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Guia Politicamente Incorreto da Arbitragem V - Arbitragem S.A.

Com a reforma, agora a estrada está pavimentada para uso da arbitragem como método preferencial para resolver litígios societários.

14/7/2015

Um dos mais louváveis dispositivos da reforma da lei de arbitragem refere-se à inclusão de dispositivo expresso reconhecendo a eficácia de cláusula arbitral inserida em estatuto social de sociedade por ações para todos os acionistas, mesmo aqueles que votaram contra, ou ainda os que se abstiveram ou se ausentaram da deliberação social. Afasta-se, assim, a discussão sobre a necessidade de consentimento expresso do acionista para que a cláusula compromissória lhe fosse oponível, supostamente com base no princípio do livre acesso ao Poder Judiciário, que não permitiria renúncia tácita ao direito de ir à Justiça comum.

Nunca concordei com esse ponto de vista, pois ele ignora um elemento basilar das S.A's: sua natureza de sociedade plurilateral, na qual se pode alterar regras sem unanimidade dos sócios, desde que se alcance os quóruns legais. Além disso, a interpretação de que alguns acionistas poderiam discutir os seus direitos sociais em juízo estatal e outros em arbitragem poderia gerar grande confusão, na hipótese de controvérsia envolvendo grande companhia, com milhares de sócios.

Com a reforma, agora a estrada está pavimentada para uso da arbitragem como método preferencial para resolver litígios societários, o que se mostra o caminho natural, diante da especialidade dessa área e da necessidade de decisões céleres. Tanto assim que a Bovespa há muito requer, para listagem em níveis mais altos de governança corporativa, a inserção no estatuto de cláusula compromissória.

Há quem critique a previsão da reforma concedendo direito de recesso ao acionista que discordar de alteração estatutária no sentido de inclusão de cláusula compromissória. Mas devemos ser realistas: esse foi o preço político para se enterrar a controversia sobre o tema. De mais a mais, o direito de recesso possui várias exceções, todas razoáveis, tais como quando as ações da companhia aberta têm liquidez e dispersão, ou quando a inserção de cláusula compromissória vier no bojo de listagem da S.A. em nível mais elevado de governança corporativo.

Mas a reforma não encerrará os debates sobre arbitragem societária. Vejo pelo menos três questões. A primeira é a possibilidade de haver arbitragem confidencial sobre sociedade anônima aberta, sujeitas a diversos deveres de informação, inclusive publicação de fatos relevantes. A CVM poderia regulamentar a matéria.

Além disso, a adoção de arbitragem incentiva o uso de ações individuais, em vez de coletivas, sintoma do individualismo de nosso sistema de resolução de conflitos. Deveríamos dar um passo adiante e conceber algum tipo de arbitragem coletiva, em que se permitisse que todos os acionistas interessados em determinado pedido, tal como a invalidação de certa deliberação social ou a cláusula estatutária, pudessem se reunir na mesma arbitragem, seja como litisconsortes, seja em algo análogo à assistência.

Temo que relevantes controvérsias societárias ocasionem enxurradas de arbitragens sobre temas repetitivos, com as desvantagens do procedimento arbitral para essas situações, tais como maior custo, deficiência nas regras de conexão e possibilidade de decisões contraditórias sem que exista um tribunal superior que venha a uniformizar questões. Aliás, a falta de uniformização mostra-se extremamente preocupante, considerando que há matérias bastante polêmicas em direito societário e, portanto, o resultado das arbitragens tende a divergir dependendo de quem forem os árbitros.

Por último, para o sistema de arbitragem societária funcionar a contento, os administradores devem também estar vinculados ao foro arbitral, visto que muitas demandas geram ações tanto contra a companhia quanto contra seus diretores e conselheiros. E quanto mais a economia brasileira evoluir de empresas com controle majoritário para empresas com controle compartilhado, maior a responsabilidade dos administradores. Daí surge a questão do custo da arbitragem, especialmente para os administradores que não sejam da família dos controladores. Há de se tomar cuidado para não se criar desincentivos econômicos a administradores profissionais assimirem a direção de grandes sociedades, mesmo que familiares. A solução pode passar pela obrigatoriedade de seguros D&O (para administradores) em certas circunstâncias.

O avanço dos direitos dos acionistas, essencial para o desenvolvimento do nosso mercado de capitais, não se cinge às normas materiais. Sem um foro de resolução de disputas especializado e rápido, o direito societário brasileiro não passará de um livro na estante. Grandes jurisdições com centros financeiros relevantes possuem Judiciários experientes, tais como Delaware e Cingapura. No Brasil, as varas Empresariais do Rio de Janeiro têm feito um bom trabalho. Mas vejo a arbitragem como a principal avenida no caminho que levará ao amadurecimento das relações acionistas-companhia-administradores.

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*Joaquim de Paiva Muniz é sócio do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados.

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