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O novo CPC, o processo eletrônico e os meios digitais

A lei 13.105/15 pouco se ateve à prática processual em meio eletrônico, deixando de promover a desejada unificação das regras e procedimentos relativos à tramitação processual nesse meio.

14/10/2015

O novo CPC - lei 13.105/15 - pouco se ateve a prática processual em meio eletrônico, deixando de promover a desejada e necessária unificação das regras e procedimentos relativos à tramitação processual nesse meio.

Em sentido oposto, a insegurança jurídica restou pavimentada tendo em vista a delegação de poderes ao CNJ e ainda, supletivamente, aos tribunais, para ‘regulamentar a prática e a comunicação oficial de atos processuais por meio eletrônico e velar pela compatibilidade dos sistemas, disciplinando a incorporação progressiva de novos avanços tecnológicos e editando, para esse fim, os atos que forem necessários, respeitadas as normas fundamentais do Código’ (art. 196)1.

Existem em funcionamento cerca de 40 sistemas informatizados diferentes adotados pelos vinte e sete TJs, por cinco TRFs, pelo STJ e pelo STF. Apenas a Justiça Trabalhista cuidou de adotar um sistema único.

Acresce-se a essa realidade o fato de que cada um dos Tribunais instituíram deveres processuais através de atos infralegais, que adentram matéria de ordem processual e absolutamente díspares entre si.

Dessa forma os usuários dos sistemas informatizados - que a advocacia é a maior cliente - permanecerão obrigados não apenas a conhecer o funcionamento técnico, mas também as regras do peticionamento de cada um dos Tribunais em que atuam.

Dentre as tímidas inovações trazidas pelo novo CPC consideramos de caráter positivo, as seguintes previsões:

A admissão do peticionamento em papel caso o Poder Judiciário não disponibilize, gratuitamente, os equipamentos necessários à prática de atos processuais e à consulta e ao acesso ao sistema e aos documentos dele constantes (art. 198 e parágrafo único) ;

A acessibilidade garantida às pessoas com deficiência pelas unidades do Poder Judiciário acessibilidade aos seus sítios na rede mundial de computadores, ao meio eletrônico de prática de atos judiciais, à comunicação eletrônica dos atos processuais e à assinatura eletrônica (art. 199) ;

A necessidade de cumprimento de requisitos previstos no Marco Civil da Internet no que se refere à adoção de padrões abertos (art. 195), a independência da plataforma computacional, acessibilidade e interoperabilidade dos sistemas, serviços, dados e informações que o Poder Judiciário administre no exercício de suas funções (art. 194);

A realização de audiência de conciliação ou de mediação por meio eletrônico (art. 334, § 7º);

A gravação da audiência de instrução e julgamento por qualquer das partes, independente de autorização judicial (art. 367, § 6º);

A admissão da prática de atos processuais por videoconferência, ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, no depoimento pessoal da parte, na oitiva de testemunhas e na acareação, nos casos em que esses residam em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo (art. 236, § 6º, art. 453, § 1º e art. 461, § 2º);

A permissão do advogado realizar sustentação oral por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, caso tenha domicílio profissional em cidade diversa daquela onde está sediado o tribunal (art. 937, § 4º);

A desnecessidade de motivação quanto à discordância quanto ao julgamento por meio eletrônico dos recursos e dos processos de competência originária que não admitem sustentação oral, sendo apta a determinar o julgamento em sessão presencial (art. 945, § 3º).

Não previsto

Infelizmente o novo Codex não cuidou em estabelecer a validade do recolhimento das custas processuais por meio eletrônico, assim como das informações sobre andamento processual prestadas nos sites oficiais dos Tribunais.

As Turmas do STJ vêm adotando entendimentos díspares quanto à aceitação do pagamento do preparo via internet, sendo ora rejeitado, ora admitido2.

Em relação à validade das informações prestadas no site dos Tribunais o novo Código apenas se manifesta no que se refere às informações constantes de seu sistema de automação’, disciplinando que sua divulgação goza de presunção de veracidade e confiabilidade (art. 197).

Após a vigência da lei 11.419/06 - em homenagem à adoção de recursos tecnológicos - a Terceira Turma do STJ manifestou-se no sentido de atribuir confiabilidade e consequente valor oficial às informações processuais que são prestadas pela página oficial dos tribunais, mesmo que apresente um caráter informativo3.

Assinatura digital

A procuração poderá ser assinada digitalmente (art. 105, § 1º), assim como a assinatura dos juízes em todos os graus de juridisção pode ser feita eletronicamente (art. 205, § 2º), em votos, os acórdãos e os demais atos processuais (art.943).

Meios digitais

A incorporação dos meios digitais na prática processual encontra-se prevista nos seguintes registros:

Indicação de endereço eletrônico: do advogado na procuração (art. 287); do autor e réu na petição inicial (art. 319, II e § 2º); do perito, quando de sua nomeação (art. 465, § 2º, III) e do inventariante, quando das primeiras declarações (art. 620, II).

