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O novo CPC e o agravo de instrumento na recuperação judicial e falência: por uma interpretação funcional

O NCPC limitará o cabimento do recurso de agravo de instrumento às hipóteses nele previstas, em rol presumivelmente taxativo.

3/8/2015

Como se sabe, o NCPC limitará o cabimento do recurso de agravo de instrumento às hipóteses nele previstas, em rol presumivelmente taxativo,1 substituindo o sistema atualmente vigente. No CPC/73 (art. 522), tal recurso é cabível contra qualquer decisão interlocutória, desde que se trate de provimento suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação.

Entretanto, o parágrafo único do art. 1.015 do NCPC já traz importante exceção ao rol taxativo previsto no caput e enumerado em seus incisos, listando os procedimentos nos quais, pela sua própria natureza, caberá agravo de instrumento contra qualquer decisão interlocutória:

"Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário".

Seria possível imaginar que também as hipóteses indicadas no art. 1.015, parágrafo único do NCPC (liquidação de sentença, cumprimento de sentença, processo de execução e inventário) fossem taxativas, ficando a generalidade dos casos adstrita ao rol dos incisos do art. 1.015.

Contudo, não se pode pretender aprisionar a realidade, que é muito mais rica que os exemplos indicados no parágrafo único.

Em todos os casos relacionados no parágrafo único do art. 1.015 do NCPC, há um ponto em comum, a motivar a manutenção do regime da recorribilidade imediata de qualquer decisão interlocutória: é que, em todos esses procedimentos, não há perspectiva de interposição de apelação contra uma sentença de mérito. Fica afastada, assim, a possibilidade de veicular o inconformismo contra a decisão interlocutória no bojo da apelação ou em contrarrazões a esse recurso, como propõe o art. 1.009, § 1º do NCPC2 para as matérias excluídas do rol do art. 1.015 do NCPC.

Na liquidação de sentença, a decisão que põe fim a essa fase, pelo menos em regra, será impugnável por agravo de instrumento, e não por apelação. Mesmo no CPC/73, essa já era a regra, nos termos de seu art. 475-H do CPC3.

No cumprimento de sentença e no processo de execução, somente haverá sentença se, por qualquer motivo, for reconhecido que nenhum valor é devido ao exequente, ou por alguma questão processual ou, ainda, se a atividade executiva se exaurir, com o cumprimento da obrigação, ou nos casos de transação, renúncia e prescrição intercorrente (art. 924, NCPC). São todas hipóteses específicas, não havendo perspectiva de interposição de apelação para a rediscussão de mérito, não sendo possível, por exemplo, que se aguarde o exaurimento da atividade executiva – que pressupõe alienação forçada de bens do executado e entrega do dinheiro obtido ao exequente – para rediscutir os critérios de avaliação de um bem penhorado.

Da mesma forma, no inventário apenas há sentença quando já praticamente exaurida a atividade jurisdicional, após realizada a partilha dos bens inventariados (arts. 645 e 659, § 2º do NCPC), não havendo, igualmente, perspectiva de interposição de apelação para a rediscussão do mérito.

Ocorre que há outros casos – além dos indicados no parágrafo único do art. 1.015 do NCPC – em que, igualmente, não há a perspectiva de interposição de apelação para rediscutir o mérito, esvaziando eventual reexame de matéria tratada em decisão interlocutória. Em outras palavras, nesses casos, aguardar a apelação para que a matéria fosse submetida ao tribunal equivaleria à irrecorribilidade prática da decisão interlocutória.

Não se discute que possam existir situações de irrecorribilidade, mas elas devem ser expressas, não devendo ser presumidas. Embora o duplo grau de jurisdição não consista em garantia assegurada pela Constituição no processo civil, a irrecorribilidade continua a ser exceção no sistema.

Caso contrário, a situação seria a inversa à pretendida pelo novo CPC, traduzindo maior complexidade: não existindo recurso idôneo a submeter a matéria à reapreciação do tribunal, teria que ser admitida a via do mandado de segurança, com fundamento no art. 5º, II da lei 12.016/09.

Um dos principais exemplos não contemplados no art. 1.015, parágrafo único do NCPC e nos quais não há perspectiva de apelação em tempo razoável diz respeito aos processos de recuperação judicial e falência, disciplinados na lei 11.101/05.

Na recuperação judicial, somente será proferida sentença de encerramento do processo após o cumprimento de todas as obrigações previstas no plano de recuperação judicial aprovado e que se vencerem em até dois anos depois da concessão da recuperação (art. 63, lei 11.101/05)4, quando já superadas todas as discussões sobre o deferimento e o processamento da recuperação, os critérios para a deliberação em Assembleia de Credores e os credores habilitados para votar, assim como a votação propriamente dita do plano de recuperação judicial apresentado e sua homologação.

