A redação do caput do art. 17 da LC 109/01 é cristalina ao dispor que “as alterações processadas nos regulamentos dos planos aplicam-se a todos os participantes das entidades fechadas, a partir de sua aprovação pelo órgão regulador e fiscalizador”. As referidas alterações, no entanto, não alcançarão aqueles participantes que já se encontrarem elegíveis ou percebendo um benefício previdenciário complementar, na medida em que, para eles, a teor do que dispõe o parágrafo único deste mesmo art. 17, “é assegurada a aplicação das disposições regulamentares vigentes na data em que se tornou elegível a um benefício de aposentadoria”.
O disposto no parágrafo primeiro do artigo 68 da mesma LC 109/01 ratifica essa ideia, garantindo que “os benefícios serão considerados direitos adquiridos do participante quando implementadas todas as condições estabelecidas para elegibilidade consignadas no regulamento do respectivo plano de benefícios”.
A possibilidade de alteração dos regulamentos dos planos de benefícios (contratos previdenciários) é intrínseca à própria relação previdenciária, dado o longo prazo de sua duração, bem como a necessidade de alterações das condições contratuais de modo a permitir sua contínua evolução, objetivando harmonizar-se com a própria dinâmica das necessidades sociais, econômicas e atuariais (por exemplo: o aumento da longevidade). É essa flexibilidade, prevista na norma especial de regência, que assegura a proteção previdenciária complementar, razão existencial das entidades fechadas de previdência complementar.
Em se tratando de ações judiciais envolvendo tais entidades de previdência, verifica-se que, desde 20/2/13, não resta mais dúvida de que a competência para o seu processamento e julgamento é da Justiça Comum, conforme decidido pelo STF quando do julgamento do RExt 586.453, sob a sistemática da repercussão geral.
No referido julgamento, além de definir a competência da Justiça Comum, o STF também observou que há uma legislação de regência específica das relações de previdência privada, autônoma em relação ao Direito do Trabalho e ao Direito Administrativo, a qual deve necessariamente ser observada.
Entretanto, diante da modulação dos efeitos realizada pelo STF no referido julgamento, restou definido que as ações que, até aquela data (20/2/13), já tramitavam perante a Justiça do Trabalho e já tinham sido sentenciadas (sentença de mérito), deveriam permanecer naquela Justiça Laboral.
Tal modulação limitou-se unicamente à questão da competência e buscou prestigiar o princípio da economia e da celeridade processual, além de evitar o inegável “caos jurídico” que seria causado se todas as ações envolvendo entidades fechadas de previdência complementar fossem, em decorrência do julgamento do STF, remetidas para a Justiça Comum. Porém, a modulação dos efeitos em hipótese alguma significou, em nem pode significar, a modulação da aplicação da legislação específica (lei 6.435/77 e, atualmente, LC 109/01).
Assim, mesmo tendo remanescido com competência para julgar algumas ações de previdência complementar, não pode a Justiça do Trabalho deixar de aplicar a legislação de regência, sob pena de descumprimento da decisão do STF. Ademais, a não aplicação das leis específicas da previdência complementar pela Justiça do Trabalho causa enorme injustiça, na medida em que os litigantes que ajuizaram suas ações perante a Justiça Laboral teriam tratamento diverso daqueles que, acertadamente, ajuizaram sua demanda perante a Justiça Comum.
Dessa forma, diante de leis que disciplinam de maneira específica a relação existente entre participantes e entidades de previdência complementar, não se podem invocar princípios e normas específicos da relação trabalhista, dentre eles, em especial, o princípio da inalterabilidade lesiva do contrato de trabalho.
A lei de regência é clara: o regulamento aplicável aos participantes das entidades fechadas de previdência complementar é aquele vigente na data em que preenchidos os requisitos para obtenção dos benefícios previstos no plano previdenciário, também chamada de elegibilidade (parágrafo único do art. 17 e parágrafo primeiro do art. 68).
No âmbito do STJ, num contexto de maior discussão dos temas afetos à previdência complementar, a jurisprudência atual e pacífica da Corte responsável por uniformizar a legislação federal corretamente se firmou pela aplicação do disposto nos citados artigos 17 e 68 da LC 109/01, ou seja, de modo a admitir as alterações dos regulamentos, a fim de que o regulamento aplicável seja aquele vigente na data em que o participante preencheu os requisitos para obtenção dos benefícios previstos no regulamento (elegibilidade).