A intimação por meio eletrônico foi prevista nas seguintes hipóteses:

Quando o advogado que postular em causa própria não comunicar sua mudança de endereço ao Juízo, poderá ser intimado por meio eletrônico (art. 106, II, 2º) ;

Intimação dirigida a sociedade de advogados: Os advogados poderão requerer que, na intimação a eles dirigida, figure apenas o nome da sociedade a que pertençam, desde que devidamente registrada na Ordem dos Advogados do Brasil (art. 272, § 1º).

Obrigação de cadastramento de empresas públicas e privadas nos sistemas de processo eletrônico: Com exceção das microempresas e das empresas de pequeno porte, as empresas serão obrigadas a manter cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações, as quais serão efetuadas preferencialmente por esse meio (art. 246, § 1º).

Porte de remessa e de retorno: Dispensado o recolhimento em autos eletrônicos (art. 1007, § 3º).

Prazo em dobro para litisconsortes com diferentes procuradores: Não se aplica no processo eletrônico para os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribunal, independentemente de requerimento (art. 229, § 2º).

Leilão judicial eletrônico: Permitida a alienação por esse meio podendo os Tribunais editar disposições complementares e dispor sobre o credenciamento de corretores e leiloeiros públicos (art. 879, II e § 3º).

Agravo de instrumento em autos eletrônicos: Dispensada a juntadas de cópias da petição inicial, da contestação, da petição que ensejou a decisão agravada, da própria decisão agravada, da certidão da respectiva intimação ou outro documento oficial que comprove a tempestividade e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado e declaração de inexistência de qualquer dos documentos referidos (art. 1.017, § 5º).

Ata Notarial: Poderá constar dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos (art. 384).

Videoconferência: Será admitida a prática de atos processuais por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real (art. 236, § 3º).

Admitido o depoimento pessoal da parte e a inquirição de testemunhas pelos meios acima citados em caso de residirem em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo (arts. 385, § 3º, art. 453, § 1º), assim como na acareação (art. 461, § 2º).

Julgamento de recursos por meio eletrônico: A critério do órgão julgador, o julgamento dos recursos e dos processos de competência originária que não admitem sustentação oral poderá realizar-se por meio eletrônico (art. 945), podendo qualquer das partes apresentar discordância do julgamento por meio eletrônico (§ 2º), independente de motivação, que será apta a determinar o julgamento em sessão presencial (§ 3º).

Temas a serem enfrentados pelos tribunais

Entendemos que algumas questões deverão vir a ser regulamentadas pelos Tribunais, em vista da falta de clareza dos novos dispositivos.

Sem pretensão de esgotar os questionamentos, apontamos dois pontos que geram dúvidas quanto a sua aplicação.

. Exigência de cadastramento no sistema pelas empresas

Enquanto a lei 11.419/06 institui o caráter voluntário de credenciamento no sistema informatizado do Tribunal (art. 5º), o novo CPC determina que as empresas de pequeno porte, as públicas e privadas são obrigadas a manter cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações, efetivadas preferencialmente por meio eletrônico.

Indaga-se quem seria eleito como responsável pelo credenciamento no sistema e regular acompanhamento do envio de intimações e citações.

. Intimação da sociedade de advogados

Nos sistemas informatizados existentes o cadastro do advogado é de ordem pessoal, não estando disponibilizado o cadastramento do escritório de advocacia.

Entendemos que nesta hipótese a intimação dirigida a sociedade de advogados somente poderá ser realizada através do Diário de Justiça Eletrônico.

Artigo publicado originalmente na Revista da EMERJ, v. 18, n. 69 – 2015
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1 Outras competências estão previstas nos arts. 837, 879, § 3º, 882, 945 e 979.

2 Aceitação do pagamento do preparo via internet no AgRg no REsp 1.232.385, Relator Ministro Antônio Carlos Ferreira, 4ª Turma, julgado em 6.6.2013, Dje 22.8.2013; AgRg no Ag 665456/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 24/05/2005, e, validade rejeitada por ausência de fé pública em comprovante de pagamento extraído da internet no Ag. Regimental no RESp 1.103.021/DF, Relator Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, julgado em 26/05/2009; no AgRg no Ag 1206578/SP, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, 4ª Turma, julgado em 15/12/2009, no AgRg no Agravo em REsp 414.122 - SP (2013/0342738-7), julgado em 17/12/2013; e Agravo em REsp 302.483 - SC (2013/0049809-9), Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 22/05/2013).

3 REsp 1186276/RS, Rel. Ministro Massami Uyeda, , julgado em 16/12/2010, DJe 03/02/2011 e REsp 960.280 - RS (2007/0134692-2), Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 07/07/2011, DJe 14/06/2011.
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*Ana Amelia Menna Barreto é advogada do escritório Barros Ribeiro Advogados Associados. Docente, mestre em Direito Empresarial, presidente da Comissão de Direito e TI da OAB/RJ.


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