Da mesma forma, sendo decretada a falência, somente será proferida sentença de encerramento após ultimada a arrecadação dos ativos, com a distribuição do produto aos credores habilitados e a apresentação do relatório final pelo administrador judicial (art. 156, lei 11.101/05).5

Muito embora a lei 11.101/05 preveja expressamente o cabimento de agravo de instrumento em algumas matérias específicas,6 o que continuará a ser admitido no novo CPC, por força do inciso XIII do caput do art. 1.015, há inúmeras outras situações em relação às quais não se encontra semelhante previsão e que devem ser submetidas à disciplina do novo Código, de aplicação subsidiária, nos termos do art. 189 da lei 11.101/05.7

Como exemplos de matérias em que não se regulou de forma expressa o cabimento de agravo de instrumento e que ostentam inegável relevância, pode-se apontar (i) a decisão do juiz que aprecia a competência para a recuperação judicial, ou (ii) a que determina que os planos de recuperação devem ou não ser unificados no caso de pedido de recuperação apresentado por mais de uma empresa, ou (iii) a que determina a unificação das assembleias gerais de credores no caso de pedido de recuperação apresentado por mais de uma empresa, ou (iv) a que defere o processamento da recuperação judicial, ou (v) a que aprecia, no curso do processo falimentar, o pedido de continuação provisória das atividades do falido; ou (vi) a que indefere, também na falência, o pedido de venda antecipada dos bens arrecadados perecíveis, deterioráveis, sujeitos a considerável desvalorização ou, ainda, que sejam de conservação arriscada ou dispendiosa.

Em todos esses casos e em muitos outros, encontra-se presente a mesma situação que dá fundamento ao art. 1.015, parágrafo único do NCPC: não há perspectiva de interposição de apelação em tempo hábil para que a matéria seja submetida à apreciação do tribunal.

Tal dispositivo deve, assim, ser interpretado de forma funcional: a recorribilidade imediata de qualquer decisão interlocutória mediante agravo de instrumento não deve ficar restrita aos casos previstos de forma expressa no parágrafo único do art. 1.015 do NCPC, aplicando-se igualmente aos processos de recuperação judicial e de falência, sob pena de ensejar situações de irrecorribilidade prática não contempladas pelo sistema.

Por certo, haverá outras situações, além dos processos de recuperação judicial e de falência, que reclamarão a interpretação funcional do art. 1.015, parágrafo único do NCPC.8 Sua definição concreta incumbirá à doutrina e à jurisprudência que se debruçarem sobre a matéria.

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1 Art. 1.015 do NCPC: “Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: I - tutelas provisórias; II - mérito do processo; III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem; IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica; V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; VI - exibição ou posse de documento ou coisa; VII - exclusão de litisconsorte; VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º; XII - (VETADO); XIII - outros casos expressamente referidos em lei”.

2 Art. Art. 1.009, § 1º, do NCPC: “As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões”.

3 Art. 475-H do CPC/1973: “Da decisão de liquidação caberá agravo de instrumento”.

4 Art. 63 da Lei 11.101/2005: “Cumpridas as obrigações vencidas no prazo previsto no caput do art. 61 desta Lei, o juiz decretará por sentença o encerramento da recuperação judicial e determinará: (...)”.

5 Art. 156 da Lei 11.101/2005: “Apresentado o relatório final, o juiz encerrará a falência por sentença”.

6 Confira-se: art. 17 da Lei 11.101/2005: “Da decisão judicial sobre a impugnação caberá agravo”. Art. 59, § 2º da Lei 11.101/2005: “Contra a decisão que conceder a recuperação judicial caberá agravo, que poderá ser interposto por qualquer credor e pelo Ministério Público”. Art. 100 da Lei 11.101/2005: “Da decisão que decreta a falência cabe agravo, e da sentença que julga a improcedência do pedido cabe apelação”.

7 Art. 189 da Lei 11.101/2005: “Aplica-se a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, no que couber, aos procedimentos previstos nesta Lei”. Nos termos do art. 1.046, § 4º do NCPC, essa remissão deverá ser interpretada como se tivesse sido feita ao novo Código, que, por isso mesmo, terá aplicação subsidiária: “As remissões a disposições do Código de Processo Civil revogado, existentes em outras leis, passam a referir-se às que lhes são correspondentes neste Código”.

8 V., por exemplo, Carolina Uzeda Libardoni, O recurso contra decisão prolatada em incidente de arguição de suspeição ou impedimento, disponível em https://portalprocessual.com/o-recurso-contra-decisao-prolatada-em-incidente-de-arguicao-de-suspeicao-ou-impedimento/ (acesso em 5.7.2015), sustentando a ampliação do art. 1.015, parágrafo único do NCPC para o caso de recurso interposto pelo sujeito considerado impedido ou suspeito contra a decisão interlocutória que acolher o incidente de impedimento ou suspeição. Evidentemente, o caso não se aplica ao impedimento ou suspeição do juiz – cuja decisão será proferida diretamente pelo tribunal – mas às hipóteses contempladas pelo art. 148 do NCPC.

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*Andre Vasconcelos Roque é advogado do escritório Gustavo Tepedino Advogados. Doutor e mestre em Direito Processual pela UERJ. Professor Adjunto de Direito Processual Civil da FND/UFRJ.

*Bernardo Barreto Baptista é advogado do escritório Gustavo Tepedino Advogados. Mestrando em Direito Processual pela UERJ.

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