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O PL do Senado 658 de 2015 e a exclusão da prescrição em processos nulos

O Projeto atualmente tramita na Comissão de Constituição de Justiça e não recebeu emendas até o momento.

22/10/2015

Em 30/9/15, foi protocolizado o PL do Senado 658, que visa modificar algumas causas interruptivas da prescrição e o termo inicial da prescrição executória após a sentença condenatória irrecorrível. Além disso, pretende-se que o tempo transcorrido entre o ato declarado nulo e a publicação da decisão que declarou a nulidade seja desconsiderado para a contagem do prazo prescricional. O Projeto atualmente tramita na Comissão de Constituição de Justiça e não recebeu emendas até o momento. Assim, diante da importante preocupação em tornar o processo penal mais eficiente, algumas questões demandam consideração expressa quanto ao último ponto.

Sugere-se a inclusão, no Código Penal, do art. 117-A, que teria a seguinte redação: "anulado o processo, o tempo transcorrido entre o dia do ato declarado nulo e o dia da publicação da decisão que reconheceu a nulidade deve ser desconsiderado para fins de contagem do prazo prescricional. Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica às hipóteses em que a nulidade foi declarada a pedido e no interesse da acusação." A Justificativa é a seguinte: "por fim, como cediço, a nulidade absoluta pode ser arguida a qualquer tempo ou grau de jurisdição. Destarte, a inclusão do art. 117-A no CP busca evitar que a defesa postergue intencionalmente a alegação de uma nulidade absoluta previamente por ela identificada para fazê-la em momento processual que entenda conveniente, no qual a retomada do processo a partir do ato declarado nulo fulminaria a pretensão punitiva do Estado em razão da ocorrência da prescrição. Isso gera custos desnecessários para o erário e alimenta a sensação de impunidade."

Hoje, a lei penal brasileira estabelece, exaustivamente, as causas de suspensão e de interrupção do prazo prescricional. O Código Penal indica marcos impeditivos no art. 116 e interruptivos no art. 117. Sabe-se que aqueles impedem a prescrição de se iniciar ou suspendem o prazo em curso, enquanto estes zeram o prazo prescricional, o qual, em seguida, será reiniciado. O Projeto, ao criar a letra "A" do art. 117, sugere que se trata de um novo marco interruptivo, mas não parece ser essa a sua natureza. Veja-se que a proposta cria uma "desconsideração" de determinado lapso já transcorrido. Não se estaria zerando e depois reiniciando a contagem, mas sim, por exemplo, extirpando-se 1 (um) ano, 3 (três) meses 18 (dezoito) dias de um total de 3 (três) anos, 7 (sete) meses e 22 (vinte e dois) dias de prazo prescricional de um caso hipotético. A literatura certamente imaginaria novos nomes: marco impeditivo retroativo (pois a prescrição não poderia ter corrido naquele período), marco interruptivo impróprio (pois não é exatamente interruptivo), causa de exclusão da prescrição etc. De qualquer modo, isso seria solucionável.

O art. 117-A poderia gerar alguns impasses processuais. A começar pelo exato momento em que se daria o início da extirpação (o marco excludente inicial) do lapso passado: "dia do ato declarado nulo". Há um grande número de atos passíveis de serem declarados nulos, muitos dos quais têm referência no art. 564 do CPP. Caso a nulidade esteja em uma sentença, deverá ser desconsiderado, para fins de prescrição, o lapso a partir do dia em que ela foi prolatada ou publicada? A diferença pode ser grande. No caso de uma captação clandestina de áudio ou imagem que apenas venha a ser juntada aos autos muitos meses após a sua realização (embora ainda no início do processo), o "ato declarado nulo" certamente será não apenas aquele que porventura se utilizou do conteúdo da prova ilícita, mas, primeiramente, a própria prova em si. Qual data prevalece?

