Todos os anos a consultoria PwC, em conjunto com o Banco Mundial, lança uma publicação chamada “Paying taxes”1, em que é feito um diagnóstico sobre o sistema tributário de 189 países. Na edição de 20152, cujos dados refletem a pesquisa realizada no ano de 2013, chegou-se à conclusão que os contribuintes brasileiros demoram, em média, 2.600 horas para cumprir com as obrigações tributárias. Trata-se de um recorde mundial, mais que o dobro do segundo (pior) colocado, que é a Bolívia, com 1.025 horas.
Quem, como eu, atua há anos assessorando empresas na qualidade de advogado tributário, sabe que esse número não é nenhum exagero. Muito se diz – e é verdade – que os anos 90 e 2000 trouxeram um importante aumento de carga tributária no país, mas poucos notam que, para além da carga, o “custo tributário” das empresas aumentou significativamente no mesmo período em razão da quantidade de profissionais, empregados e/ou terceirizados, que tiveram de ser contratados pelos contribuintes para que consigam cumprir todos os deveres impostos pelos Fiscos federal, estadual e municipal.
Hoje existem empresas com áreas tributárias compostas de dezenas e até centenas de pessoas dedicadas a apurar e calcular tributos, a preencher e conferir declarações fiscais, a receber, emitir e enviar notas fiscais e arquivos digitais, a atender fiscalizações e a arquivar e manter em boa ordem inúmeros documentos pelo prazo legal.
Infelizmente o Estado brasileiro não se mostra sensível a esse tipo de custo, e, para cada extinção de obrigação acessória, são criadas outras tantas novas obrigações, muitas vezes com um nível maior de complexidade, como a Escrituração Fiscal Digital (EFD), a Ficha de Conteúdo de Importação (FCI), o Siscoserv e o e-Social, só para falar dos mais recentes (e que estão deixando muito empresário de cabelo em pé).
Não se quer aqui discutir a importância ou necessidade desses novos instrumentos. O que está em jogo aqui é se não haveria uma forma mais simples ou menos onerosa (aos contribuintes) de o Estado obter tais informações: será que todos os dados solicitados nessas obrigações são realmente necessários? Será que o custo imposto aos contribuintes está compatível com o benefício que será alcançado com tal nova declaração? Será que alguma burocracia não poderia ser evitada?
O grande problema é que, ao que parece, o Estado sequer faz essas perguntas. Lamentavelmente, o Estado brasileiro, em todas as suas esferas, está dando de ombros aos custos gerados por cada nova obrigação e simplesmente vai criando deveres instrumentais sem se importar com os ônus gerados.
A chamada “PEC do e-commerce”, que resultou na EC 87, promulgada na última quinta-feira (16) pelo Congresso Nacional, é mais um exemplo em que problemas importantes são resolvidos lançando mais peso sobre as costas dos contribuintes.
Não se pode negar que a redação originária da Constituição da República estava ultrapassada e impunha injustiça a alguns Estados: em breves linhas, a Constituição previa que, nas vendas interestaduais de mercadorias a consumidores finais não contribuintes do ICMS, o imposto seria integralmente pago ao Estado do vendedor (remetente dessas mercadorias). Ocorre que, em 1988, não existia comércio eletrônico, de modo que poucas eram as operações em que consumidores finais adquiriam bens de vendedores de outros Estados.
Com a popularização da internet, muitas pessoas deixaram de comprar mercadorias na loja do bairro e passaram a fazer compras “on-line”, de modo que o chamado “e-commerce” possui uma representatividade crescente na economia brasileira. Sob a perspectiva de arrecadação de ICMS, o resultado disso é que os Estados onde estão localizadas as lojas virtuais passaram a arrecadar mais, em detrimento dos Estados onde estão as tais lojas de bairro.
Diante desse flagrante desequilíbrio federativo, houve uma legítima comoção em favor dos Entes Federativos prejudicados, a qual foi endossada, inclusive, por Estados que acabaram tendo sua arrecadação aumentada, como é o caso do Estado de São Paulo. A boa notícia é que, com a EC 87/15, foi criado um mecanismo que objetiva resolver o desequilíbrio acima, mediante repartição das receitas tributárias entre os Estados de origem (da loja virtual) e de destino (do consumidor). A partir da produção de efeitos da referida Emenda (que ocorrerá em 2016), as operações interestaduais que destinem mercadorias a consumidores finais passarão a estar sujeitas às alíquotas interestaduais de ICMS (4%, 7% ou 12%), tal como já ocorre com as operações destinadas a não consumidores finais.
Junto com essa boa notícia, no entanto, veio uma má notícia que, seguramente, exigirá das empresas de “e-commerce” que dobrem (ou tripliquem, quadripliquem...) as horas gastas para pagar tributos. Isso porque, antes da Emenda Constitucional nº 87/2015, as lojas virtuais recolhiam todo o ICMS ao Estado onde elas estavam localizadas, e com base no tratamento tributário dado por este Estado. Na prática, portanto, se a empresa estava em São Paulo, bastava a ela conhecer a legislação do Estado de São Paulo, e realizar pagamentos apenas a este Estado.
Contudo, a partir da EC 87/15, uma loja virtual que vende mercadorias para consumidores em todas as 27 unidades federadas do Brasil, terá de conhecer as legislações de todos esses Estados (de maneira “on-line”, dada a frequência de alteração das legislações), saber qual a alíquota do ICMS de cada um desses Estados (para cada um dos produtos que comercializa), e pagar impostos para os 27 Estados.
Diante do cenário caótico que se avizinha para tais empresas (especialmente as menores), ecoam as perguntas feitas anteriormente: será que não haveria uma forma mais simples ou menos onerosa para se resolver a questão de repartição do ICMS? Será que exigir que o contribuinte localizado em um Estado tenha de conhecer todas as 27 legislações de ICMS do Brasil é realmente necessário? Será que o custo que as empresas de “e-commerce” terão para se adaptar está compatível com o benefício da EC 87/15?
Se tais perguntas foram feitas, certamente nossos congressistas ignoraram as respostas ao promulgar a EC 87/15, que, repita-se, em um propósito absolutamente nobre. Ao resolver um problema dos Estados-membros, o Congresso Nacional, lamentavelmente, jogou um problema enorme sobre as costas dos contribuintes, o que gerará efeitos que são velhos conhecidos de quem trabalha na área tributária, tais como erros inevitáveis na apuração e pagamento de impostos, autuações, contencioso, etc.
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1 Em português, “pagando tributos”.
2 Disponível em https://www.pwc.com/gx/en/paying-taxes/.
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*Carlos Eduardo Navarro é sócio na área Tributária do escritório Viseu Advogados.