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Terceiro setor: modificações introduzidas pela lei 13.151/15 na possibilidade de remuneração de diretor estatutário de filantrópica

Atualmente, remuneração de dirigentes e diretores encontra-se positivada em legislação federal, de modo que não há risco às entidades desde que certos preceitos sejam observados.

12/8/2015

Em face das recentes modificações introduzidas pela lei 13.151, de 28 de julho de 2015, no regime da possibilidade de remuneração do diretor estatutário de entidade beneficente de assistência social cabe as seguintes considerações:

Tradicionalmente, o arcabouço legal brasileiro sempre trouxe impedimentos à remuneração de dirigentes estatutários de entidades sem fins lucrativos, por atividades desempenhadas na entidade mantenedora, beneficiadas por algum tipo de isenção ou imunidade tributária.

Tal impedimento na esfera federal, entretanto, foi flexibilizado com o advento da lei 12.868, de 15 de outubro de 2013, que alterou não apenas a lei 9.532/97, mas também a chamada lei da filantropia, de n. 12.101/09, as quais dispõem, respectivamente, quanto às imunidades frente aos impostos (art. 150, VI, “c”, da CF/88) e às contribuições sociais (art. 195, §7º, da CF/88).

No que se refere à lei 9.532/971, que versa sobre a legislação tributária federal, e também no tocante à lei 12.101/092, foram incluídas alterações que passaram a permitir a remuneração de diretores não estatutários não apenas com vínculo empregatício (nada obstante tão circunstância há muito fosse respaldada pela pacífica jurisprudência nacional), mas também, e principalmente, de diretores estatutários, impondo-se para estes a limitação de que a remuneração bruta seja inferior a 70% do limite estabelecido para remuneração de servidores do Poder Executivo Federal.

Com menos de dois anos após edição da lei 12.868/13, foi recentemente publicada a lei 13.151, de 28 de julho de 2015, que, mantendo a mesma lógica da novel permissibilidade de remuneração a dirigentes estatutários, quer por atividades na mantida quer na mantenedora, objetivou definir e aclarar dois) parâmetros à remuneração viabilizada ao dirigente estatutário por serviços prestados na própria mantenedora, a saber: (1) efetiva atuação na gestão executiva da entidade e (2) remuneração apurada e fixada em razão do valor praticado pelo mercado da região correspondente à área de atuação da entidade:

Lei nº 13.151/2015

Art. 4º A alínea a do § 2º do art. 12 da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 12.........................................................................
§ 2º ..............................................................................
a) não remunerar, por qualquer forma, seus dirigentes pelos serviços prestados, exceto no caso de associações assistenciais ou fundações, sem fins lucrativos, cujos dirigentes poderão ser remunerados, desde que atuem efetivamente na gestão executiva, respeitados como limites máximos os valores praticados pelo mercado na região correspondente à sua área de atuação, devendo seu valor ser fixado pelo órgão de deliberação superior da entidade, registrado em ata, com comunicação ao Ministério Público, no caso das fundações;
.................................................................................” (NR)

Art. 6º O inciso I do art. 29 da Lei nº 12.101, de 27 de novembro de 2009, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 29. .......................................................................
I – não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos, exceto no caso de associações assistenciais ou fundações, sem fins lucrativos, cujos dirigentes poderão ser remunerados, desde que atuem efetivamente na gestão executiva, respeitados como limites máximos os valores praticados pelo mercado na região correspondente à sua área de atuação, devendo seu valor ser fixado pelo órgão de deliberação superior da entidade, registrado em ata, com comunicação ao Ministério Público, no caso das fundações;
.................................................................................” (NR)

Ocorre que, nada obstante a clara intenção desta nova lei 13.151/15 de se fixar os dois pontos destacados (a delimitação da atividade do dirigente estatutário e o parâmetro a sua remuneração), o legislador parece ter se esquecido de revogar as disposições trazidas pela lei 12.868/13 pertinente à equivocada vinculação à remuneração do funcionalismo público federal.