Quanto ao marco excludente final, tem-se: "dia da publicação da decisão que reconheceu a nulidade". Mas e se tal decisão for recorrível? Caso o réu já tivesse direito à extinção da punibilidade na data da sentença, mas tenha ela reconhecido nulidade absoluta a pedido da defesa formulado em alegações finais, deverá ele aguardar o trâmite de eventual recurso da acusação quanto à nulidade? Ou mais: se a defesa tivesse formulado o pedido no início do processo e, anos depois, passado o prazo prescricional, o juiz declara a nulidade e retira do réu o direito à extinção da punibilidade, terá o acusado legitimidade para recorrer buscando a reforma da decisão de nulidade para obter, assim, a prescrição, que lhe interessa mais? Também poderá suscitar dúvidas o significado da expressão "anulado o processo". Anular um ato ou documento não corresponderia a anular (parcialmente) o processo, já que também o integram? Em um sistema processual no qual a "verdade substancial" somente pode ser reconhecida caso a caso (CPP, art. 566), a generalidade da proposta não contribui com a segurança jurídica.

Fica, ademais, a impressão de que o art. 117-A trata a acusação e a defesa de forma desigual, em ofensa ao espírito da Constituição e ao Código de Processo Penal quanto à isonomia de tratamento entre as partes. Seu parágrafo único afirma que "o disposto no caput não se aplica às hipóteses em que a nulidade foi declarada a pedido e no interesse da acusação". Lembre-se que o fundamento dessa proposta é "evitar que a defesa postergue intencionalmente a alegação de uma nulidade absoluta previamente por ela identificada para fazê-la em momento processual que entenda conveniente".

É inegável que há muitos defensores que efetivamente adotam tal prática processualmente desleal. Da mesma forma, é verdade que outros defensores fazem o requerimento de declaração de nulidade logo após a prática do ato nulo, mas, por razões que não controlam, a decisão judicial tarda a ser prolatada. Também há advogados que realmente não tinham identificado anteriormente a nulidade e aqueles que assumem o caso no estado em que se encontra e fazem estudo da íntegra dos autos, somente então podendo realizar o pedido devido. Os sujeitos representados por todos eles, para o Projeto, seriam sancionados com a perda de um direito, pois o novo dispositivo presumiria a má-fé do defensor, sempre ameaçando o direito de petição (CF, art. 5º, XXXIV, "a") de quem fizer o requerimento. Se presunções são legítimas nesta seara, também não mereceria reparos o argumento de que o parágrafo único proposto deve ser vetado para evitar atuação de acusador que venha a alegar nulidade somente para excluir determinado lapso temporal e, com isso, evitar a prescrição – o que converteria o sério problema das nulidades em uma espécie de jogo de cartas.

Some-se a isso a circunstância de que o art. 117-A omite a possibilidade de declaração de nulidade de ofício pelo magistrado, deixando de regulá-la. Assim, e como o parágrafo único faz somente uma exceção, seria possível entender que o réu perderia direito à extinção da punibilidade mesmo quando seu defensor sequer tenha alegado a nulidade. Isso quando o CPP, art. 565, proíbe a parte que a causou de se beneficiar dela. Ou seja, quando for declarada uma nulidade absoluta, ela não terá sido provocada pelo réu – mas, a valer a nova lei, ele poderá sofrer uma sanção por isso, em diminuição à ampla defesa. E, caso haja recurso, com a agravante da passagem do tempo entre as decisões de primeiro e de graus ulteriores.

Se for aprovada, a redação do art. 117-A poderá fazer com que a formulação do requerimento de declaração de nulidade absoluta não seja mais vista como um dever do defensor que quer contribuir com o respeito à forma processual e ao conteúdo de direitos fundamentais, mas, antes, como algo potencialmente ruim para seu cliente. Nesse cenário, como ficaria a responsabilidade pela não alegação de grave nulidade que era conhecida? Salvo melhor juízo, também há interesse social na identificação dessas nulidades, as quais tanto o Ministério Público quanto o Poder Judiciário devem procurar evitar e sanar.

A iniciativa contida no Projeto é relevante ao tratar do tema da prescrição pela pena máxima cominada, assunto do maior interesse público. Mas a proposta do art. 117-A não se pode apontar como recomendável, pela dificuldade – para não dizer impossibilidade – de prévia obtenção de estatísticas de quantas prescrições criminais, no Brasil, são motivadas por nulidades absolutas. Essa pesquisa, se existisse, contribuiria para se estabelecer a premissa da probabilidade da mudança ora proposta produzir reais efeitos práticos.

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*Gustavo Scandelari é sócio do Escritório Professor René Dotti, professor de Direito Penal e mestre em Direito pela UFPR.

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