o fito de identificar todo o ativo e passivo da sociedade, sem perder de vista que sociedades frequentemente são devedoras de débitos ocultos ou ainda não contabilizados, ou possuem características fáticas que podem dar ensejo para tanto7.

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1 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 13ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p.125.

2 No caso de cessão de quotas, o parágrafo único do art. 1.003 do CC impõe que, por 02 (dois) anos, contados da averbação da alteração contratual correspondente, o cedente será responsável solidário com o cessionário pelas obrigações que tinha como quotista – integralização das suas quotas e cumprimento das obrigações sociais.

3 ALMEIDA, Amador Paes de. Manual das Sociedades Comerciais (direito de empresa). 20ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 68.

4 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 13ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p.127.

5 OLIVEIRA, Francisco Antônio de. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.919.

6 ALMEIDA, Amador Paes de. Manual das sociedades comerciais. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 39.

7 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 450.

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*Hugo Lopes é advogado do escritório da Fonte, Advogados.


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