Migalhas de Peso

500 Dias Passados de Puro Futuro ao Congresso Nacional...

Canetas pesadas de Sérgio Moro e dos Ministros do Supremo farão com que livros de história apontem o momento ora vivenciado pela República num capítulo todo ele destacado.

6/8/2015

Nunca antes vista na história desse país, a operação Lava Jato completa 500 dias com muita intensidade para os envolvidos, com hialina esperança para a população, com preocupação para a Administração Pública e, para operadores de Direito e Congresso Nacional, com magníficos desafios.

Os números, num primeiro momento, impressionam: fala-se em desvios bilionários em setores de fundamental importância para a infraestrutura do país; são dezenas de prisões de agentes políticos e de figuras de mercado de notória expressão; centenas de mandados de busca e apreensões cumpridos, além de diligências outras para a instrução criminal, que, mais tarde, fatalmente, serão aproveitadas em ações cíveis de reparação de danos. Na 17ª fase, são 23 delações desferidas, das quais seis ainda em sigilo e com promessa de se tornarem bombásticas. O cerco se aperta e, com avançar das investigações, parece não haver fim (há quem diga que a operação não chegou em sua metade), tais como os desdobramentos a serem empiricamente abordados. Procurarei, despretensiosamente, lançar alguns deles à nossa reflexão.

De bate pronto, não tenho como ignorar, a operação em si atinge o âmago, o centro e a periferia do principal gargalo nacional: as contratações públicas, com todas as suas conaturais dificuldades históricas e com todas as suas peculiaridades hodiernas. Diz-se que o rigor da lei de licitações (a famosa 8.666/93) trava a Administração, não empresta dinamismo ao tempo das relações que, cada vez mais, exigem rapidez e, ao mesmo tempo, não impede a fraude. Professor Cintra do Amaral que o diga: afirma, com absoluta propriedade, que se uma empresa privada fazer uso da 8.666, quebra no dia seguinte. Não duvido! Por outro lado, coloca-se em xeque, nesse momento, o quão brando seria o decreto de contratações da Petrobras; o quanto aquelas escapam de um controle minimamente eficaz de gestão da coisa pública. Ainda a ser pautada no Supremo a constitucionalidade daquela norma, inegavelmente o escândalo que atravessa a estatal influirá decisivamente na sorte do julgamento. TCU sempre contra, Governo sempre a favor, difícil antever o cenário que se revela com a nova composição do plenário. Essa dicotomia, controle x dinamismo, ao nosso sentir é o primeiro legado deixado pela operação, principalmente para reflexão no Congresso, onde sopitam centenas de projetos de lei de reforma e compilação das mais varias leis de licitações e contratos administrativos. Começa-se a construir uma importante agenda a ser enfrentada.

Não me descuraria de outra faceta: o valor dos bens e serviços envolvidos nas contratações públicas. Tudo está a indicar que carregamos uma cara conta com o passar dos anos. Esquecida a corrupção, a ser desbravada na operação (e outras que estão por vir), não diria superfaturamento, mas há um sobrepreço impregnado nas licitações. Contribuíram, sonoramente, para esse desiderato os riscos aos quais o particular é obrigado a suportar quando se propõe a contratar com o Poder Público, uma máquina inchada, robusta, burocrática e, na esmagadora maioria das vezes, ineficiente. É o chamado Custo do Brasil Público. Há indicativos precisos que a revolução nas contratações públicas que se desenha para o futuro tende a tornar os contratos mais baratos. Na Itália, por exemplo, as operações anticorrupção do começo da década de 90 reduziram abruptamente o valor dos objetos licitados. Aumenta-se a concorrência, novos players adentram ao sistema público de contratações e a economia pode ser fomentada. O governo tem nas contratações públicas – e a anuncia com um vigor quase único – uma fonte de investimentos fundamental para retomar o rumo do crescimento. Ao nosso sentir, sem dúvida, a operação tende a levar para dentro daquela agenda a discussão acerca do barateamento dos bens a serem adquiridos pela Administração, como forma de revolucionar um mercado que hoje, infelizmente, revelou-se restrito, caro e obscuro.

De outro giro, passei a me questionar com absoluta gravidade sobre a importância e finalidade das Comissões Parlamentares de Inquérito. Como foi possível o arquivamento, sem conclusão ou representados, daquela primeira famigerada CPMI da Petrobras, quando já se tem até condenações judiciais na operação, é absolutamente desconcertante. Desafiador, com toda uma gama imensa de funções outras caras à república, propus-me a discutir o poder investigativo do Congresso em questões a serem potencialmente jurisdicionalizadas, diante de um sonoro impacto que um relatório parlamentar daquela estirpe pode causar dentro de um processo judicial. Sendo mais claro, com uma composição de duvidosa competência, com todos os entraves naturais para se levar a cabo uma instrução dessa envergadura, não consigo antever a finalidade da CPI atual em relação à procura de culpados, cuja investigação já é levada a efeito por quem detém, constitucionalmente, o poder dever respectivo. Não nego a importância histórica das CPI’s (sequer me proponho, nesse painel, em discutir a força da primeira parte do art. 58, §3º da CF, mas devo alertar para o final do comando), alias, oriunda da Câmara dos Comuns inglesa e esparramada mundo afora, mas a ideia de que se investiga, com viés político, algo já investigado com viés e foros de Jurisdição (quem último diz o Direito), não me conforta e causa receios. Penso que as conclusões alcançadas por essa Comissão reservar-se-iam, apenas, a acrescer, naquela agenda, contribuição para o aperfeiçoamento de uma legislação conclusiva e eficaz sobre os institutos das concorrências e contratações públicas. Os efeitos, destarte, seriam interna corporis à Casa onde se produz o Direito. Não me cansarei em dizer que a qualidade da legislação informa a qualidade de um país. Eis, pois, um terceiro e importante aspecto que a Lava Jato pode desencadear.

