Migalhas de Peso

Rebeldia de alguns juízes, intolerável!

Essa conduta não é correta, caracteriza o cometimento de um ilícito, e merece providências imediatas da OAB.

30/6/2015

Alguns magistrados queixam-se das muitas tarefas e do pouco tempo para não receber os advogados em seus gabinetes; outros preferem atender por telefone, marcar hora ou não receber o advogado. Essa conduta não é correta, caracteriza o cometimento de um ilícito, e merece providências imediatas da OAB, pois o representante do cidadão, todos responsáveis pelo salário do magistrado, não podem nem devem aceitar essa ignominia. O acúmulo de trabalho não é justificativa, pois o profissional não tem culpa dessa situação; será que o magistrado compreenderia a recusa do chefe da receita federal, do delegado de polícia, do gerente do banco, da diretora da escola, do médico chefe do hospital não recebê-lo?

Não há lei que acomoda essa rebeldia do magistrado: a Constituição Federal, pela primeira vez, consagra: "o advogado é indispensável à administração da justiça..."; a LOMAN, Lei Orgânica da Magistratura diz que o magistrado é obrigado a "... atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quando se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência"; a Lei federal 8.906/94, Estatuto dos Advogados, art. 7º, enumera entre os direitos do advogado: "VIII – dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição, observando-se a ordem de chegada"; o Código de Ética da Magistratura, de 6/6/08, ao tempo em que proíbe o tratamento desigual às partes, pelo magistrado, assegura que não se trata de ato discriminatório "a audiência concedida a apenas uma das partes ou seu advogado, contanto que se assegure igual direito à parte contrária, caso seja solicitado".

O CNJ respondendo a consulta de um magistrado definiu: "não pode o magistrado reservar período durante o expediente forense para dedicar-se com exclusividade, em seu gabinete de trabalho, à prolação de despachos, decisões e sentenças, omitindo-se de receber profissional advogado quando procurado para tratar de assunto relacionado a interesse de cliente"; o STJ, em Mandado de Segurança, relatado pelo saudoso ministro baiano Francisco Peçanha Martins decidiu que o Juiz não pode fixar horário específico, mediante ato, para atendimento a advogados.

Se as leis, o CNJ e os tribunais asseguram o direito de os advogados serem recebidos pelos juízes em seus gabinetes, como permitir que magistrados continuem desobedecendo leis e decisões?

O juiz que não recebe o advogado comete um deslize na sua função, reparável por simples comunicado à Corregedoria ou ao CNJ e passível de responsabilização administrativa. A OAB tem a obrigação de cuidar de seus membros fazendo com que todos os juízes recebam os advogados em respeito ao direito consagrado em todas as leis e decisões judiciais. O magistrado tem de conscientizar-se da importância do advogado, que não é simples defensor de interesses privados, nem auxiliar do juiz, mas presta relevantes serviços ao estado na distribuição de justiça.

Diante de todo esse panorama, como pode um juiz orientar seu cartório para impedir o acesso do advogado ao seu gabinete? Os advogados, nesses encontros, não tratam de interesses pessoais, mas prestam informações de natureza complexa, esclarecem pontos substanciais de suas petições, documentos juntados, porquanto se torna mais difícil para o magistrado repassar mil folhas ou mais nos autos do processo. Enfim, o advogado atua sempre em defesa dos cidadãos que reclamam a prestação jurisdicional, tarefa do Judiciário.

Essa conduta de alguns magistrados viola regras de convivência profissional harmônica e recíproca entre advogados e magistrados, que não tem hierarquia de poder e não pode nem deve ser aceita.

Se a prestação jurisdicional não atrasasse o advogado certamente não teria motivos para procurar o juiz em seu gabinete; todavia, a morosidade na solução dos litígios provoca, não só o desejo mas a obrigação de o advogado procurar o magistrado para obter em “tempo razoável”, a prestação jurisdicional. Afinal, não só o magistrado, mas também o advogado presta serviço de natureza social.

Não sejamos radicais para assegurar, como num primeiro momento o CNJ decidiu, de que o juiz tem a obrigação de atender aos advogados a qualquer momento, mesmo que implique na suspensão de despachos, audiências ou sentenças. A atenção ao advogado não deve implicar em interrupção de audiência, de sentença ou de despacho, mas também não significa a conduta de alguns magistrados em simplesmente determinar ao pessoal do cartório para informar de que está trabalhando e não tem tempo para atender ao advogado.

Repudiamos e todos devem assim proceder, porque fora de qualquer base legal, o entendimento isolado, de um ex-conselheiro e desembargador paulista, Augusto Francisco Mota Ferraz de Arruda, que, em decisão monocrática, defendeu tese no sentido de que o magistrado não tem a obrigação de receber advogado em seu gabinete, vez que não há lei para assegurar esse direito e nem a Constituição tratou da matéria. Diz que o gabinete não é espaço público de livre ingresso, como se fosse uma repartição ou praça públicas, mas espaço público privado do Estado, como se fosse o carro, bem de uso do desembargador, ambos privativos.

Essa é compreensão que não se sustenta em lei, nem no entendimento dos tribunais e dos operadores do direito, mas fruto de ódio e de rebeldia inconcebível na mente de um julgador.

A Corregedoria das Comarcas do Interior da Bahia baixou a Instrução Normativa n. 002/2012 que proíbe a edição de atos, no âmbito das comarcas do interior, tendentes a restringir ou delimitar o atendimento de advogados por Juízes de primeiro grau.

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Antonio Pessoa Cardoso é desembargador aposentado do TJ/BA.

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