Realmente, a induvidosa e escorreita perspectiva da lei 13.151/15 foi de apontar como parâmetro remuneratório o valor de mercado, e não determinado percentual pertinente ao funcionalismo público federal. Ocorre que, infelizmente, assim não se fez.

Nesse contexto, então, até que legislativamente não se saneie a questão, o que certamente será buscado por órgãos atuantes em defesa do Terceiro Setor, resta-nos a conclusão de que vige, atualmente, a cumulativa exigência de ambas as leis, a 12.868/13 e a 13.151/15, isto é, a averiguação do valor praticado pelo mercado da região somado ao limite de 70% da remuneração do funcionalismo público federal. E assim se dá, a propósito, porquanto inocorrente nesta espécie as hipóteses constantes do art. 2º, do decreto-lei 4.657/42, a antiga LICC, hoje denominada lei de introdução às normas do Direito Brasileiro:

Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. (Vide Lei nº 3.991, de 1961) (Vide Lei nº 5.144, de 1966)
§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
§ 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

É importante consignar que outras interpretações são possíveis à questão, mas a opção pela posição mais conservadora e literal justifica-se, legalmente, em razão do quanto disposto no artigo 111 do Código Tributário Nacional3, segundo o qual a regra geral do dispositivo em exegese (art. 29, I, da lei 12.101/09) circunscreve-se à “vedação da remuneração estatutária”, apresentando-se a hipótese de remuneração como exceção (técnica repetida nos demais dispositivos correlatos alterados pela lei 13.151/15), ou seja, é uma dispensa da obrigação de não remunerar diretores estatutários, o que atrai o inciso III do artigo 111 como vetor hermenêutico ao caso.

Ademais, a vivência pragmática de entidades beneficentes de assistência social impõe aos presentes interlocutores no papel de consultoria a estas entidades a prudência como elemento minimizador de riscos, já que historicamente as fiscalizações tributárias costumam cobrar das entidades as regras para gozo da imunidade da forma mais gravosa possível. Assim, não havendo segurança sobre a interpretação da regra, ao menos neste momento, a melhor conduta é optar por aquela com menor risco possível, já que os lançamentos em face de desconsideração da imunidade costumam pôr em xeque a própria existência da entidade, e até que esta consiga impor a verdadeira interpretação jurídica em juízo, os prejuízos se acumulam.

Para além destas questões, persistem as exigências de cunho familiar e outras questões de ordem financeira, tais como:

a) Impedimento de remuneração de cônjuge ou parente até 3º. Grau de instituidores, sócios, diretores, conselheiros, benfeitores ou equivalentes;


b) Limitação do total pago a dirigentes a cinco vezes o valor correspondente ao limite salarial individual.

Desta forma, verifica-se que, atualmente, a remuneração de dirigentes e diretores encontra-se positivada em legislação federal, de modo que não há qualquer risco às entidades desde que, obviamente, os preceitos acima sejam rigorosamente observados.

Para que o gozo das prerrogativas instituídas pela lei 12.101/09 e 9.532/97 seja possível, entretanto, faz-se necessária a adequação do estatuto da entidade de modo que haja a previsão de remuneração de dirigentes e diretores na forma da legislação supramencionada.

Uma vez registradas as alterações do Estatuto, a entidade poderá implementar a remuneração de dirigentes, respeitadas a estrutura decisória e as formalidades necessárias previstas estatutariamente ou em outros regramentos internos para modificações que impactam a folha de pagamento da entidade.

Finalmente, cumpre ressaltar que a legislação federal não vincula necessariamente outros membros federados (Estados, Municípios e Distrito Federal), sendo que a entidade deverá atentar à legislação local de cada ente com qual mantém relação jurídica, evitando-se a perda de imunidade de tributos estaduais e/ou municipais, tais como ISS, IPVA e IPTU.

Uma forma de equacionar eventuais pendências seria a proposição de consultas aos fiscos locais, apontando-se a existência de legislação federal potencialmente contraditória com regramentos daquele determinado Estado ou Município.