Efervescido com vários pedidos de impeachment somente após a deflagração da operação, de resto, o Congresso não está blindado quanto ao clamor popular. Pelo contrário: bate-lhe às portas. Com Presidentes de cada uma das Casas no olho do furacão, surgem retaliações e conchavos políticos raros na história recente do Legislativo brasileiro. Ora, noticiou-se até mesmo jantar por meio da qual se decidiu por extirpar o Partido dos Trabalhadores na condução de qualquer Comissão a ser instaurada na Câmara. Mais do que isso, apenas um outro exemplo, com 16 contas de Presidentes da República penduradas para a aprovação, uma deturpação inimaginável em um sistema minimamente democrático, aproveitando-se de uma base governista dispersa e incomodada, quer a Câmara dos Deputados correr para julgar as contas da Presidência atual, numa clara carona quanto às pedaladas fiscais em tomada no TCU. Com uma chamada pauta bomba, o Congresso coloca uma pimenta com gosto no mínimo curioso em relação à sua histórica submissão ao Chefe do Executivo, vivenciada em todas as últimas décadas. Se correta ou não a origem dessa rebeldia, se combalido ou não o Executivo com momento propício para reverter quadro, fato é que a operação Lava Jato, ao menos por ora, trouxe para o Legislativo um protagonismo que, sob a égide dessa Constituição Federal, até o momento não se tinha visto.

Oportunidade única, quiçá, para se rediscutir, no bojo dessa revolução histórica, temas espinhosos e vespeiros quase intransponíveis, como, por exemplo, o foro privilegiado para autoridades. Em matéria de competência jurisdicional, como corolário lógico de segurança jurídica, causa calafrios aos Operadores de Direito decisões judicias conflitantes. De se imaginar a dificuldade no desmembramento da Lava Jato entre a primeira instância, já avançada, com o ainda inquérito em trâmite no Supremo, para alcançar aqueles que somente lá podem ser processados criminalmente. Crimes conexos, o arrasto é inevitável: condenado quem corrompe, alguém foi corrompido; condenado o integrante de uma quadrilha, são pelos menos outros tantos que integrariam a rede para prática de crimes; e assim por diante. A influência de uma em outra instância será acachapante e não goza de legitimidade, ao nosso sentir, reclamação quanto à citação por testemunhas e corréus de autoridades no degrau mais abaixo. Até porque, diante de tamanha pressão que certamente paira e sobrevoa Curitiba, a Lava Jato desponta como um verdadeiro divisor de águas quanto ao funcionamento e crédito em determinadas instituições democráticas. O desassombro com a qual a PF, o MPF e a Justiça Federal de 1ª instância se debruçam sobre aquele tema, pelo menos da forma como se noticia a grande mídia (alias, um outro importante vetor nessa toada), fazem cair por terra a ortodoxa ideia segundo a qual autoridades poderiam ser perseguidas em primeira instância. Se as decisões até então são certas ou erradas, o trânsito em julgado dirá no futuro. Não é disso, absolutamente, que o artigo se propõe a trazer à colação. Mas, nessa altura do campeonato, uma distribuição na entrância especial de um Estado (fica a reflexão), serviria bem a um propósito de política judiciária de uniformização de entendimentos, garantido, ademais, o duplo grau de jurisdição. Ao Supremo, um tribunal constitucional: não criminal. Nesse sentido, o momento tende a demonstrar alguma fragilidade frente aos tempos modernos quanto à escolha dos Ministros de Tribunais Superiores e até mesmo a bravata e liturgia que se instaurou em torno da recondução ao cargo do Procurador Geral da República. A possibilidade de que autoridade com foro privilegiado acusada possa escolher seu acusador e julgador, possui o perigoso condão de quebrar regras comezinhas de juiz e promotor naturais.

Projetos de lei variados, como por exemplo, a regulação das delações premiadas, emendas ao código penal projetado com endurecimento das penas para os crimes contra a administração pública, pode-se afirmar com alguma segurança que foram 500 dias que mudarão para sempre a rotina e a história do Brasil. Com o tema compliance na ponta da língua da iniciativa privada, a agenda que se desponta para mudanças estruturais do país, sob olhar austero e controle populares intensificados desde de Junho de 2.013 e uma democracia participativa sedenta por justiça, obrigará aos autores políticos e agentes de estado a uma repaginação em seus pensamentos; uma arrancada rumo a uma reforma político administrativa séria e efetiva é mandamental, conquanto o ostracismo e letargia do Parlamento não mais se coadunam com o tempo e grau de importância atuais ao Estado de Direito. Certamente, canetas pesadas de Sérgio Moro e dos Ministros do Supremo farão com que livros de história apontem o momento ora vivenciado pela República num capítulo todo ele destacado. As próximas eleições locais e nacionais serão decisivas nesse processo: será você leitor, então, chamado a colocar o dedo na ferida. Como se diz por aqui, quem viver verá...

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*Fabio Martins Di Jorge, advogado da Área de Administrativo/Infraestrutura de Peixoto & Cury Advogados.

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