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A inconstitucionalidade e ilegalidade da inclusão do ICMS e ISS na base de cálculo das contribuições ao PIS/Pasep e Cofins

A tributação é inconstitucional na medida em que a CF dispõe que a base de cálculo da PIS/Pasep e Cofins é a receita ou faturamento da pessoa jurídica contribuinte, e não de pessoa alheia.

16/10/2015

As Contribuições para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e para o Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) são classificadas como tributos da espécie contribuições sociais, cobradas exclusivamente pela União Federal, consoante previsão do artigo 149 da CF/88.

A Magna Carta prevê, em seu artigo 195, que as contribuições sociais serão financiadas pelas pessoas jurídicas de direito privado com base em sua receita ou faturamento. Nota-se, portanto, que o constituinte confere ao ente tributante o poder de exigir a PIS/Pasep e a Cofins tomando como base de cálculo a receita ou faturamento da pessoa jurídica.

Nesse contexto, o legislador infraconstitucional, pelo artigo 2º da lei 9.718, de 27 de novembro de 1998, estabeleceu que "as contribuições para o PIS/Pasep e a Cofins, devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado, serão calculadas com base no seu faturamento", e o artigo subsequente do referido diploma preceitua que o faturamento consiste na receita bruta, definida no art. 12 do decreto-lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977.

Com a edição da lei 12.973/14, o conceito de receita bruta, que outrora compreendia todo o resultado das operações de venda de bens em conta própria e o preço dos serviços prestados, passou a ser mais abrangente. O referido diploma alterou o art. 12 do decreto-lei 1.598/77, de modo que a receita bruta da pessoa jurídica passou a compreender, também, o resultado auferido nas operações de conta alheia, e, de forma geral, todas as receitas da atividade ou do objeto principal da pessoa jurídica. Adicionalmente, o parágrafo 5º desse dispositivo, em flagrante ilegalidade e inconstitucionalidade, previu ainda que na receita bruta incluem-se os tributos sobre ela incidentes.

Com isso, o fisco ganhou respaldo normativo para uma prática já realizada: a de incluir os tributos indiretos, como o ISS e o ICMS, integrantes dos preços dos bens e serviços, nas bases de cálculo da contribuição ao PIS/Pasep e Cofins. No entanto, a inclusão desses tributos na base das aludidas contribuições, ainda que diante do disposto no parágrafo único do art. 12 do decreto-lei no 1.598/77, é ilegal e inconstitucional, pois a parcela dos valores referentes a essas exações são receitas do Estado e não da pessoa jurídica (esta apenas os repassa no preço de seus produtos ou serviços).

Dessa forma, tanto no período anterior a vigência da lei 12.973/14, como após a nova redação atribuída, essa tributação é ilegal e inconstitucional, na medida em que a CF dispõe que a base de cálculo da PIS/Pasep e Cofins é a receita ou faturamento da pessoa jurídica contribuinte, e não de pessoa alheia.

Os valores que transitam provisoriamente pelo patrimônio da pessoa jurídica, sendo repassado a terceiros (verdadeiros titulares da riqueza), não são receita bruta daquela, e não se configuram como sua disponibilidade econômica. Admitir essa situação, como fazem as autoridades fiscais pátrias e a redação do §5º do art. 12 do decreto-lei 1.598/77, é ignorância não só ao conceito de receita, mas, também, ao principal fundamento da atividade tributária estatal, qual seja, o de valorar a capacidade contributiva dos particulares, que devem contribuir de acordo com a sua geração de riqueza (capacidade econômica).

É evidente que a mens legis do legislador constitucional e infraconstitucional, ao definir como base de cálculo das contribuições sociais sua receita ou faturamento, é a de que o particular possa contribuir de acordo com uma grandeza condizente com suas próprias riquezas, o que não equivale dizer que todos os ingressos em seu patrimônio se configuram como manifestação de seus recursos, e, por conseguinte, da sua capacidade contributiva tributária. Necessário se faz auferir, ademais da literalidade e lógica da norma constitucional preceituada no art. 195 da CF/88, a sua teleologia, relacionando-a aos princípios que regem a atividade tributária estatal.

Receita, juridicamente falando, é o acréscimo patrimonial que remunera a empresa, ainda que não de forma líquida, mas que representa ingresso patrimonial efetivo, não se confundindo com simples emissão de fatura ou “meros ingressos”.. Sobre o tema, é a doutrina de IVES GANDRA MARTINS1:

Só pode ser tido como receita o ingresso de recursos que passe a fazer parte do patrimônio do contribuinte. O simples registro na contabilidade da empresa da entrada de determinada importância não a transforma em ‘receita’. (...)

Ademais, o mero ingresso de valores na contabilidade de uma empresa não é fator que demonstre a existência de capacidade contributiva – limite imposto à instituição de tributos, inclusive de contribuições sociais, que têm por fato gerador elemento denotador dessa capacidade, como é o caso do conceito de ‘receita’. A distinção entre ‘receita’ e ‘ingresso’ é feita por toda a doutrina nacional, já há muitos anos.

Nesse sentido, também dispõe AIRES BARRETO2:

"os valores que transitam pelo caixa das empresas (ou pelos cofres públicos) podem ser de duas espécies: os que configuram receita e os que se caracterizam como meros ingressos (que, na Ciência das Finanças, recebem a designação de movimentos de fundo ou de caixa). Receitas são entradas que modificam o patrimônio da empresa, incrementando-o. Ingressos envolvem tanto as receitas como as somas pertencentes a terceiros (valores que integram o patrimônio de outrem)"

O registro dos valores decorrentes da venda de bens e serviços abarca, também, o valor dos impostos que constam em seu preço, que, por transitarem provisoriamente nas contas da pessoa jurídica, para posterior repasse ao Estado, constituem-se ‘meros ingressos’ de recursos (que serão repassados ao Estado), diferente, portanto, de receita bruta.

Ademais, o alargamento pelo Estado das bases de cálculo da PIS/Pasep e COFINS com a inclusão do ISS e ICMS, nada mais é que aumentar a carga tributária sofrida pelos contribuintes com base em riquezas próprias do ente estatal. Em outras palavras, o Estado se torna sócio de si mesmo. Ora, não pode o particular suportar uma exação sobre riqueza que não condiz com sua capacidade econômica, tampouco com o conceito de ‘receita’.

Sob esse argumento, à luz da legislação e dos princípios jurídicos, os contribuintes têm suscitado discussões em esfera judicial, para excluir o ISS e o ICMS das bases de cálculo das contribuições ao PIS/Pasep e COFINS. O STF, no julgamento do RExt 240.785/MG, firmou o entendimento de que o ICMS não deve integrar a base de cálculo da COFINS.

TRIBUTO – BASE DE INCIDÊNCIA – CUMULAÇÃO – IMPROPRIEDADE. Não bastasse a ordem natural das coisas, o arcabouço jurídico constitucional inviabiliza a tomada de valor alusivo a certo tributo como base de incidência de outro. COFINS – BASE DE INCIDÊNCIA – FATURAMENTO – ICMS. O que relativo a título de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e a Prestação de Serviços não compõe a base de incidência da Cofins, porque estranho ao conceito de faturamento.

Embora a decisão não tenha efeito vinculante para todos (erga omnes), os fundamentos que a embasam deverão fundamentar as decisões das cortes superiores em demandas futuras, inclusive no tocante à discussão acerca da não inclusão do ISS na base de cálculo das contribuições ao PIS/Pasep e COFINS, que segue a mesma lógica de argumentação.

Nos termos do voto do eminente relator do RExt 240.785/MG, Ministro Marco Aurélio Melo, "as expressões utilizadas no inciso I do artigo 195 em comento hão de ser tomadas no sentido técnico", de modo que:

"O conceito de faturamento diz com riqueza própria, quantia que tem ingresso nos cofres de quem procede à venda de mercadorias ou à prestação dos serviços, implicando, por isso mesmo, o envolvimento de noções próprias ao que se entende como receita bruta. Descabe assentar que os contribuintes da Cofins faturam, em si, o ICMS. O valor deste revela, isto sim, um desembolso a beneficiar a entidade de direito público que tem a competência para cobrá-lo."