São exemplos de acórdãos do STJ nesse sentido: AgRg no AREsp 391.634/RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti; AgRg no REsp 989.392/DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva; AgRg no AREsp 10.503/DF, Rel. Min. Marco Buzzi; REsp 1.184.621/MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão; Resp 1.111.077/DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha.
Inclusive, com fundamento nessa jurisprudência já pacífica, muitos ministros do STJ têm proferido decisões monocráticas em processos em que se discute qual o Regulamento Previdenciário aplicável (REsp 1.467.890. Rel. Min. Moura Ribeiro; REsp 1.461.517. Rel. Min. Maria Isabel Gallotti; REsp 1.493.058. Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino).
Nesse contexto, de modo a consolidar esse entendimento já pacífico, o tema foi afetado para julgamento pela 2ª seção do STJ, a qual reúne os ministros integrantes das duas turmas de Direito Privado do STJ (3ª e 4ª turmas), oportunidade em que será definida a tese jurídica que vinculará outros tribunais em casos idênticos, segundo as regras dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC).
Contudo, no âmbito da Justiça do Trabalho que, como visto, possui competência residual para julgar algumas ações que lá remanesceram após o julgamento do RExt 586.453, não há entendimento pacífico sobre o assunto, tendo em vista a existência da súmula 288 do TST que, em seu inciso I, dispõe, com inspiração no art. 468 da CLT, que “a complementação dos proventos da aposentadoria é regida pelas normas em vigor na data da admissão do empregado, observando-se as alterações posteriores desde que mais favoráveis ao beneficiário do direito”.
Não há consenso quanto à aplicação do enunciado de súmula acima transcrito nem mesmo dentro do próprio TST, já que ele vem sendo aplicado por algumas turmas daquela Corte e, exatamente à luz do que dispõe a legislação específica (especialmente o art. 17 da LC 109/01), afastado por outras.
A citada súmula 288 teve sua primeira redação em 1988, num contexto em que benefícios previdenciários complementares, por fatos pretéritos à lei 6.435/77, eram pagos diretamente pelo empregador. Os precedentes da citada súmula (datados de 1985, 1986 e 1987) comprovam tal situação, pois o próprio Banco do Brasil, em relação a contratos de trabalhos mais antigos, era o responsável pela complementação de aposentadoria, tanto que era ele o réu naquelas ações. Não havia, como há hoje, a nítida distinção entre empregador (patrocinador) e entidade fechada de previdência complementar, bem como entre o contrato de trabalho e o contrato previdenciário.
No entanto, a situação retratada pela Súmula 288 foi se alterando ao longo dos anos, com a aplicação cada vez maior do disposto na lei 6.435/77, que dispunha especificamente sobre as entidades de previdência privada, a qual, posteriormente, inspirou e deu lugar à LC 109/01, atualmente vigente, cujo fundamento constitucional se encontra no art. 202 da Lei Maior (acrescentado pela EC 20/98).
Assim, à luz dessa legislação específica, inicialmente editada em 1977 (lei 6.435) e posteriormente aprimorada em 2001 (LC 109), não se justifica mais o entendimento consubstanciado na súmula 288 do TST, eis que a legislação de regência passou a possibilitar e disciplinar as alterações de regulamento no âmbito da previdência complementar, as quais, além de seguir rigoroso rito (que passa pela aprovação dos representantes dos participantes e da patrocinadora no Conselho Deliberativo e do órgão de supervisão das entidades fechadas de previdência), devem respeitar o direito adquirido pelos já assistidos ou pelos elegíveis.
Não é razoável aplicar dispositivos da CLT, concebidos para disciplinar os contratos de trabalho, se há a LC 109/01, voltada especificamente para a regulação do contrato previdenciário.
Esse é o entendimento que se espera prevalecer no TST.
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*Ana Carolina Ribeiro de Oliveira Mendes é advogada, pós-graduada em Direito Constitucional pelo IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público e sócia do escritório Reis, Tôrres, Florêncio, Corrêa e Oliveira Advocacia.