________________

 

1 Lei 9.532/1997: Art. 12. Para efeito do disposto no art. 150, inciso VI, alínea "c", da Constituição, considera-se imune a instituição de educação ou de assistência social que preste os serviços para os quais houver sido instituída e os coloque à disposição da população em geral, em caráter complementar às atividades do Estado, sem fins lucrativos.

 

a) não remunerar, por qualquer forma, seus dirigentes pelos serviços prestados, exceto no caso de associações assistenciais ou fundações, sem fins lucrativos, cujos dirigentes poderão ser remunerados, desde que atuem efetivamente na gestão executiva, respeitados como limites máximos os valores praticados pelo mercado na região correspondente à sua área de atuação, devendo seu valor ser fixado pelo órgão de deliberação superior da entidade, registrado em ata, com comunicação ao Ministério Público, no caso das fundações; (Redação dada pela Lei nº 13.151, de 2015)§ 4o A exigência a que se refere a alínea “a” do § 2o não impede:

 

I - a remuneração aos diretores não estatutários que tenham vínculo empregatício; e

 

II - a remuneração aos dirigentes estatutários, desde que recebam remuneração inferior, em seu valor bruto, a 70% (setenta por cento) do limite estabelecido para a remuneração de servidores do Poder Executivo federal. 

 

5o A remuneração dos dirigentes estatutários referidos no inciso II do § 4o deverá obedecer às seguintes condições:

 

I - nenhum dirigente remunerado poderá ser cônjuge ou parente até 3o (terceiro) grau, inclusive afim, de instituidores, sócios, diretores, conselheiros, benfeitores ou equivalentes da instituição de que trata o caput deste artigo; e

 

II - o total pago a título de remuneração para dirigentes, pelo exercício das atribuições estatutárias, deve ser inferior a 5 (cinco) vezes o valor correspondente ao limite individual estabelecido neste parágrafo.

 

§ 6o O disposto nos §§ 4o e 5o não impede a remuneração da pessoa do dirigente estatutário ou diretor que, cumulativamente, tenha vínculo estatutário e empregatício, exceto se houver incompatibilidade de jornadas de trabalho.

 

2 Lei 12.101/2009 Art. 29. A entidade beneficente certificada na forma do Capítulo II fará jus à isenção do pagamento das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, desde que atenda, cumulativamente, aos seguintes requisitos:

 

I - não percebam, seus dirigentes estatutários, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos;

 

§ 1o A exigência a que se refere o inciso I do caput não impede:

 

I - a remuneração aos diretores não estatutários que tenham vínculo empregatício;

 

II - a remuneração aos dirigentes estatutários, desde que recebam remuneração inferior, em seu valor bruto, a 70% (setenta por cento) do limite estabelecido para a remuneração de servidores do Poder Executivo federal.

 

§ 2o A remuneração dos dirigentes estatutários referidos no inciso II do § 1o deverá obedecer às seguintes condições:

 

I - nenhum dirigente remunerado poderá ser cônjuge ou parente até 3o (terceiro) grau, inclusive afim, de instituidores, sócios, diretores, conselheiros, benfeitores ou equivalentes da instituição de que trata o caput deste artigo; e

 

II - o total pago a título de remuneração para dirigentes, pelo exercício das atribuições estatutárias, deve ser inferior a 5 (cinco) vezes o valor correspondente ao limite individual estabelecido neste parágrafo.

 

§ 3o O disposto nos §§ 1o e 2o não impede a remuneração da pessoa do dirigente estatutário ou diretor que, cumulativamente, tenha vínculo estatutário e empregatício, exceto se houver incompatibilidade de jornadas de trabalho.

 

3 Art. 111, do CTN: Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre: III – dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.

 

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*Hugo Leonardo Zaponi Teixeira, Kildare Araújo Meira e Thiago Graça Couto Braun são advogados do escritório Covac – Sociedade de Advogados.

 

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