Conclui, assim, o Exmo. ministro Relator, acerca da impossibilidade de se considerar os tributos indiretos como receita para fins da base de cálculo da PIS e da COFINS, que "se alguém fatura ICMS, esse alguém é o Estado e não o vendedor da mercadoria".

O entendimento firmado pelo STF já tem servido de base para as decisões dos tribunais pátrios, inclusive, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que outrora possuía entendimento diverso, em recente decisão no EAREsp 593.627/RN, determinou a exclusão do ICMS da base de cálculo da PIS e da COFINS, segundo a jurisprudência do pretório excelso:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. PIS. COFINS. BASE DE CÁLCULO. EXCLUSÃO DO ICMS. POSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. I - A existência de repercussão geral no RE 574.706-PR, em relação à matéria ora debatida, não impede sejam julgados os recursos no âmbito desta Corte. II - O ICMS é um imposto indireto, ou seja, tem seu ônus financeiro transferido, em última análise, para o contribuinte de fato, que é o consumidor final. III - Constituindo receita do Estado-Membro ou do Distrito Federal, a parcela correspondente ao ICMS pago não tem natureza de faturamento ou receita, mas de simples ingresso financeiro, não podendo compor a base de cálculo do PIS e da COFINS. IV - Conquanto a jurisprudência desta Corte tenha sido firmada no sentido de que a parcela relativa ao ICMS inclui-se na base de cálculo do PIS e do extinto FINSOCIAL, posicionamento sedimentado com a edição das Súmulas 68 e 94, tal discussão alcançou o Supremo Tribunal Federal e foi analisada no RE 240.785/MG, julgado em 08.10.2014, que concluiu que "a base de cálculo da COFINS somente poderia incidir sobre a soma dos valores obtidos nas operações de venda ou de prestação de serviços. Dessa forma, assentou que o valor retido a título de ICMS não refletiria a riqueza obtida com a realização da operação, pois constituiria ônus fiscal e não faturamento" (Informativo do STF n. 762). V - Agravo regimental provido.

Em que pese os precedentes tratem apenas do ICMS na base da Cofins, o entendimento se baseia na mesma lógica que pode ser aplicada aos futuros julgamentos do STF e STJ com base na exclusão, não só do ICMS, mas também do ISS da base de cálculo das contribuições ao PIS/Pasep e Cofins. Já existem precedentes perante os juízos federais singulares e tribunais regionais federais que entendem que a lógica aplicada à exclusão do imposto estadual é a mesma que deve prevalecer ao municipal.

Diante do exposto, a inconstitucionalidade e ilegalidade da inclusão do ISS e do ICMS na base de cálculo da contribuição ao PIS/Pasep e Cofins provém da seguinte conclusão lógica: O valor dos impostos indiretos são receitas do Estado e não do particular, sendo, portanto, parcela não compreendida na base de cálculo estipulada no art. 195 da CF/88.

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1 MARTINS, Ives Gandra da Silva. PIS e Cofins – não incidência sobre o reembolso, feito pela Eletrobrás com recursos da CDE (Lei n. 10.438/02 e Decreto n. 4.541/02) às usinas termelétricas, do custo do carvão mineral nacional utilizado como combustível – sua não inclusão no conceito de receita, base de cálculo das contribuições objeto do art. 195, I, “b”, da CF devidas pela usina. Revista Dialética do Direito Tributário 122/132, nov/2005.

2 BARRETO, Aires. ISS – Atividades-meio e Serviço-Fim. Revista Dialética de Direito Tributário 5/85.
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*Aluísio Neves Baptista Filho é sócio do escritório da Fonte, Advogados. Especialista em Direito Tributário.


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