Em praticamente1 ano e 8 meses de vigência da lei Federal 12.846/13, ainda se enfrenta a insubsistente organização estatal e a necessidade de amadurecimento técnico para real implementação da lei anticorrupção - ou lei da empresa limpa, em nomenclatura mais elucidativa. O Brasil vem, sem dúvida, incorporando institutos de inspiração estrangeira e que podem ser ditos “recentes” – à cronologia jurídica do país, onde ainda se chama de “novo” o Código Civil de 2002 e que tem diploma repressivo penal da década de quarenta do século passado.
O programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade (ética e moral), auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
Além de se tratar de legislação recentíssima, o tema “programas de integridade” e mitigação de sanções não tem disciplina exaurida pela lei Federal 12.846/13, nem pelo decreto 8.420/15 e portaria CGU 909, de 7/4/15. Sabidamente, a dificuldade está na aplicação prática dos parâmetros de existência e validade dos programas de compliance anticorrupção: especialmente porque o Brasil ainda “engatinha” na matéria (que, não de hoje, já foi incorporada por inúmeros países e pelo empresariado estrangeiro).
O que maximiza os desafios das empresas privadas, portanto. Esses desafios, potencializados pela relevância do assunto, geraram o guia de boas práticas “Programa de Integridade: Diretrizes para Empresas Privadas”: publicado pela Controladoria Geral da União (CGU) no dia 22 de setembro deste ano. A publicação da CGU teve o objetivo de auxiliar as empresas a construir ou aperfeiçoar políticas e instrumentos destinados à prevenção, detecção e remediação de atos lesivos à administração pública, tais como suborno de agentes públicos nacionais ou estrangeiros, fraude em processos licitatórios ou embaraço às atividades de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos.
O guia elencou cinco dos pilares básicos para o desenvolvimento e implementação de um programa de integridade:
1) comprometimento e apoio da alta direção;
2) instância responsável;
3) análise de perfil e riscos;
4) estruturação das regras e instrumentos; 5) estratégias de monitoramento contínuo. Balizas essas que devem coexistir em um sistema orgânico e harmônico.
Como em matéria de programa de integridade não existem fórmulas prontas, a questão implica em melhoria de gestão e organização empresarial: o que leva a crer que a efetividade de um programa de compliance no Brasil requererá esforços top down, culminando em processo de ruptura e melhoria de procedimentos de governança (algumas, bem pouco “corporativas”) e adesão real à cultura preventiva e repressiva das condutas atentatórias à legislação recente.
Atingir o engajamento da alta gestão e a absorção de uma cultura organizacional vocacionada à prevenção de riscos e à repressão eficiente de posturas reprováveis são dificuldades apontadas constantemente - não só por técnicos do Direito, mas também pelos operadores da matéria em campo. A tônica está na efetividade do programa – que é indissociável da certeira/precisa avaliação de riscos pela empresa: que não dispensa a análise das peculiaridades da pessoa jurídica, do mercado e das melhores práticas do setor. O manual da CGU traz exemplos e sugestões factíveis de como conseguir – por vezes com medidas bastante simples e pouco onerosas à empresa – que o programa de integridade anticorrupção atenda aos 5 pilares e seja objeto de aperfeiçoamento periódico.
A importância do assunto é inquestionável, para toda e qualquer empresa que opere no Brasil. Sobretudo porque nem todas atinaram que grandes empresas têm requerido de seus fornecedores e prestadores de serviços a demonstração de que contam com programas de integridade estruturados. Mesmo entre empresas privadas, frise-se, em processo de seleção de fornecedores. Investir em ética e integridade só pode trazer resultados benéficos ao negócio: e ter um programa anticorrupção bem ajustado repercute positivamente, inclusive, no valuation da Companhia. Principalmente em razão das responsabilidades que se estendem à pessoa jurídica sucessora em um eventual processo de fusão e incorporação, por força da Lei da Empresa Limpa.
Ademais, uma atuação pautada pela ética só pode contribuir à imagem e higidez moral da pessoa jurídica. A relevância do tema não é percebida apenas no Brasil. O site Lec News ventilou em 9 de setembro deste ano que as penalidades previstas no FCPA - Foreign Corrupt Practices Act - geraram aos Estados Unidos mais de 4 bilhões de dólares nos últimos 5 anos. A análise refere-se às sanções impostas a partir de 2010 até agosto de 2015: concluindo-se que o aparato estatal americano vem intensificando as apurações de práticas de corrupção e suborno abrangidas pelo FCPA ao longo dos anos, crescendo gradualmente os números – de empresas apuradas e em cifras.
Também sobre a preocupação presente na implementação e manutenção dos programas de integridade, vale mencionar os gastos/investimentos crescentes das empresas com profissionais e áreas destinadas exclusivamente ao tema: a exemplo do WalMart., que nos Estados Unidos já investiu $30 milhões de dólares até agosto de 2015 e tem previsão de gastar de 130 a 150 milhões de dólares com compliance no ano fiscal de 2015. Mesmo à míngua de massa crítica e julgados sobre o tema no Brasil, para o momento, os esforços da Controladoria Geral da União (CGU) e as ponderações de Leslie Caldwell, Procuradora Geral Adjunta do Departamento de Justiça dos Estados Unidos na Compliance Week, podem iluminar o caminho: “The result: compliance programs are too often behind the curve, effectively guarding against yesterday’s corporate problem but failing to idetify and prevent tomorrow’s scandals”. Nitidamente, mais do que proteger-se contra problemas corporativos de ontem, o fundamental é identificar e evitar os escândalos de amanhã.
Todo o cenário demonstra, portanto, o foco governamental em trazer subsídios a que as empresas concebam e operacionalizem seus programas de integridade. Não restam dúvidas sobre o quanto o comprometimento ético de toda a estrutura empresarial na condução de suas atividades reverbera para além do âmbito de aplicação da lei da empresa limpa: o que certamente colocará o assunto como pauta obrigatória das empresas e passará a permear sua missão, visão e valores.
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*Luciana Paulino Magazoni é consultora na área de Direito Administrativo no Viseu Advogados.