O discurso pode se mostrar, muitas vezes, como uma armadilha. Ao se fazer determinadas colocações, principalmente ao público leigo, pode-se traçar uma colocação simplista de que o Direito, enquanto ciência, é um verdadeiro obstáculo para a obtenção de uma esperada justiça. Esse perigo deve ser tido com cautela, principalmente quando diz respeito à liberdade.
Em recentes declarações à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, o juiz e professor Sergio Moro fez duras críticas ao sistema de recursos brasileiro, asseverando que dever-se-ia ter, em casos de condenações criminais, a prisão logo após a decisão de segundo grau. Para ele, haveria a necessidade de uma punição mais rápida. Para tanto, teria utilizado exemplos conhecidos de casos que se estenderam anos na Justiça, como a situação de um jornalista que, mesmo sendo assassino confesso, aguardou em liberdade por mais de dez anos antes de ser, enfim, preso.
O que se debate, necessariamente, seria o fim do que já se chamou de indústria de recursos protelatórios, os quais, assim vistos, de fato, podem gerar certa sensação de impunidade. O discurso, no entanto, parece um pouco equivocado em algumas de suas premissas. Em primeiro lugar, que se diga que a ideia não é nova. O próprio juiz, juntamente como o presidente da Associação dos Juízes Federais, já havia, em momento anterior, defendido uma aplicação imediata de punições, já na primeira instância, para determinados crimes. Sua nova leitura mostra-se, pois, como uma modalidade mais palatável do que antes dissera. A lógica, no entanto, parece ser de um punitivismo a toda prova.
Esse, o ponto em debate. Em primeiro lugar, é de se dizer que, ao contrário do que se afirma aqui e ali, se prende muito no Brasil. O país tem hoje a quarta maior população carcerária do planeta. São mais de meio milhão de pessoas presas. Pode-se até mesmo dizer que se prende mal, mas, numericamente, se prende sim. Aliás, prende-se muito também em termos preventivos. E essa é uma realidade diferente da de muitos países utilizados frequentemente como exemplos de uma alegada eficácia do sistema, e que agora é motivo de debate no Senado.
Em segundo lugar, é de se ter em conta que casos excepcionais de quase burla à Justiça existem, mas eles devem ser usados como reafirmação da necessidade de respeito às garantias individuais, dentre as quais o princípio da presunção de inocência se sobressai. O STF a isso já afirmou, ainda que se diga que, talvez, hoje esse pensamento pudesse ser em parte mitigado. Reformas e decisões em relação à liberdade concedidas em sede de Tribunais Superiores, em qualquer número, são verdadeira prova de que pode-se também errar em segundo grau, e, por isso, em respeito à condição de inocência do réu deve ser mantida a todo custo.
Observe-se que o lugar comum de processos que não chegam a um determinado fim não diz respeito à necessidade do trânsito em julgado para a possibilidade de prisão. Diz respeito, talvez, a falhas processuais e, quiçá, também a um número exagerado de possibilidades recursais. Os problemas são distintos. Para se resolver um, não se pode, simplesmente, pretender-se prender desmedidamente para uma alegada satisfação pública.
A regra do apelo em liberdade talvez se mostre, a alguns, exagerada no seio nacional. Não o é. O Brasil é peculiar em muitos aspectos, mas parece ser sempre melhor conceder benefícios a alguns culpados do que castigos desmedidos a inocentes. A quebra dessa equação fere, sim, a presunção de inocência, quanto mais em uma realidade como a nacional.
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*Renato de Mello Jorge Silveira é conselheiro do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo.